quarta-feira, 29 de julho de 2015

Impulso à peregrinação!

Muralha romana de Lugo: Comitê amplia, além do Caminho
Francês, o status de Patrimônio Mundial da Unesco

Na esteira do êxito pelas comemorações do 8º centenário da peregrinação de Francisco, de Assis a Santiago de Compostela, o Caminho de Santiago, na Espanha, foi contemplado em julho com um magnífico impulso internacional. Após uma expectativa de mais de 20 anos, finalmente o Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, reunido em Bonn, na Alemanha, estendeu o status de Patrimônio Mundial aos quatro Caminhos de Santiago que movimentam o Norte do país. Desde 1993, a classificação envolvia apenas o Caminho Francês, com seus 800 quilômetros a partir de Saint Jean Pied de Port, na França – o mais conhecido entre os Caminhos que há 12 séculos inspiram a veneração às relíquias de Tiago Maior, um dos 12 apóstolos de Jesus, que formam uma das três principais rotas de peregrinação do mundo cristão, ao lado de Jerusalém e Roma.
O reconhecimento projeta a perspectiva de investimentos na restauração do rico patrimônio artístico, histórico, arquitetônico, cultural da região – que envolve diversas Províncias, como Vizcaya, Cantábria, La Rioja, Astúrias, Lugo e A Coruña, estas duas que formam a Galícia – e corrige um erro fundamental. A partir de agora, está elevado à categoria de Patrimônio Mundial o Caminho Primitivo, o primeiro entre os Caminhos de Santiago. Junto com o Primitivo – que tive o entusiasmo de peregrinar em junho passado –, passaram a ser Patrimônio Mundial o Caminho do Norte, de Irún a Arzúa, quando se encontra com o Caminho Francês; o Caminho Vasco Riojano, de Irún até Santo Domingo de la Calzada, seguindo pelo Caminho Francês; e o Caminho de Liébana, um trecho de grande interesse, que liga San Vicente de la Barquera, no Caminho do Norte, ao Mosteiro de Santo Toríbio de Liébana. O monge Toríbio de Astorga viveu em meados do século VIII e em 776 escreveu o livro “Comentário sobre o Apocalipse” para explicar o incrível texto de São João. Também é de sua autoria o hino litúrgico “O Dei Verbum”, no qual chama Santiago, muito antes de serem encontradas suas relíquias, de “cabeça de ouro refulgente da Espanha” e “nosso protetor e patrono especial”.

As pedras do Caminho Primitivo: atravessando a Cordilheira
Cantábrica, entre Astúrias e Galícia

Peregrino no Caminho Primitivo: honras ao Senhor

Os passos do rei Alfonso II

Inaugurei a série de peregrinações a Santiago de Compostela em 2009 pelos 800 quilômetros do Caminho Francês, a partir de Saint Jean Pied de Port. Em 2010, Ano Santo Compostelano, percorri os 240 quilômetros do Caminho Português, desde Oporto, e dois anos depois, em 2012, atravessei os 180 quilômetros do Caminho Aragonês, no trecho entre Somport, nos Pirineus, a Puente la Reina. Em 2013, desafiei os 420 quilômetros do Caminho Sanabrês, desde Zamora, na Vía de la Plata.
Este ano era o momento de corrigir o que considerava uma falha, de ainda não ter peregrinado o primeiro dos Caminhos de Santiago, o Primitivo, com cerca de 320 quilômetros, que atravessa a Cordilheira Cantábrica, entre Oviedo, no Principado das Astúrias, e Santiago de Compostela. Afinal, é uma máxima no Caminho:
– Quien va a Compostela y no visita al Salvador, honra al criado y se olvida del Señor.
A frase alude à Catedral de San Salvador de Oviedo, cuja Câmara Santa guarda inúmeras relíquias, como uma das duas peças do Santo Sudário, a que protegeu a cabeça de Jesus após sua crucificação – a outra, que abrigou o corpo de Jesus, está em Turim, na Itália.
Em junho enfrentei o desafio, que será relatado em livro, com a perspectiva de repetir os passos de Alfonso II, o Casto (759/760 – 842), rei das Astúrias de 791 a 842. Conta a tradição que no primeiro terço do século IX (possivelmente, entre 815 e 825) o sepulcro de pedra com três corpos, do apóstolo Tiago Maior e seus discípulos Teodoro e Atanásio, foi descoberto pelo eremita Pelayo (ou Paio), que comunicou o bispo Teodomiro, de Iria Flávia. Este acionou o rei Alfonso II, que saiu da capital do reino, em Oviedo, e com seu séquito foi até a região que viria a ser chamada de Campus Stelae, ou Compostela, onde mandou construir uma igreja, hoje a fantástica Catedral – dando início ao fenômeno da peregrinação...

