terça-feira, 16 de junho de 2020

Sentido do perdão no Caminho de Santiago


Peregrino agradece junto à imagem do Apóstolo na Catedral

Perder o horário da missa dos peregrinos ontem, às 12 horas, ao final da peregrinação pelo Caminho Português, revelou-se nesta data (há 10 anos!) um estupendo presente, pois pude participar de uma missa muito especial, celebrada pelo arcebispo de Santiago de Compostela, d. Júlian Barrio Barrio, e concelebrada pelo cardeal Juan Sandoval Íñiguez, então arcebispo de Guadalajara, no México, e o alto clero da Galícia. É assim que as coisas acontecem no sagrado Caminho de Santiago...
O ensinamento proporcionado na homilia de d. Barrio foi exemplar para meu entendimento sobre o Xacobeo2010, o Ano Santo Compostelano, e associar o mistério do perdão à mística do Caminho de Santiago. Naquele momento foi selado o segundo momento da saga Pedras do Caminho, iniciada no ano anterior com o encontro comigo mesmo ao peregrinar o Caminho Francês. Uma saga que me traria de volta ao Caminho em 2012, para peregrinar o Caminho Aragonês; em 2013, para o Sanabrês; em 2014, para a travessia de Assis a Compostela visando recriar a peregrinação de Francisco, há 800 anos; em 2015, para o Caminho Primitivo; em 2016, para o Inglês; e em 2017, para ser iluminado com o encontro da “lignum crucis”, o maior pedaço da cruz de Jesus Cristo, ao peregrinar o Caminho Lebaniego, uma rota tangencial do Caminho de Santiago...
Estou em Santiago de Compostela. A cidade está erguida onde foram descobertas as relíquias do Apóstolo Tiago Maior e de dois discípulos, Teodoro e Atanásio, após o eremita Pelayo ter sido alertado por luzes no céu e avisado o bispo de Iria Flavia, Teodomiro, que comprovou o achado. A palavra Compostela pode derivar de Campus Stellae, “campo de estrelas”, ou Composita Tella, “terras bem ajeitadas”, eufemismo de cemitério, pois ali existiu um cemitério pagão, numa antiga cidade celta, quem sabe no ano 44... Neste exato local foi sepultado o corpo do Apóstolo de Jesus... Desde a descoberta, no primeiro terço do século IX, o local tornou-se meta de peregrinação cristã.

Missa dos peregrinos na Catedral de Santiago de Santiago

Enfermos buscam paz e perdão na Catedral

Após a missa, tirabuleiros preparam o incensário gigante...

Momento esperado, o espetáculo do botafumeiro!

