sábado, 13 de junho de 2020

Verdes, refrescantes...


Caminho Português atravessa os bosques da Galícia

Perdão

“Perdoar é um ato grandioso. A intensidade do amor pode ser medida pela capacidade de perdoar. Quando acolhemos alguém com amor verdadeiro, ele manifesta a perfeição original. Caímos em ilusão quando não somos capazes de acolher os outros com amor verdadeiro. Devemos acolher tudo e todos, confiando em Deus, que abrange todos os seres e todas as coisas”.
Do livro Kami wa Ikiteiru (Deus está vivo em tudo e todos), de Seicho Taniguchi, líder religioso japonês, fundador da Seicho-No-Ie.

Verdes, refrescantes...

Como já havia peregrinado 172,4 quilômetros desde Oporto, em Portugal, e já estava cada vez mais perto de Santiago de Compostela, começava a sentir saudade do Caminho... Por isso, neste domingo, 13 de junho, há 10 anos, planejava seguir o guia: a partir de Pontevedra, fazer apenas 18,7 quilômetros, caminhando pela Via Romana XIX, e ficar no albergue de peregrinos de Briallos – Portas. Após muita lama, contudo, encontrei o albergue fechado e num ponto isolado... Decidi seguir mais 5,1 quilômetros até Caldas de Reis, o famoso balneário do Império Romano na Galícia.
A jornada compreendeu mais 23,8 quilômetros. Lembro que a primeira das etapas na Espanha, na sexta-feira 11, foi de Tui a Redondela (30,9 quilômetros) e a segunda, no sábado 12, de Redondela a Pontevedra (18,2 quilômetros).
O guia El País/Aguilar sugere uma etapa curta, de 18,7 quilômetros, de Pontevedra até o albergue municipal “nuevo y de excelente calidad” em Briallos – Portas. Estava de acordo, pois desde que coloquei o pé no caminho, decidi revezar minhas estadias, ora ficando em albergues – até o momento conheci o de São Pedro de Rates e Ponte de Lima, em Portugal, e o de Redondela, na Espanha –, ora em residencial, hostel, hotel – em Barcelos e Rubiães, em Portugal, e em Tui e Pontevedra, na Espanha –, pois nem sempre é fácil suportar a sinfonia de roncos, fila ao banheiro, falta de wifi etc. Assim, depois de me hospedar no Rúas, em Pontevedra, seguindo a dica do baiano Jeferson, era a vez de enfrentar um albergue, ainda mais com a “certificação” do guia.
Dou adeus à Pontevedra e atravesso a Ponte del Burgo. Incluída no escudo de armas da cidade, a ponte medieval sobre a ría de Pontevedra tinha originalmente 15 arcos rebaixados de meio ponto e hoje apenas 11 são visíveis devido ao assoreamento das margens. O Caminho segue por um bosque verde, refrescante e com lama até Alba, onde paro alguns minutos para apreciar a Igreja de Santa María de Alba. A subida é suave e continuo por um trecho à margem da ferrovia, adentrando em seguida na zona vinícola de Santo Amaro, conhecida pela produção do vinho albariño. Ao cruzar a N-550, que segue em paralelo com o Caminho, a placa informa que o acesso a Compostela, pela estrada, está a 40 quilômetros...
