segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Caminho dos Imigrantes. Passos em família


Gruta do Poço Certo: momento de reflexão no espetáculo da Natureza

A trilha à Gruta do Poço Certo, na Lomba Alta, município de Alfredo Wagner, também pode ser incluída no rol das rotas tangenciais do Caminho dos Imigrantes, em Santa Catarina – que visa resgatar a histórica travessia entre Florianópolis e Lages. O trajeto tem apenas 3,8 quilômetros e leva o caminhante à hospitaleira comunidade local, colonizado pelas famílias imigrantes Althoff, Schweitzer, Schimidt e Frantz, que dotaram a atração com infraestrutura que facilita o acesso ao espetáculo da Natureza.
A gruta, que foi um antigo cemitério indígena, tem esse nome porque a tradição conta que caçadores de paca costumavam ir ao lugar e era certo que sempre voltariam com a caça. O trajeto foi escolhido para selar um encontro fraterno de gerações descendentes de famílias de imigrantes alemães – além de celebrar nossa despedida da serra catarinense. No seleto grupo, presença dos Netto (originalmente Heindorn), Althoff, Schimidt e Frantz.
Domingo 29 nossa partida foi em frente ao Museu de Arqueologia de Lomba Alta. O acesso ao Poço Certo é muito fácil e, após passar pela Capela dedicada à Santo Antônio, basta seguir à esquerda por uma estrada de terra cercada por áreas reflorestadas por pinheiros exóticos. Houve um tempo em que essas áreas eram repletas de araucárias, o pinheiro brasileiro, que foram derrubadas antes de serem protegidas contra a extinção.
Após uma hora e meia de subidas e descidas, com grau de dificuldade nível 2, numa escala de 1 a 5, chegamos à comunidade do Poço Certo. Escolhemos um bom local para descanso e iniciamos a preparação de um piquenique colonial com delícias da gastronomia serrana: pão de milho, queijo, linguiça, pinhão cozido, toucinho do céu... Momento de descontração e lembranças de causos, contatos principalmente por Marízia, Osli e Sandra, e ouvidos atentamente por mim e os jovens Izabela e Ramon; sem falar de Billy e Luna...
Com as forças recuperadas, o grupo seguiu à Gruta, descendo por uma trilha junto à encosta do morro, dotada de corrimões de madeira e bancos de apoio – tudo feito pelos donos da propriedade, que demonstram um sincero prazer pela presença de visitantes. A vista ao longe continua magnífica e a surpresa logo vem quando se chega à gruta, que se assemelha a uma caverna aberta, com amplo salão encravado na rocha e que tem ao lado uma cachoeira com 42 metros de altura. No salão, um delicado altar com a imagem de Nossa Senhora e várias bancos convidam à oração.
Após alguns instantes de êxtase, em que cada um teve a oportunidade de investigar os diferentes espaços da gruta, nos sentamos diante do altar. Osli lê uma passagem bíblica e nos brinda com reflexões pertinentes. De mãos dadas oramos e agradecemos as bênçãos merecidas.
É hora de partir e, como já o conhecemos, o Caminho de volta nos parece mais curto. Boa Caminhada!

 Acesso ao Poço Certo: 3,8 quilômetros até a gruta

Passeio reuniu membros de tradicionais famílias de imigrantes

Comunidade do Poço Certo: hospitalidade da Família Althoff

Animais vieram recepcionar os caminhantes

Piquenique colonial na chegada ao Poço Certo

Comer e descansar antes do caminho à gruta...

Iniciando a trilha à gruta

Na trilha, o descanso de uma guerreira...

Sinalização convida visitantes à outras conexões

Infraestrutura garante segurança e facilita acesso à gruta

Reencontro de irmãs: Marízia e Sandra

A paisagem continua fantástica!

Gruta contempla singelo altar e bancos para visitantes

Junto à gruta, a cachoeira compõe cenário natural

Billy confere o precipício: tração nas quatro patas...

Billy e a amiga Luna: explorando cada espaço da gruta

Com Marízia: enfim, é a hora de voltarmos

Retorno à Lomba Alta: passeio gravado em nossos corações

sábado, 28 de setembro de 2019

Caminho dos Imigrantes. As rotas tangenciais...


