Postado em 20.04.12, 16h09 >>>>
Texto abaixo foi escrito há 10 anos...
Pela enésima
vez, repito que sou apenas um peregrino. Igual a milhões de outros que, ao
longo dos últimos anos, décadas, séculos, percorreram, no meu caso a pé e por
duas vezes, o Caminho de Santiago de Compostela. Ouso ainda dizer que minha fé
há de ser semelhante, nem maior ou menor, a daqueles que fizeram a rota jacobea
de bicicleta ou a cavalo – as outras duas formas de se obter a Compostelana. E
acrescento que ânimo similar há de ter os que foram de carro, ônibus, trem ou
avião. Afinal, se para alguns ortodoxos importa a ritualística exata para
definir quem é ou não peregrino e, assim, presumir determinada característica
especial, para mim, nos últimos anos, isso é o que menos importa para
dimensionar a força interior de se acreditar ou não no sentido supremo da vida,
seja pela vontade de superar os próprios limites, ou de se encontrar consigo,
ou por religiosidade... E ainda, os que não acreditam e garantem que nunca
farão o Caminho, que sejam felizes com a sua verdade, afinal, cada um desses é
também uma pessoa...
Se sou
apenas um peregrino, a partir de agora equivalente a uma pessoa, sou exatamente
isso, mais uma pessoa. Nem melhor, nem pior que as demais pessoas. Ou, ainda,
tão melhor ou pior quanto as demais pessoas. Isto é, com todas ou nenhuma das virtudes,
ou todos ou nenhum dos vícios, de todas as pessoas.
Da mesma
forma que uma pessoa, carrego a aparente e absoluta normalidade, ou
anormalidade, de uma pessoa, como tantas outras que são possíveis encontrar nos
diferentes países do planeta, nos mais distantes (?)... ora, a partir de
onde?... Aqui, me desculpe, não há que se falar em distância! Então, normal, ou
anormal, a partir de tantas diferenças culturais e antropológicas; tão normal,
ou anormal, então, pela sua semelhança.
Sou, enfim,
como todos, o que me obriga a recordar uma famosa expressão, reiterada num
livro que li há muitos, muitos anos, e que me marcou, de que “eu sou tu”.
Assim,
apesar das prováveis e possíveis mudanças que se incorporam à conduta de todo
aquele que se dispõe a fazer o Caminho a Santiago, não é possível exigir de
quem o faça que aja desta ou daquela forma, nesta ou naquela situação, como se
fosse, enfim, uma pessoa diferente, que não é; um iluminado, que não é; um
cidadão que haverá de ser sempre modelo de generosidade e paciência; virtuoso
nos atos e pensamentos, absolutamente ético e moderado, na concepção
aristotélica, em busca incessante pela felicidade. Ah! não apenas a sua
felicidade, mas a de todos, indistintamente. Tipo alguém “purificado”, como se
a condição de peregrino, e aí peregrino lato sensu, fosse suficiente para
torná-lo diferente, uma transformação que, indistintamente, a peregrinação não
tem o condão de proporcionar.
Ou tem?
Pelo menos,
não comigo. Com tranquilidade e boa dose de humildade, procuro evitar esse tipo
de leitura, rechaçando alusões nesse sentido – chegando até, a contrario
sensu, não me atrever a censurar quem utiliza a peregrinação para se
diferenciar, seja ao admitir que percorreu o Caminho orando o terço e dormindo
apenas em albergues religiosos... ou se gabar de ter participado de farras,
regadas a muito vinho e pulpo, após um dia extenuante de peregrinação. Certo ou
errado, no caso de um ou de outro, cada qual faz o seu Caminho! Afinal, por
mais que eu tenha mudado, ao fazer o Caminho do meu jeito (e isso deixei
expresso no primeiro livro da trilogia, sobre a peregrinação pelo Caminho
Francês, em 2009), continuo sendo eu mesmo – ainda que meu nome tenha sido
alterado na Compostelana para Aloisium Carolum Ferraz; o que, aliás, mudou pela
segunda vez, para Ludovicum Carolum Ferraz, ao concluir a peregrinação pelo
Caminho Português, em 2010.
Sim, 2010,
Ano Santo...
Minhas
reflexões e os questionamentos a mim lançados, sejam diretamente ou de forma
velada, eis que nem sempre ditos, se alternam como numa gangorra, e me
inquietam, nesses dias em que me preparo e penso na peregrinação pelo Caminho
Aragonês, em junho próximo.
Afinal, quem
voltarei?