Até La Seca as plantações de uva se sucedem e após dois quilômetros chego ao Albergue de Peregrinos de Briallos – Portas. A pretensão de ficar, contudo, não deu certo. Após quase cinco horas de caminhada (sai às 7h45 e era por volta das 12h30), enfrentando trechos com lama, apesar de a chuva ter parado de vez, encontrei o albergue fechado. Relendo a indicação do guia, está lá o alerta: “llaves em el...” e um número de telefone. Não lembrei do detalhe e me socorri com morador vizinho, que me confirmou: sim, o albergue fica fechado, e as chaves podem ser retiradas com uma senhora, na casa próxima à ponte...
Passei a avaliar o custo/benefício e considerei que o albergue, embora novo, não estava bem localizado, longe de tudo, sem lugar próximo para comer e comprar mantimentos. Para não me arriscar, resolvi capitular e voltar a investir em mais comodidade:
– Amigo, caso não tenha ninguém na casa da mulher da chave, onde fica um hotel? – perguntei ao morador.
– Aqui não tem hotel – me garantiu. Você só vai encontrar em Caldas de Reis, que fica a 5 quilômetros depois que retornar à estrada.
Decidi seguir e, ao passar pela casa da tal mulher que fica com a chave do albergue (pois, pelo jeito, não há hospitaleiro...), estava fechada! Continuei a caminhar, com ânimo de percorrer mais cinco quilômetros. Avisto a Capela de Santa Lucía e me aquieto. Continuo seguindo paralelo à N-550, atravesso plantações de uvas e já nos arredores da cidade encontro a Igreja de Santa María de Caldas de Reis. Adiante está a Igreja de São Tomás de Cantuária, construída com as pedras do castelo que a rainha Urraca I tinha em Caldas. Diz a tradição que o templo foi dedicado a São Tomás pelo fato de o arcebispo e mártir inglês ter ficado em Caldas ao peregrinar a Compostela antes de ser assassinado em 1170.
Caldas de Reis está localizada no Noroeste da Província de Pontevedra, no vale do rio Umia. Um mergulho na história da vila registra que os primeiros habitantes foram os cilenos, um povo castrejo (lugar fortificado) pré-romano que ocupava o território entre os rios Ulla e Lérez. A vila, capital da região, foi denominada Aqua Celenae, ou Águas Celenas, devido às águas termais que atraíram os romanos, resultando na sua ocupação e implantação de um mansio, edifício existente ao longo das vias romanas. Caldas, inclusive, é citada no Itinerário de Antonino, o mapa criado no século III, na rota da Via Romana XIX, que ligava Braga a Astorga.
A vila foi sede episcopal até 569, quando esta condição foi transferida para Iria Flávia, atual Padrón – cidade que é reconhecida como o local de chegada da barca de pedra que trouxe o corpo do Apóstolo Santiago à Península Ibérica, e que só viria a ser encontrado no primeiro terço do século IX. Caldas denomina-se “de Reis” pois foi onde nasceu Afonso VII de Leão e Castela, filho da rainha Urraca I e de Raimundo de Borgonha, conde da Galícia.
No Centro de Caldas de Reis está a Ponte de Bermaña, que tem esse nome por cruzar o rio do mesmo nome. De origem romana e reformada no século XVI, ela é formada por três arcos de meio ponto, com dupla inclinação.
Embora cansado e faminto pela esticada no percurso, entre tantas opções de hospedagem, por 25 euros fiquei no Hotel Lotus. Por mais nove euros devorei um menu peregrino no restaurante do mesmo dono...
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#10yearchallenge