Pedra Branca: uma das atrações que tangenciam o Caminho

O Caminho dos Imigrantes, em Santa Catarina, tem potencial muito além da rota principal, na travessia entre Florianópolis e Lages – conforme já destacado em posts anteriores –, e merece ser avaliado no contexto de suas inúmeras e incríveis rotas tangenciais. Este conceito é utilizado, por exemplo, no Caminho de Santiago, na Espanha, quando os peregrinos desde a Idade Média se desviavam do itinerário para visitar monastérios e celebrar relíquias... Eu mesmo o adotei algumas vezes, no Caminho Francês, em 2009, quando fui ao encontro da ermida templária de Santa María de Eunate; e depois, no Aragonês, em 2012, quando segui ao Monastério de San Juan de La Peña; no Sanabrês, em 2013, ao conhecer Verín e logo em seguida descansar no Monastério de Oseira... até peregrinar, em 2017, o Caminho Lebaniego, um percurso com forte identidade, mas que não deixa de ser uma rota tangencial do Caminho de Santiago.
A possibilidade de aplicar o conceito foi sugestão de nosso estimado sobrinho Osli Netto, ao nos levar em expedição à Pedra Branca, no município de Alfredo Wagner – uma das famosas atrações naturais no extremo Norte da Serra Geral catarinense. Osli é estudioso, pesquisador das antigas famílias de imigrantes – ele mesmo de uma delas, a Netto, originalmente Heindorn – e fervoroso entusiasta na divulgação da cultura legada pelos antepassados, que cultiva de forma voluntária nas ações desenvolvidas na Igreja Adventista.
Na quinta-feira 27 fomos de carro, utilizando o acesso existente na BR 282, do outro lado da rodovia onde está o acesso principal à Lomba Alta, avistando ao longe o Campo dos Padres – outro excelente exemplo de rota tangencial. Alcançamos a Pedra Branca após rodar 10 quilômetros pela antiga estrada que atravessa propriedades de famílias tradicionais de imigrantes, que se esparramam pelas encostas até o sopé do morro, e integram uma paisagem decorada por araucárias centenárias, de onde se projeta não só o morro que dá nome ao local, mas um conjunto de elevações rochosas, autênticas maravilhas da natureza.
Caminho tão antigo que por si só não deveria deixar dúvida sobre o direito natural de qualquer cidadão poder conhecer a contemplar – mas que, talvez por ignorância, ou excesso de zelo, alguns proprietários teimam em tentar bloquear com porteiras e cadeados. Claro que as porteiras são necessárias para disciplinar o trânsito de gado, mas os abusos proliferam e visam claramente proibir o acesso aos paraísos. Isto ocorre não só em Pedra Branca, como também em outros santuários naturais da região, de resto em todo o país – o que inibe essa modalidade de turismo que, muito mais que um negócio, traduz o exercício de um direito. A expectativa, no caso, é que o Ministério Público estadual não fique inerte e a Justiça seja acionada para proteger o cidadão.
A chamada Pedra Branca tem cerca de 1.600 metros de altitude e de suas entranhas fluem várias nascentes que vão colaborar à bacia hidrográfica do rio Itajaí-Açu. No alto, um de seus trechos conhecidos é denominado “facão” – uma estreita passarela de pedra com precipício em ambos os lados... Na região Pedra Branca, detalha Osli Netto, foi desenvolvida uma importante colônia de imigrantes, a maioria alemães, e ao longo da via principal é possível se encantar com o estilo das casas dos pioneiros, que continuam a exercer atividades rurais, seja o cultivo de cebola e feijão, a criação de gado ou o corte de madeira de reflorestamento. Mais recentemente o local passou a atrair a implantação de pousadas, ocupadas especialmente pelos amantes do montanhismo. “Pedra Branca chegou a ser o maior produtor de feijão de Alfredo Wagner”, conta Osli: “Os antigos lembram um mutirão em que se juntaram 100 foices para fazer a roça em um dia”.
Seguimos de carro sempre subindo, com Osli indicando propriedades de famílias conhecidas, o terreno onde funcionou uma igreja Adventista, “filha” da Igreja de Entrada, de Bom Retiro, e que acabou se mudando para o Centro de Alfredo Wagner, o cemitério adventista. Desse ponto já é possível avistar, no alto de uma das montanhas, a pedra “Bico do Navio”, e que tem ao lado “Pedra do Pinheiro”, por seu formato inusitado.
Paramos na casa do agricultor Adir Marian, 68 anos (em 15 de outubro completará 69), de família tradicional, também montanhista e que foi nosso guia até o sopé da Pedra Branca – não tínhamos tempo para a escalada! Voltaremos! Além de amigo e irmão de igreja de Osli, Adir conhece bem a região, pois sua família chegou a ser proprietária de muitas terras, inclusive no alto da Pedra Branca, com criação de gado e cabrito, mas que foi praticamente dizimada após ataques de leão-baio – o principal predador do lugar, também conhecido como onça-parda, puma ou suçuarana.
Adir reconhece o direito dos turistas e está sempre disposto a servir de guia aos que querem subir as montanhas e desvendar as belezas do lugar. Ele nos aponta as nascentes de água puríssima que descem as montanhas, fornece detalhes das aves e espécies de árvores, conta “causos” interessantes sobre episódios e pessoas, ou seja, é uma pessoa extremamente agradável, além de indispensável para servir de guia pelas montanhas da região. Informa que do sopé até o alto da Pedra Branca é preciso enfrentar 88 curvas em mais de 7 quilômetros de subida...
Retornamos ao lar de Adir e sua Nilzete e nas despedidas somos presenteados com a hospitalidade característica do colono, traduzida em generosas porções de pinhão das araucárias centenárias e doces caseiros... “É fantástico o legado dessas famílias, a maioria de imigrantes, que vieram se instalar nas serras e montanhas. Da igreja acima, passavam de 100 famílias. Aqui, criaram seus filhos, trabalhando em regime de mutirão e gerando riquezas. Temos muito a aprender com essas famílias”, resumiu Osli.

