Cruz
símbolo do Reino das Astúrias
Neste
momento em que conto dias para o embarque a Madri, e de lá a Oviedo, desde onde
inicio minha peregrinação, ops, tudo bem, não tenho dúvida de que já estou no Caminho!,
que ele iniciou no exato momento em que decidi a peregrinação, mas, enfim..., falava
sobre Oviedo, na Espanha, desde onde inicio minha peregrinação pelo Caminho
Primitivo a Santiago de Compostela, um percurso de cerca de 310 quilômetros, refazendo
o roteiro do rei Alfonso II, o Casto, realizado no primeiro terço do século IX,
segundo conta a tradição, embora alguns autores sustentem ter ocorrido exatamente em 812, 813,
ou mesmo em 815 – o que pode significar que em 2015 estaríamos completando
1.200 anos! –, ou em 820..., enfim, desde Oviedo, para repetir a viagem do guerreiro
rei das Astúrias (região que envolvia a Galícia e foi a primeira na Península
Ibérica que se libertou do domínio dos mouros, dando ânimo ao processo da
Reconquista...), que deixou a sede do reino até o local onde a autoridade
eclesiástica representada pelo bispo Teodomiro, de Iria Flávia, alertado pela
descoberta do eremita Pelágio, ou Paio, havia identificado no bosque de
Libredón um sepulcro de pedra com três corpos, o do apóstolo de Jesus, Tiago
Maior, e de dois dos seus discípulos Teodoro e Atanásio...
Para
quem acompanha cada detalhe deste relato não há de ter dúvida que se está
diante não só do primeiro, de onde deriva seu nome, Primitivo, mas, talvez –
afinal a comparação é muito difícil –, do mais interessante, do mais
espetacular... (do mais antigo com absoluta certeza), dentre os Caminhos que
levam a Santiago de Compostela, sem querer desmerecer o Caminho Francês, o
preferido dos peregrinos atuais, ou a Vía de la Plata, que vem desde Sevilha e
está alicerçado (como aliás outros também estão) na magnífica rede de vias
romanas, descrita no Itinerarium
Provinciarum Antonini Augusti, o Itinerário de Antonino, consolidada nos
primeiros séculos da era cristã...
Mas,
voltando ao Caminho Primitivo, conta a tradição que após peregrinar até o local
indicado pelo bispo Teodomiro, tornando-se assim o primeiro peregrino às
relíquias de Santiago, o rei Alfonso II das Astúrias determinou a construção de
uma pequena igreja – que viria a ser ampliada nas décadas seguintes até
transformar-se na magnífica catedral de hoje, cuja construção iniciou em 1075,
e onde em sua cripta repousam as relíquias... Pois foi a partir do incrível achado
que teve início o fenômeno das peregrinações. E não apenas desde Oviedo, mas
induzindo rotas de vários pontos da Europa, como se disse, quase sempre aproveitando
e reconstruindo a antiga rede de vias romanas, o que serviu para repovoar o
antigo assentamento romano, possivelmente um mansio, que passou a se chamar Santiago de Compostela, tornando-se
a terceira maior rota de peregrinação cristã do planeta, superada apenas por
Jerusalém e Roma.
Para
reforçar sua convicção nesta tradição, veja este interessante vídeo de 7m45’. Clique na foto:
Diante de tudo isso, neste momento, como já disse, em que conto dias, me pergunto por qual motivo o Primitivo não foi minha primeira escolha para o meu encontro no Caminho de Santiago? Fácil, não conhecia este Caminho. Afinal, ao decidir peregrinar em 2009 a Santiago, fui inspirado a fazer os 800 quilômetros do Caminho Francês, desde Saint Jean Pied de Port, disposto a atravessar os Pirineus, da França a Espanha. Escolhi o Francês pelo fato de ser o mais famoso, o mais celebrado, o mais estruturado, aquele que serviu de cenário para a famosa ficção de Paulo Coelho... Mas, então, porque não foi o segundo? Da mesma forma, ainda não conhecia o Primitivo – se é que isso é possível! Minha segunda peregrinação foi pelo Caminho Português, em 2010, desde a cidade do Porto, cerca de 240 quilômetros até Santiago. E, depois, em 2012, porque não foi o meu terceiro Caminho a Santiago? Ora, continuava a ignorar o Primitivo. E, diante das opções avaliadas, escolhi enfrentar os cerca de 180 quilômetros do Caminho Aragonês, no trecho entre Somport, nos Pirineus, a Puente la Reina, onde ele se encontra com o Caminho Francês (atualmente, a bem da verdade, o encontro acontece alguns quilômetros antes, em Obanos...).
Discípulos
trazem o corpo de Tiago Maior...
