quarta-feira, 20 de abril de 2022

“Eu sou tu”! Afinal, quem voltarei?

Postado em 20.04.12, 16h09 >>>>

Credencial do peregrino: Caminho Aragonês, de Somport a Puente la Reina

Texto abaixo foi escrito há 10 anos...

Pela enésima vez, repito que sou apenas um peregrino. Igual a milhões de outros que, ao longo dos últimos anos, décadas, séculos, percorreram, no meu caso a pé e por duas vezes, o Caminho de Santiago de Compostela. Ouso ainda dizer que minha fé há de ser semelhante, nem maior ou menor, a daqueles que fizeram a rota jacobea de bicicleta ou a cavalo – as outras duas formas de se obter a Compostelana. E acrescento que ânimo similar há de ter os que foram de carro, ônibus, trem ou avião. Afinal, se para alguns ortodoxos importa a ritualística exata para definir quem é ou não peregrino e, assim, presumir determinada característica especial, para mim, nos últimos anos, isso é o que menos importa para dimensionar a força interior de se acreditar ou não no sentido supremo da vida, seja pela vontade de superar os próprios limites, ou de se encontrar consigo, ou por religiosidade... E ainda, os que não acreditam e garantem que nunca farão o Caminho, que sejam felizes com a sua verdade, afinal, cada um desses é também uma pessoa...

Se sou apenas um peregrino, a partir de agora equivalente a uma pessoa, sou exatamente isso, mais uma pessoa. Nem melhor, nem pior que as demais pessoas. Ou, ainda, tão melhor ou pior quanto as demais pessoas. Isto é, com todas ou nenhuma das virtudes, ou todos ou nenhum dos vícios, de todas as pessoas.

Da mesma forma que uma pessoa, carrego a aparente e absoluta normalidade, ou anormalidade, de uma pessoa, como tantas outras que são possíveis encontrar nos diferentes países do planeta, nos mais distantes (?)... ora, a partir de onde?... Aqui, me desculpe, não há que se falar em distância! Então, normal, ou anormal, a partir de tantas diferenças culturais e antropológicas; tão normal, ou anormal, então, pela sua semelhança.

Sou, enfim, como todos, o que me obriga a recordar uma famosa expressão, reiterada num livro que li há muitos, muitos anos, e que me marcou, de que “eu sou tu”.

Assim, apesar das prováveis e possíveis mudanças que se incorporam à conduta de todo aquele que se dispõe a fazer o Caminho a Santiago, não é possível exigir de quem o faça que aja desta ou daquela forma, nesta ou naquela situação, como se fosse, enfim, uma pessoa diferente, que não é; um iluminado, que não é; um cidadão que haverá de ser sempre modelo de generosidade e paciência; virtuoso nos atos e pensamentos, absolutamente ético e moderado, na concepção aristotélica, em busca incessante pela felicidade. Ah! não apenas a sua felicidade, mas a de todos, indistintamente. Tipo alguém “purificado”, como se a condição de peregrino, e aí peregrino lato sensu, fosse suficiente para torná-lo diferente, uma transformação que, indistintamente, a peregrinação não tem o condão de proporcionar.

Ou tem?

Pelo menos, não comigo. Com tranquilidade e boa dose de humildade, procuro evitar esse tipo de leitura, rechaçando alusões nesse sentido – chegando até, a contrario sensu, não me atrever a censurar quem utiliza a peregrinação para se diferenciar, seja ao admitir que percorreu o Caminho orando o terço e dormindo apenas em albergues religiosos... ou se gabar de ter participado de farras, regadas a muito vinho e pulpo, após um dia extenuante de peregrinação. Certo ou errado, no caso de um ou de outro, cada qual faz o seu Caminho! Afinal, por mais que eu tenha mudado, ao fazer o Caminho do meu jeito (e isso deixei expresso no primeiro livro da trilogia, sobre a peregrinação pelo Caminho Francês, em 2009), continuo sendo eu mesmo – ainda que meu nome tenha sido alterado na Compostelana para Aloisium Carolum Ferraz; o que, aliás, mudou pela segunda vez, para Ludovicum Carolum Ferraz, ao concluir a peregrinação pelo Caminho Português, em 2010.

Sim, 2010, Ano Santo...

Minhas reflexões e os questionamentos a mim lançados, sejam diretamente ou de forma velada, eis que nem sempre ditos, se alternam como numa gangorra, e me inquietam, nesses dias em que me preparo e penso na peregrinação pelo Caminho Aragonês, em junho próximo.

Afinal, quem voltarei?