Idealizada pelo sobrinho Osli, expedição foi guiada pelo antigo morador Adir

Casa de família tradicional de Pedra Branca

Ocupação consciente e natureza preservada

Trilha leva ao sopé da Pedra Branca

Encostas com pedras, muitas árvores e araucárias

Voltaremos um dia e quem sabe escalaremos a Pedra Branca...

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Caminho dos Imigrantes. Direito à cultura!



Ao fundo, o Campo dos Padres: belas paisagens desde Alfredo Wagner

Embalados no sonho de Santa Catarina enfim assumir o seu Caminho dos Imigrantes – com cerca de 250 quilômetros, de Florianópolis a Lages –, continuamos a pensar neste mega projeto e não poderia haveria melhor inspiração do que retomar a rota e resgatar os passos dos pioneiros alemães. Insisto, até prova em contrário, que a iniciativa é inédita – e tem pouco a ver com a chamada Rota dos Tropeiros, muito menos com a caminhada feita anualmente, no período da Quaresma, ambos com início em Lages... A proposta é adotar uma direção exatamente inversa, a partir de Florianópolis, por onde desembarcaram os imigrantes a partir do Império, na colonização da então Província de Santa Catarina!

Com esta perspectiva, após caminharmos os 14,5 quilômetros de Lomba Alta, bairro de Alfredo Wagner, ao município de Bom Retiro (leia o post anterior), eu, Sandra e Billy resolvemos fazer o trecho imediatamente anterior, do centro de Alfredo Wagner a Lomba Alta.
Com cerca de 10 quilômetros, esta etapa poderia ser caminhada quase que totalmente pela antiga estrada estadual – não fosse uma intersecção que obriga ir 100 metros pela BR 282. Tudo bem. Importa que em sua maior parte a via ainda conserva o chão de terra batida, com algum cascalho, atravessando sítios e pequenas comunidades. Embora mais curto que o itinerário realizado há dois dias, o trecho é uma subida constante, repleto de curvas, passando dos 480 metros de altitude do centro da cidade para os 1.000 metros da Lomba Alta. O grau de dificuldade é moderado, talvez 3, numa escala de 1 a 5, mas as incríveis paisagens da serra catarinense, salpicadas de araucárias, com momentos que vislumbram o vale do rio Caeté e o Campo dos Padres, compensam cada metro.
Com sol nesta quarta-feira 25 deixamos o centro de Alfredo Wagner e seguimos pela Rua Águas Frias, que neste trecho possui piso de bloquetes de concreto, com muitas residências e comércio. Na medida em que nos afastamos da zona urbana, começam a surgir os sítios e pequenas plantações, a pousada Pedras Rolantes, e uma paisagem que revela a formidável geografia do vale do rio Caeté. Sempre subindo, alcançamos a BR 282, na altura do km 110, sendo obrigados a caminhar uns 100 metros pelo acostamento, e atravessar para o outro lado da pista. Em 800 metros há o acesso para a Cabanha Bruch, uma pousada rural com ambiente acolhedor, mantido por Jonas Bruch e a esposa Anita. Cabanha porque no local há produção de ovinos. O ponto é conhecido dos que apreciam o turismo rural e oferece uma programação variada, com café colonial, trilhas em Área de Preservação Permanente (APP), gastronomia regional e uma vista privilegiada para o Campo dos Padres. Outra atração é o arroio do cocho d’água, recuperado por Jonas, exatamente onde paravam os tropeiros que vinham no século passado, na rota comercial entre Lages e Florianópolis...