Final da missa dos peregrinos, Plaza do Obradoiro

Órgão da Catedral de Santiago de Compostela

Altar-mor da Catedral de Santiago

Cripta sob o altar-mor da Catedral guarda as relíquias do Apóstolo

Coluna central do Pórtico da Glória destaca a figura de Santiago

Postado em 16.06.10, 17h06 >>>>
Perdão pelo que não faço

Juan Sandoval Íñiguez e Júlian Barrio Barrio ao final da missa dos peregrinos

Não há dúvida que o peregrino, o que vai a pé, bicicleta ou cavalo... e o “peregrino”, o que vai, que chega todo dia aos milhares a Santiago de Compostela, neste Ano Santo Compostelano busca indulgência plenária, o perdão aos pecados, conforme bula do papa Calixto II, em 1119, que garantiu a graça ao peregrino que cumprir a jornada em ano jubilar, como é 2010, quando o Dia de Santiago, 25 de julho, cai num domingo (*). A iniciativa funcionou como grande alavanca às peregrinações, tanto que em 1179 o papa Alexandre III tornou perpétuo o Jubileu Compostelano e dois séculos depois, em 1332, o papa João XXII editou bula concedendo perdão aos pecados também às pessoas que ajudassem os peregrinos a Santiago.
Nem adianta o peregrino dizer que não se trata disso, que não veio atrás de indulgência plenária, pois no fundo, no fundo, esta é a motivação principal dessa agitação no Caminho, ainda que inconsciente – além do turismo, aventura, desafio, gastar dinheiro, comer bem... A cúpula religiosa sabe bem disso, tanto que traçou uma espetacular estratégia de marketing para atrair e recepcionar número recorde de peregrinos em Santiago de Compostela neste Ano Santo, o Xacobeo2010.
Se ontem perdi a missa dos peregrinos, hoje tive sorte grande, pois a cerimônia foi celebrada especialmente pelo arcebispo de Santiago de Compostela, d. Julián Barrio Barrio. Concelebrando, d. Julián contou com a atuação do alto clero da Galícia, pois Santiago é a capital da Província, e a presença especialíssima do cardeal Juan Sandoval Íñiguez, arcebispo de Guadalajara, México – que saudou os peregrinos e, entre os comentários, contou que veio a princípio para Roma e aproveitou para dar uma esticadinha a Santiago. Afinal, é Ano Santo...
Para encerrar, claro, o grande espetáculo do botafumeiro!
O anfitrião conduziu a missa de forma polida – o respeito ao peregrino está na alma do povo da Península, especialmente dos religiosos... –, mas, sem meias palavras, não deixou de colocar em primeiro plano a questão da indulgência plenária. E aproveitou para pautar algumas das exigências – o que, aliás, já havia comentando no post de ontem –, para garantir o perdão aos pecados. Ele enfatizou duas (há mais, naturalmente, que compõem o ritual): confissão e comunhão.
No meu caso, comungar já faz algum tempo que busco praticar, embora, verdade seja dita, tenha ficado indignado e até dado um tempo quando soube que um pároco da Capital de São Paulo fazia restrições para dar comunhão a casais que não haviam se consagrado no matrimônio religioso. Ainda que no referido caso, e este não é o meu caso, o homem fosse solteiro e a mulher viúva.
Atitude isolada ou não, já que ao pesquisar fiquei sabendo que isso não era praticado em outras paróquias (“mas é bom dar uma palavrinha com o padre...”, alguém me orientou), fiquei desestimulado em comungar com mais frequência, considerando que no meu caso sou divorciado e vivo em união estável desde 1984 com minha Sandra, que é solteira. Ou seja, sou casado! Confessar, então, nem me lembrava mais da última vez. Com certeza que já havia me confessado. Fiz Primeira Comunhão, acho que tinha uns 6 ou 7 anos; era e é obrigatório às famílias cristãs. E, quem sabe, confessei em alguma ocasião num dos dois anos em que estudei no extinto Colégio Santista, dos Irmãos Maristas.
Nesse contexto, a abordagem do arcebispo Julián Barrio Barrio foi de mestre e deixou à vontade inúmeras pessoas que, como eu, consideram que não devem se confessar pela simples constatação que não praticam, ou praticariam, o que se convencionou chamar de pecado, sejam os capitais, sejam os mais leves – se é possível estabelecer alguma graduação para esse tipo de conduta.
Ledo engano!
E foi nesse ponto que, lembrando do meu falecido avô materno Antonio Carneiro de Arruda, nos tempos de professor lá em Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, dei minha mão à palmatória, à eventual prática, contumaz ou não, de pecar.
Pois, sim, articulou o arcebispo, há muitas pessoas com a convicção de que não praticam pecado, eis que bom filho, pai, marido, amigo; que não molestam e nada de ruim fazem a quem quer que seja. Mas, questionou, será que estão fazendo tudo de bom que poderiam e que são capazes?
Eis a questão!
(*) Após 2010, os próximos anos jubilares são 2021, 2027, 2032, 2038, 2049, 2055, 2060, 2066, 2077, 2083, 2088, 2094…
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#10yearchallenge

Peregrino comemora a conquista da Compostela: peixe e vinho

Fila para ingresso na Catedral pela Porta Santa, fachada da Quintana

Confessar e comungar para obter indulgência plenária

Catedral de Compostela: Santiago a todos acolhe!

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