segunda-feira, 15 de junho de 2020

Enfim, Compostela!


Peregrino diante da Catedral de Santiago de Compostela

Perdão

“A melhor maneira de estar com o seu Espírito é perdoar. Perdoe, pois assim seus pensamentos irão embora... Quanto menos você pensar, mais rápido avançará em sua realização”.
Conselho de Shri Mataji Nirmala Devi, fundadora da Sahaja Yoga.

Enfim, Compostela!

Há 10 anos, nesta data... Os 23,6 quilômetros finais do Caminho Português a Santiago de Compostela foram de alegria, pela conquista, e tristeza, pelo fim da peregrinação de 240 quilômetros durante 10 dias. Embora pudesse ser levado a comparar com os 29 dias, em 2009, quando peregrinei os 800 quilômetros do Caminho Francês, fortalecia em mim a convicção de que cada Caminho é um Caminho, com identidade e aspectos absolutamente distintos, cada um capaz de proporcionar reflexões únicas visando tornar uma pessoa melhor...
Ao deixar Padrón na manhã de terça-feira parecia sentir o peso da peregrinação em Ano Santo, o Xacobeo2010, atravessando as ruas decoradas com banners alusivos ao mito jacobeo. Em um quilômetro cheguei a ponto emblemático desse mistério, a paróquia de Iria Flávia, parte da cidade de Padrón, inicialmente ocupada pelos celtas e depois pelos romanos, e que foi sede episcopal da região quando se descobriu o sepulcro do Apóstolo Tiago Maior... Sua joia é a monumental Colegiata, do século XII, reformada ao longo dos anos até chegar a sua aparência atual, a primeira catedral da Galícia.
O Caminho segue atravessando pequenos pueblos, Pazos, Cambelas, Rueiro, Anteportas, alguns trechos com as famosas corredoiras galegas, antigas vias que ligam as aldeias, estreitas, decoradas com pedras cobertas de limo, até alcançar o Santuário da Escravidão, dedicado a Maria; um magnífico edifício de estilo barroco, com torres gêmeas de 32,5 metros, cuja construção foi concluída em 1886. A tradição diz que a água de sua fonte é milagrosa...
Após uma curta descida até Angueira de Suso parei para descansar e comer o bocadilho de jamón e queijo que trazia comigo. O Caminho volta a subir e passa pelos pueblos Areal, Faramello, Rúa de Francos, onde está a ermita de San Martiño e um interessante cruzeiro gótico, considerado um dos mais antigos da Galícia. O Caminho percorre pueblos que parecem esquecidos, Ameneiro, Galanas, e continua subindo para desembocar em Milladoiro, onde parei para tomar um café. Mais alguns passos e do alto do Monte Argo dos Monteiros, a 250 metros de altitude, considerado o Monte do Gozo do Caminho Português, é possível ver as torres da Catedral de Santiago de Compostela.
O Caminho agora desce ao vale do rio Sar, passando por Rocha Velha, para subir lentamente até retornar aos 250 metros de altitude, onde está Compostela. Estou convencido que não adianta acelerar o passo para chegar a tempo de participar da Missa dos Peregrinos. Então, pelo contrário, caminhei com vagar, desfrutando, e assistindo ao filme que minha mente elabora sobre os últimos dias de minha vida, desde o embarque a Lisboa, a chegada a Oporto, os dias de peregrinação, a minha segunda pelo Caminho de Santiago, o que esta experiência mudará em minha vida...
Ao alcançar a zona urbana de Compostela logo ingresso no casco histórico e chego à Praza do Obradoiro, que exibe a fachada ocidental da Catedral, no momento em que uma multidão descia as escadarias, pois havia terminado a Missa dos Peregrinos. Tudo bem. Permaneci aos pés do magnífico templo, para agradecer o êxito da peregrinação, ao mesmo tempo em que aprecio os detalhes de sua arquitetura. Após fazer o registro em hostal próximo, para deixar minha mochila, e ingressei na Catedral para me reencontrar com o Apóstolo e cumprir o ritual do Ano Santo. Depois, fui à Oficina de la Peregrinacion requerer a Compostela. Após passear algum tempo pelas ruas de pedra de Compostela, parei num pequeno restaurante, e comi frutos do mar com vinho. Na tevê, o Brasil estreava na Copa do Mundo de Futebol contra a Coreia do Norte, com vitória por 2 a 1.
A Missa dos Peregrinos ficou para o dia seguinte, com direito ao espetáculo do botafumeiro... Aliás, uma missa inesquecível, por meio da qual pude compreender, talvez, o sentido do perdão no Caminho de Santiago. E admitir a necessidade de pedir perdão não só pelas coisas que faço, e que nem sempre são as mais corretas, mas, em especial, por tudo aquilo que poderia fazer e, devido minhas imperfeições... não consigo.
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#10yearchallenge

Banners nas ruas de Padrón comemoram o Xacobeo2010

Colegiata de Iria Flavia: obra dos séculos XII e XIII

Caminho atravessa vários pueblos...