Desviamos do caminho para conhecer as instalações e ficamos surpreendidos com o conceito e a infraestrutura. Conversando com Jonas, ele nos contou uma história pitoresca sobre a criação da antiga estrada, quando uma expedição da Colônia Santa Isabel foi formada para encontrar o Morro do Trombudo, que chegou a ser marcado como a divisa das Províncias de São Paulo e Rio Grande do Sul: “Consta que ficaram 81 dias perdidos e não conseguiram achar. Depois houve uma expedição do Morro do Trombudo até Santa Isabel e após 27 dias chegaram lá”. Santa Isabel foi uma das colônias de imigrantes de Santa Catarina. Consta que era bem sucedida, tinha colégio alemão, internato, 27 pequenas fábricas, de cerveja, vinagre, têxtil. “Era para ser uma Blumenau”, comparou Jonas: “Com a definição da estrada entre Florianópolis a Lages os colonos foram transferidos para Teresópolis, onde meu pai nasceu. Depois tiveram que mudar de novo para criar a 282 e a comunidade acabou”.
Histórias e mais histórias. O Caminho dos Imigrantes é cenário de diferentes histórias, muitas ainda pouco contadas, mas que revelam a “fé, honra e coragem de um povo”, como Dario Cesar de Lins intitulou o livro que escreveu sobre o legado da imigração alemã em Santa Catarina...
Da Cabanha Bruch retomamos o caminho e registramos nossa passagem pelo marco do km 124 da antiga via. Continuamos subindo, apreciando a paisagem cada vez mais ampla do Campo dos Padres. Informa o Wikipédia que o Campo dos Padres é um imenso planalto no qual estão localizadas as maiores elevações do estado: o Morro da Boa Vista, com 1.827 metros de altitude, e o Morro da Bela Vista do Ghizoni, com 1.823,49 metros, enquanto sua borda cai por cerca de 500 metros.
Finalmente, avistamos a chaminé do forno da extinta olaria de Osmair Netto, irmão de minha Sandra, que durante anos fabricou tijolos de argila com reconhecida qualidade. Andamos mais alguns minutos e estamos diante da Capela dedicada a Santo Antônio. Chegamos finalmente ao Museu de Arqueologia de Lomba Alta, que exibe diversos artefatos, fósseis, peças geológicas e ecológicas, e está localizado em frente ao Atacado Netto & Onofre, dos sobrinhos Luciandro Netto e Andrea Onofre Netto. O museu foi inaugurado no cinquentenário da morte de Alfredo Henrique Wagner, em 20 de outubro de 2002, e seu edifício é uma réplica, em estilo suíço-germânico, da residência do patrono do município.
Sim, conforme foi afirmado no post anterior, é perfeitamente viável caminhar – ou pedalar... – de Lomba Alta até Bom Retiro, como também é possível caminhar ou pedalar do centro de Alfredo Wagner até Lomba Alta – alertando apenas aos 100 metros em que é obrigado ir pelo acostamento na intersecção existente no km 110 da BR 282. Ou seja, dos cerca de 250 quilômetros do percurso entre Florianópolis a Lages, em torno de 25 quilômetros – algo em torno de 10% – é tranquilo caminhar ou pedalar com segurança.
Mas, e os outros 225 quilômetros, ou 90% do itinerário? Esta é exatamente a questão sobre a qual é necessário refletir e buscar soluções, pois conversando com catarinenses que conhecem bem a ligação rodoviária, sim, há outros trechos da antiga estrada estadual – quase sempre seguindo paralela à BR 282 –, que estão preservados, servindo apenas ao trânsito de colonos, e que estão em condições ideais de recepcionar caminhantes, ainda que falte muita infraestrutura de apoio, no que se refere à sinalização, informação, locais para um lanche e descanso, pousadas – ou, na linguagem do Caminho de Santiago, albergues.
Mas, por outro lado, há muitos outros trechos da antiga via estadual que foram simplesmente incorporados à BR 282, assim como há trechos que foram invadidos, ocupados por sítios ou fazendas, cujo trânsito hoje é impossível. Resgatar esse espaço exigirá tempo e paciência, para negociar, se for o caso, e convencer sobre os benefícios em liberar a passagem para o Caminho dos Imigrantes – um direito cultural não só povo catarinense, mas da Humanidade.