Ponte del Burgo, sobre a ría de Pontevedra: 11 dos 15 arcos originais 


Concha de vieira, no detalhe da Ponte del Burgo

Igreja de Santa María de Alba

Sinalização facilita o peregrino no Caminho Português pela Galícia

Subindo para Santo Amaro

Caminho segue à margem da ferrovia

Placa detalha a construção da Via Romana XIX

Juntos, marcos do Caminho e da Via Romana XIX

Atravessando a famosa zona vinícola da Galícia


Caminho segue paralelo com a N-550

Acesso ao albergue de peregrinos de Briallos – Portas

Encontro o albergue fechado, sem hospitaleiro...

Ao retomar o Caminho, a singela Ermita de Santa Lucía

Videiras continuam enfeitando o Caminho

Igreja de Santa María de Caldas de Reis

Casa do Concello, sede do ayuntamiento de Caldas de Reis

Igreja de São Tomás de Cantuária

Ponte sobre o rio Bermaña, no centro de Caldas de Reis

Postado em 13.06.10, 14h34 >>>>
Mãos ao alto ou o espírito do Caminho?

Nem tanto na paisagem, já que os bosques do Norte de Portugal e os da Galícia, na Espanha, são muito semelhantes, mas é principalmente no bolso que o peregrino sente a diferença ao entrar em solo espanhol no Caminho Português rumo a Santiago de Compostela.
Na Espanha, onde estou desde sexta-feira 11, após atravessar a Ponte Internacional, que liga os dois países por Valença do Minho e Tui, em quase tudo os preços dobram; e algumas vezes chegam a triplicar – não significando, necessariamente, melhor qualidade no produto ou na prestação do serviço.
O motivo, aliás, nem me atrevo a aprofundar, pois, numa breve análise, percebi algo cultural nas majorações... Pelo sim, pelo não, para quem está de passagem, apenas com olhar peregrino, o melhor é deixar que cada um enfrente a crise da forma que melhor lhe convier e com as armas que tiver.
Assim é que, na semana passada, quando ainda estava em Portugal, causou polêmica o apelo do presidente Cavaco Silva, por uma “atitude patriótica” do português, sugerindo que passe suas férias “cá dentro”. A declararão foi criticada pelo ministro português da Economia, Vieira da Silva, ao lembrar ao presidente que o fluxo de turistas estrangeiros é infinitamente maior do que o de domésticos e clamar, da mesma forma, “que os outros países não façam o mesmo”...
Trapalhadas à parte, menos de uma semana depois estavam juntos, como não poderia ser diferente, José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, e José Luis Rodríguez Zapatero, presidente do governo espanhol, para comemorar, com atos nos dois países, os 25 anos de Portugal e Espanha na Comunidade Europeia.
Nos discursos, a oportunidade para, se não agradecer os parceiros, enfatizar publicamente toda a importância que a adesão ao bloco representou em termos de desenvolvimento, progresso, investimentos..., especialmente – e várias vezes essa situação foi lembrada – “neste momento de crise”.
O Caminho, certamente, reflete todo esse clima por que passam Portugal e Espanha (além de outros países, como Grécia e Irlanda), cada um tentando se virar como pode. No fundo, no fundo, pelo menos para mim, peregrino brasileiro, dois povos gentis que parecem não saber o que fazer para me deixar à vontade, como se em casa estivesse – um deles, claro, cobrando um pouco mais por isso...
Como é impossível não comparar com o Caminho Francês, os três trechos na Espanha do Caminho Português – os até agora percorridos – ainda têm muito a aprender sobre o chamado “espírito do Caminho”. Aliás, um aprendizado que merece ser também aperfeiçoado, e mesmo profissionalizado, no percurso em Portugal.
Ao repassar os números neste domingo 13, após ter completado oito dias desde que iniciei a peregrinação em Oporto, já caminhei 196,2 quilômetros.
Em cinco etapas, uma por dia, foram 123,3 quilômetros em solo português – ou um pouquinho menos, pois a conta inclui os 3,2 quilômetros entre Valença, a última cidade de Portugal, a Tui, a primeira da Espanha.
A saber: 37,1 quilômetros, no domingo 6, do Oporto a São Pedro de Rates; 15,5 quilômetros, na segunda 7, de Rates a Barcelos; 33 quilômetros, na terça 8, de Barcelos a Ponte de Lima; 18,2 quilômetros, na quarta 9, de Ponte de Lima a Rubiães; e 19,5 quilômetros, na quinta 10, Rubiães a Tui.
E mais 72,9 quilômetros em terras espanholas, feitas em três etapas: na sexta 11, de Tui a Redondela, 30,9 quilômetros; no sábado 12, de Redondela a Pontevedra, 18,2 quilômetros; e neste domingo 13, de Pontevedra a Caldas de Reis, 23,8 quilômetros.
Tudo isso de acordo com os números do guia El País/Aguilar.
Segundo o mesmo guia, posso dizer que neste momento estão restando 41,9 quilômetros para estar junto às relíquias do Apóstolo. Um percurso que pretendo fazer em mais duas etapas: amanhã, segunda 14, Caldas de Reis a Padrón, 18,4 quilômetros; e na terça 15, Padrón a Santiago de Compostela, os últimos 23,6 quilômetros.
Números, números, números...
Perdão!
Sei que a peregrinação a Santiago de Compostela é muito mais que números!
Para quem pretende um dia realizar o Caminho Português, esses números, contudo, poderão fazer a diferença.

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