Concha de vieira indica que estou no Caminho de Santiago

Vias estreitas com paredes de pedras cobertas de limo

Vias são conhecidas como “corredoiras galegas”...

Santuário da Escravitude: construção demorou três séculos até 1886

Entrada do Santuário da Escravitude, dedicado a Maria

Torres gêmeas do Santuário da Escravitude têm 32,5 metros

Curta descida até Anguería de Suso

Porto Rio: os apetrechos do peregrino agora descansam

Esticar as pernas e saborear bocadilho de jamón com queijo

Sombra do peregrino: a certeza de sua companhia...

Faramello: Caminho segue pelo acostamento da N-550

Enxada na mão, cuidando da horta

Despedida dos bosques refrescantes da Galícia

Monte Argo: já é possível avistar as torres da Catedral de Compostela

No Centro de Santiago de Compostela...

Chegada exatamente no fim da missa dos peregrinos

Praza do Obradoiro: fachada ocidental da Catedral de Santiago de Compostela

Postado em 15.06.10, 11h39 >>>>
O Aloisium agora é Ludovicum! Viva Santiago!

Compostela: agora sou Ludovicum Carolum Ferraz

Eu tentei, ah! como tentei. Sai de Padrón às 7h25, com previsão de chegar a Santiago de Compostela após 5 horas e 30 minutos de peregrinação pelo Caminho Português – o que me colocaria na catedral às 12h55 e, caso conseguisse ter acesso ao templo, talvez visse o espetáculo do botafumeiro... Mas nem tudo acontece como a gente quer.
Eis que cheguei na Praza do Obradoiro, a entrada ocidental da Catedral, por volta das 13h10, exatamente no término da missa dos peregrinos, quando o templo já estava sendo esvaziado e uma multidão permanecia parada em frente. Eram peregrinos sentados no chão, pessoas que nunca se viram se cumprimentando, enfim, uma grande festa...
Este é o clima de Compostela neste Ano Santo, quando o Dia de Santiago, 25 de julho, cai num domingo, e as normas canônicas estabelecem que, cumpridas determinadas exigências, o peregrino terá direito à indulgência plenária, ou seja, o perdão de todos os pecados. Falo em exigências, pois, além da peregrinação, o pretendente tem que orar um Pai Nosso, um Credo... e outras tantas coisinhas, algumas das quais guardadas em “caixa-preta”, que trato de garimpar para não esquecer de nada. Ou, ao final, ainda terei de ouvir de uma carola: “Espertinho, mas você não sabia?”
Perdida a missa – não tem problema, já reservei duas noites num hostal a uma quadra da catedral... –, aproveitei para visitar a bela catedral, atentar para inúmeros detalhes que passaram despercebidos na primeira visita, no ano passado, após completar o Caminho Francês e, claro, cumprir alguns itens do ritual do Ano Santo (outros tantos cumpriria na missa do dia seguinte...).
Em seguida, fui solicitar minha Compostela, o documento que prova a minha visita a Santiago de Compostela, mediante a peregrinação documentada pela minha credencial, com selos desde o Oporto, em Portugal – ou melhor, selos a partir de Vilar do Pinheiro, pois ao deixar a Sé, naquele início de manhã de domingo, simplesmente esqueci do importante detalhe, só lembrado por volta da hora do almoço...
Na Oficina de la Peregrinacion, um atencioso rapaz comprovou meus carimbos e, ao pedir que completasse o formulário oficial com meus dados (era o primeiro brasileiro do dia, confirmei com ele!), preparou o documento com sua letra.
O curioso e bota curioso nisso, para não dizer outra coisa, é que, ao preencher o documento em latim, em vez de grafar Dnum Aloisium Carolum Ferraz, como na primeira Compostela, que está pendurada na parede do meu escritório, ele escreveu Dnum Ludovicum Carolum Ferraz... Pois é, se no ano passado achei interessante observar que era outro, desta vez, sou... outro mesmo!!!
Ao alertá-lo para a situação, o jovem admitiu as duas versões para Luiz e até se dispôs a fazer nova Compostela. Mas, aleguei que não era necessário, e, comigo mesmo, considerei que a coincidência reforçou a ideia que já fazia, de que, realmente, sou outro, pois encontrei outro Luiz no Caminho Português...

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