Com Sandra e Billy: proposta para promover o turismo em Santa Catarina

Sandra e Billy: ele, sempre indicando o melhor Caminho...

Sequência de curvas, sempre subindo...

Vista do vale do rio Caeté

Caminho cruza propriedades rurais de Alfredo Wagner

Colonos ao longo da antiga estrada de chão batido

Billy: na liderança da “matilha”...

Na Cabanha Bruch, com o casal Jonas e Anita, a filha Judite e o recém adotado Chocolate: investimento no ecoturismo

Vista da varanda da Cabanha Bruch: Campo dos Padres

Km 124: marco da antiga estrada desde Florianópolis

Pequenas comunidades ao longo da estrada

Protegidas, araucárias embelezam o cenário

Chegando a Lomba Alta, a chaminé do forno da antiga olaria de Osmair Netto

Chegada a Lomba Alta: ao fundo, Museu Arqueológico apresenta acervo interessante

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Caminho dos Imigrantes. É possível!


Sandra e Billy: caminho atravessa zona rural de Alfredo Wagner e Bom Retiro

Primeiro dia de Primavera no Hemisfério Sul, fomos contemplados neste 23 de setembro – eu, Sandra e Billy – com um magnífico dia de sol, aqui na Lomba Alta, bairro de Alfredo Wagner, em Santa Catarina – onde estamos desde a sexta-feira da semana passada, no sítio do sobrinho Luciandro Netto. Localizado em posição estratégica na serra catarinense, Alfredo Wagner (*) é terra natal de Sandra e está no meio do itinerário entre Florianópolis e Lages, região que registrou uma forte onda de desenvolvimento com a imigração alemã a partir da primeira metade do século XIX.
Parafraseando o poeta, na busca do “caminho perfeito”, há algum tempo pensávamos em retornar à região para percorrer trilhas e itinerários que proliferam nesses tempos de ecoturismo, sem contudo oferecer uma identidade própria. Já havíamos tido conhecimento que muitos os utilizam de bicicleta, motocross, cavalo, ou mesmo a pé, aos finais de semana, mas nada que se assemelhe a uma travessia que possa ser feita de forma constante, diária, a qualquer época do ano, dotada de infraestrutura – aos moldes das tradicionais rotas de peregrinação, como o Caminho de Santiago.
Quem conhece o Caminho de Santiago sabe do que estou falando.
Evidente que está fora de cogitação qualquer comparação com o tradicional caminho cristão que leva milhares de peregrinos, anualmente, ao túmulo do apóstolo de Jesus, Tiago Maior, cujas relíquias descansam na cripta da catedral de Santiago de Compostela, na Espanha – e que é a terceira maior rota de peregrinação cristã do planeta, só superada por Jerusalém e Roma. Afinal, não há, em Lages, por exemplo, nenhuma relíquia, tradição ou mística capaz de atrair o interesse de caminhantes brasileiros e mesmo de outros países ao desafio de percorrer esses 250 quilômetros desde Florianópolis.
O que a rota oferece – e não é pouco – é a possibilidade de viajar por paisagens fantásticas e conhecer a força de um povo, o alemão, do qual milhares de cidadãos se viram obrigados a trocar seu país por outro, dispostos a uma travessia marítima em veleiros, por meses, alimentando o sonho de encontrar a terra prometida. Ou seja, o mote para se caminhar uma sequência de 10 a 15 dias entre Florianópolis e Lages não seria, de forma primordial, religioso – como, aliás, o Caminho de Santiago também apenas não o é, pois envolve superar limites, seja físico, mental, espiritual, além da busca de autoconhecimento, tudo combinado com o contato direto com a natureza, gastronomia, patrimônio artístico e arquitetônico, enfim, cultura.
Mas, espera lá! Evidente, que amparando o sonho dos imigrantes também esteve envolvida muita fé, além de missões internacionais de várias religiões, num ecumenismo que colocou lado a lado católicos e protestantes, franciscanos e luteranos, beneditinos e adventistas...
Neste rico contexto, escolhemos o primeiro dia da Primavera, ensolarado porém frio, para caminharmos pela que poderá vir a ser uma das etapas da travessia; um percurso de 14,5 quilômetros, entre Lomba Alta, com altitude acima de 1.000 metros, e o município de Bom Retiro, a 890 metros. Utilizamos a estrada antiga, que foi substituída pela BR 282, e possui pouquíssimo movimento, cruzando sítios e fazendas, em meio a pastagens, plantações e vistas estonteantes da serra catarinense. Um trajeto que apresenta sobe e desce constante, que não oferece dificuldades para caminhar e que classifico 2,5, numa escala de 1 a 5.
Identificamos propriedades que podem vir a tornar-se ponto de recepção e atração de caminhantes, para um lanche e descanso rápido – e mesmo a instalação de um albergue... Hoje, sem qualquer infraestrutura, fizemos duas paradas para nos hidratar e comer o que levamos em nossas mochilas: água, energético, bananas e sanduiches de queijo e salame; e biscoitos especiais de batata doce e ração para o Billy. Na primeira parada, nos sentamos sobre toras de madeira à beira da estrada, enquanto na segunda, aproveitamos a entrada da Igreja Adventista do 7º Dia, cuja placa informa que foi inaugurada em agosto de 1948.
Há pontos pitorescos no trajeto, como o Morro do Trombudo – onde foi instalado inicialmente, em 1853, o assentamento de soldados-colonos da Colônia Militar Santa Thereza (depois transferido para a Catuira, então distrito de Bom Retiro, hoje bairro de Alfredo Wagner) – e a “curva do vento”, onde a geografia com um paredão rochoso produz uma ventania incessante que assobia e agita a vegetação. A sinalização, contudo, pode melhorar, pois só mesmo igrejas, como Adventista e a Luterana, além do Museu Imigrante Alemão e a ponte Samuel Grüdtner, são identificados. Quase chegando a Bom Retiro, num cruzamento do caminho, há placas sobre atrações tangenciais e que podem interessar, entre as quais a rampa de voo livre Leão Baio, as cachoeiras Costãozinho e da Serrinha, o Costão do Frade e a calçada de pedra do século XVIII. Neste local havia também uma placa indicando a “rota dos tropeiros”.
Durante o Caminho, abordamos colonos, apenas para prosear e aproveitar para confirmar nosso rumo; oportunidade também de indagar sobre a presença de outros caminhantes, o que constatamos não ser muito frequente. Exceção, talvez, aos finais de semana, quando também aparecem ciclistas e motociclistas. Emocionando foi ao chegarmos em Bom Retiro e encontrarmos uma senhora que nos acenou e desejou “boa caminhada”...
Enfim, por qualquer ângulo que se avalie, estamos convictos que é possível resgatar a rota dos pioneiros alemães e denominá-la Caminho dos Imigrantes. Buen Camino!