Mistérios nas pedras do Caminho...

Livros revelam peregrinações

Minhas peregrinações geraram a publicação de quatro livros: a trilogia “Pedras do Caminho” (“Meu Encontro no Caminho de Santiago”, “Sentido do Perdão” e “Busca sem Fim”) e “Descobrindo novos Caminhos”, que iniciou nova série sobre outros Caminhos de Santiago – e que terá seu segundo momento com “Passos do Amor”, com lançamento programado para este ano, que aborda a célebre peregrinação de São Francisco, realizada em 1214, de Assis a Santiago de Compostela – um trajeto de 2.500 quilômetros, que reconstitui em 2014, de trem, ônibus, carro, em companhia de minha esposa, a jornalista Sandra Netto. Os títulos estão à venda na Realejo Livros, no Gonzaga, em Santos, ou pelo e-mail titan.com@uol.com.br
#pedrasdocaminho



Página 5, edição nº 246, julho de 2015, do Jornal Perspectiva, onde os textos acima foram originariamente publicados. Leia também em www.jornalperspectiva.com.br

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Em Santiago reencontro Ludovicum!

Aos pés da Catedral de Santiago: agradecer,
agradecer e agradecer...

Mantendo a estratégia revelada no post anterior, neste final de peregrinação pelo Caminho Primitivo tentei caminhar os restantes 55 quilômetros, de Melide a Santiago de Compostela com o mínimo de planejamento... Assim, em vez de três dias, consegui realizar o trecho em duas etapas: de Melide a Salceda, 25,2 quilômetros (ou seriam 21,8...), e de Salceda a Santiago de Compostela, 28 quilômetros (ou seriam 26,3...), perfazendo (considerando, afinal, as medições do site Gronze) 312,6 quilômetros (ou menos? ou mais?) desde Oviedo, embora a Oficina de Peregrinaciones da Catedral de Santiago registre que este Caminho Primitivo tem cerca de 350 quilômetros...
Na quinta-feira 18, a partir de Melide, atravessei Arzua e dei uma boa esticada até Salceda, onde fiquei no albergue turístico. Ah! Se todos fossem iguais a você... Seria esticar demais continuar até Pedrouzo.
Diz o marco oficial do Caminho, em Salceda, que deste pueblo a Santiago de Compostela a distância é de 26,3 quilômetros – quase a mesma divulgada pelos guias e sites, que afirmam, de modo geral, que o percurso tem 26,6 quilômetros, sendo 21,8 quilômetros, de Salceda ao Monte do Gozo, e mais 4,8 quilômetros, do Monte do Gozo a Santiago.
Sexta-feira 19, ainda pela manhã, cheguei a admitir fazer apenas o primeiro trecho e no dia seguinte, sábado 20, peregrinar do Monte do Gozo a Santiago, com bastante tempo para cumprir o ritual na Oficina de Peregrinaciones, visando obter minha Compostela – o diploma que certifica minha peregrinação –, e estar preparado para a missa das 12 horas, dedicada aos peregrinos, sempre finalizada com o espetáculo do botafumeiro, depois saudar o Apóstolo, visitar as relíquias na cripta da Catedral...
Mas não foi exatamente assim que aconteceu. No último dia de peregrinação foram mais de 8 horas caminhando... Iniciei por volta das 7h15, e após sair de Salceda, atravessei uma sequência de pueblos, como A Brea, Santa Irene, Pedrouzo...
Para em Pedrouzo para o café e confesso que foi muito difícil o trecho até o Monte de Gozo. Ora achava que seria melhor parar, ora que o melhor seria concluir... O trajeto tem muito asfalto e, sob um sol entre os 30 e 40 graus, passei por Amenal, San Paio, Lavacolla, San Marcos e, enfim, Monte do Gozo, onde é possível visualizar, pela primeira vez, as torres da Catedral de Santiago.
Ao chegar ao Monte do Gozo e tirar as fotos junto ao monumento ao Papa Santo João Paulo II, sentei numa cadeira do quiosque em frente à Capela de São Marcos e pedi um bocadilho e dois Aquarius. Fiquei, como sempre, atento aos personagens do lugar...
Antes de ir embora, doei dois euros por um artesanato feito pelo hippie do local. Para agradecer ele perguntou de onde eu era e disse “muito obrigado”. Ele comentou: “brasileiro”, e um casal de jovens que estava junto sorriu... Voltei para a cadeira onde estava, peguei a mochila, o chapéu, os dois bastões – ainda pedi mais um sorvete e uma garrafa de água – e fui embora. Acho que neste momento meu celular caiu do bolso da bermuda...