Diante de tudo isso, neste momento, como já disse, em que conto dias, me pergunto por qual motivo o Primitivo não foi minha primeira escolha para o meu encontro no Caminho de Santiago? Fácil, não conhecia este Caminho. Afinal, ao decidir peregrinar em 2009 a Santiago, fui inspirado a fazer os 800 quilômetros do Caminho Francês, desde Saint Jean Pied de Port, disposto a atravessar os Pirineus, da França a Espanha. Escolhi o Francês pelo fato de ser o mais famoso, o mais celebrado, o mais estruturado, aquele que serviu de cenário para a famosa ficção de Paulo Coelho... Mas, então, porque não foi o segundo? Da mesma forma, ainda não conhecia o Primitivo – se é que isso é possível! Minha segunda peregrinação foi pelo Caminho Português, em 2010, desde a cidade do Porto, cerca de 240 quilômetros até Santiago. E, depois, em 2012, porque não foi o meu terceiro Caminho a Santiago? Ora, continuava a ignorar o Primitivo. E, diante das opções avaliadas, escolhi enfrentar os cerca de 180 quilômetros do Caminho Aragonês, no trecho entre Somport, nos Pirineus, a Puente la Reina, onde ele se encontra com o Caminho Francês (atualmente, a bem da verdade, o encontro acontece alguns quilômetros antes, em Obanos...).
Meu
despertar ao Caminho Primitivo só viria a acontecer, de forma efetiva, após
concluir a peregrinação pelo Caminho Aragonês, quando revisava e escrevia
textos para “Busca sem fim”, o terceiro livro da trilogia “Pedras do Caminho”.
Conheci o Primitivo em meio a tantas novas informações sobre a mística do
Caminho de Santiago, entre as quais, o conceito de rotas tangenciais, uma tendência
secular de antigos peregrinos que se desviavam dos caminhos tradicionais para
celebrar relíquias e santuários; eu mesmo tendo adotado uma rota tangencial,
sem ter a dimensão do que fazia, em 2009, ao sair do tradicional Caminho Francês e ir ao encontro da Ermita de Eunate, um dos marcos dos cavaleiros da Ordem do Templo no Caminho Aragonês, e, em 2012, ao deixar o tradicional Caminho Aragonês e
seguir até o Monastério Real de San Juan de la Peña, onde, segundo a tradição,
durante alguns séculos ficou guardado o Santo Graal...
Neste
momento, aliás, tive a dimensão de que nada, ou muito pouco sabia sobre o
Caminho de Santiago – afinal, são 12 séculos de história da famosa rota de
peregrinação!!! Desde então uma máxima do Caminho passaria a me perseguir:
– Quien va a Compostela y no visita al
Salvador, honra al criado y olvida al Señor.
A
frase refere-se a Oviedo, onde está a Catedral de El Salvador, cuja Câmara
Santa guarda inúmeras relíquias, como a Cruz dos Anjos, doação de Afonso II e
símbolo de Oviedo; a Cruz da Victória, doação de Afonso III (século X), símbolo
das Astúrias; e, com certeza a mais importante, uma das duas peças do Santo
Sudário, a que protegeu a cabeça de Jesus após sua crucificação... – a outra,
que abrigou o corpo de Jesus, está em Turim, na Itália.
Aliás,
é levando ao pé da letra a célebre frase que persegue o Caminho desde o período
da Alta Idade Média que muitos peregrinos do Caminho Francês, quando chegam a
León, adotam uma rota tangencial, denominada Caminho Salvador, com cerca de 100
quilômetros, e seguem direto a Oviedo, para demonstrar que não, não esquecem o
Salvador...
Ora,
se já sabia tudo isso em 2012, qual a razão de o Caminho Primitivo não ter sido
a minha escolha natural em 2013, quando realizei minha quarta peregrinação,
desta vez pelo Caminho Sanabrês? Boa pergunta. Mas, estou tranquilo para
repetir os argumentos que articulei ao relatar o belo percurso, passo a passo,
etapa por etapa (e foram 16!), no livro “Descobrindo novos Caminhos”, lançado
em março passado na Pinacoteca Benedicto Calixto, em Santos, no litoral do estado
de São Paulo. Sim, assumi o desafio de peregrinar os cerca de 420 quilômetros
do Caminho Sanabrês, iniciado na verdade de Zamora, ainda na Vía de la Plata,
porque este Caminho, como o Francês e o Português, chega direto a Santiago de
Compostela. Ou seja, é diferente, por exemplo, do Aragonês, que, como disse, se
encontra com o Francês em Puente la Reina (hoje, um pouco antes, em Obanos...),
seguindo juntos para Santiago de Compostela. É diferente também da Vía de la
Plata, que se encontra com o Francês em Astorga... É diferente ainda do Caminho
do Norte, que se encontra com o Francês em Arzúa... E é diferente do Primitivo,
que se encontra com o Francês em Mélide...
Hoje,
superado esse detalhe – e já de olho no Caminho Inglês (que continua um segredo
para mim e um dos que chega direto a Santiago de Compostela...) – agora é a vez
do Caminho Primitivo. É tarde? Não acredito. Nem cedo, nem tarde, a energia do
Caminho Primitivo entrará na minha vida no momento certo, numa circunstância
muito especial, no qual me considero preparado para mais este esforço, não só
físico e mental, mas especialmente pelo volume de conhecimento que adquiro nas
pesquisas históricas que faço sobre a formação e a importância do reino das
Astúrias..., um esforço que interpreto como essencial para me lapidar neste
processo de autoconhecimento e renovação espiritual. Acredito que tenha que ser
assim mesmo.
Oviedo,
estou chegando.
Santiago,
passa à frente!#pedrasdocaminho