(*) Alfredo Wagner é conhecido por ter abrigado, no que hoje é o bairro da Catuíra, a Colônia Militar Santa Thereza, uma das 19 ocupadas pelos imigrantes alemães que chegaram ao Brasil na primeira metade do século XIX. A Família Netto é dessa época e tem sua raiz em 1846, com Joachin Heinrich Heindorn, natural de Hamburgo, que ao se estabelecer em Laguna adotou o nome de Joaquim Henrique Netto.
Com dados garimpados ao longo dos anos, consta que em 1850 o então Joaquim Henrique Netto casou-se com Anna Luiza de Almeida e dessa união tiveram 10 filhos. Um deles, Cezário Henrique Netto, nascido em 20 de junho de 1859, em Lages, casou-se com Felícia Eugênia Amaral. Tiveram 11 filhos. Um deles, Apolonio Henrique Netto, casou-se em primeiras núpcias com Maria José Netto, “Mariquinha”, e um dos filhos, nascido em 15 de agosto de 1913, foi Cezário Alípio Netto. “Vô Zalico”, como ficou conhecido, se casou com Izabela Paulino Netto e tiveram 14 filhos, entre os quais minha Sandra.

Com Sandra e Billy: etapa com 14,5 quilômetros

Atravessando pastagens e plantações...

Paisagens estonteantes da serra catarinense

Propriedades que podem servir de recepção a caminhantes

"Curva do vento": ponto pitoresco do Caminho

Billy: caminhante, se divertido com os muitos cachorros do Caminho

Museu da Imigração Alemã

Igreja Adventista do 7º Dia

Sinalização aponta atrações tangenciais ao Caminho

Igreja Luterana

Chegando a Bom Retiro, depois de quatro horas de caminhada

Caminho dos Imigrantes: sim, um Caminho possível pela serra catarinense