Descia o Monte do Gozo quando dei pela falta do aparelho e voltei imediatamente, cerca de dois quilômetros, pois nem havia se passado 30 minutos. Era por volta das 15 horas. No Caminho reencontrei o peregrino croata que estava no quiosque e ele disse que nada se falou sobre achado de celular... Ao chegar ao quiosque, não havia nenhum peregrino. A cadeira onde eu estava sentado tinha sido levada para outro local. Ou seja, a cena havia sido alterada... A moça que me atendeu havia sido substituída e a senhora, que disse tratar-se de sua sogra, ligou para ela para saber se tinha encontrado meu celular. Nada.
Dois locais apareceram para dar palpites... Ao anunciar que iria acionar a Polícia, foi o hippie que informou o telefone de emergência, com a dona do quiosque fazendo a ligação de seu celular – ou seja, todos colaborando de alguma forma para resolver o “desencontro”. Já sobre o casal de jovens, o hippie passou a dizer que não o conhecia. Não era verdade, pois se tratavam com certa intimidade, com a moça abusando de palavrões. Da mesma forma, a funcionária do quiosque demonstrou conhecer bem o rapaz, pois perguntou sobre sua mãe – e ele respondeu que nada sabia sobre ela e que haviam brigado. Nem estavam se falando. Pelo telefone, contudo, ela me disse que não conhecia o jovem, muito menos sua namorada... Quando cheguei a Santiago de Compostela, ao registrar a ocorrência, passei essas informações para a Polícia.
Não fosse o “desencontro” com o celular, esta última etapa do Caminho Primitivo... Bem, deixa pra lá, esta última etapa foi perfeita! Muito obrigado! O que importa é o final da peregrinação... a minha quinta! Cerca de 320 quilômetros em 13 dias de caminhada!!! Quanta emoção. Nossa! Fica difícil relatar, ainda mais no ambiente pasteurizado de redes sociais. Gostaria de estar ao lado de todos os amigos, cara a cara, conversando, trocando energia. Matei um pouco desse entusiasmo ao encontrar, na Oficina de Peregrinaciones, o jornalista Bruno de Luca e a equipe do programa “Vai Pra Onde?”, do canal brasileiro Multishow. Estava lá para pleitear minha Compostela e fui entrevistado sobre o Caminho Santiago, os livros que escrevi, um material que deverá ser apresentado na próxima temporada do programa, em setembro, ou outubro...
Tendo em mãos minha quarta Compostela (não recebi o documento ao fazer o Caminho Aragonês, de Somport a Puente la Reina, pois é preciso, sim, chegar a Santiago...) constato que sou Ludovicum Carolum Ferraz. Diferente do Aloisium de 2009, após o Caminho Francês, e do Aloisium de 2013, ao final do Sanabrês..., mas o mesmo Ludovicum de 2010, quando peregrinei o Português...
Ao final, recordando as várias ocorrências, meu Caminho Primitivo ficou diferente do que havia planejado, citando os quilômetros conforme as medições do site Gronze...
1ª Oviedo a Grado: 23,6 km
2ª Grado a Salas: 21,6 km
3ª Salas a Tineo: 19,8 km
Descanso em Tineo
4ª Tineo a Borres: 15,2 km
5ª Borres a Berducedo: 25,8 km
6ª Berducedo a Grandas de Salime: 19,6 km
7ª Grandas de Salime a Padrón: 29,2 km
8ª Padrón a O Cádavo: 23,8 km
9ª O Cádavo a Lugo: 31 km
10ª Lugo a Ferreira: 29,8 km
11ª Ferreira a Melide: 20 km
12ª Melide a Salceda: 25,2 km
13ª Salceda a Santiago de Compostela: 28 km
Total: 312,6 km
Até a próxima peregrinação; quem sabe, em 2021, Ano Santo Compostelano. Mas, em qual Caminho? Minha busca continua...
#pedrasdocaminho

Dia começou iluminado com dúvidas: Monte do Gozo ou direto a Santiago?

Peregrinos em grupos: sim, o Caminho tem espaço para todo
tipo de peregrinação. Escolha o seu e “buen caminho!”

Após café em Pedrouzo (de onde sai para minha 29ª e última etapa em 2009,
ao peregrinar o Caminho Francês), o reencontro com bosques fantásticos...

Mais peregrinos em grupos...

Subindo ao Monte do Gozo...

Monumento em homenagem ao Papa Santo João Paulo II, Monte do Gozo

A bela Catedral de Santiago, com uma das torres já restaurada

Espetáculo do botafumeiro na Missa do Peregrino

Urna com as relíquias do Apóstolo Santiago, na cripta da Catedral

Imagem de Santiago no altar-mor da Catedral

Compostela diz que sou Ludovicum Carolum Ferraz!