Peregrino
diante da Catedral de Santiago de Compostela
Perdão
“A melhor
maneira de estar com o seu Espírito é perdoar. Perdoe, pois assim seus
pensamentos irão embora... Quanto menos você pensar, mais rápido avançará em
sua realização”.
Conselho
de Shri Mataji Nirmala Devi, fundadora da Sahaja Yoga.
Enfim, Compostela!
Há 10 anos,
nesta data... Os 23,6 quilômetros finais do Caminho Português a
Santiago de Compostela foram de alegria, pela conquista, e tristeza, pelo fim
da peregrinação de 240 quilômetros durante 10 dias. Embora pudesse ser levado a
comparar com os 29 dias, em 2009, quando peregrinei os 800 quilômetros do Caminho
Francês, fortalecia em mim a convicção de que cada Caminho é um Caminho, com identidade
e aspectos absolutamente distintos, cada um capaz de proporcionar reflexões
únicas visando tornar uma pessoa melhor...
Ao deixar
Padrón na manhã de terça-feira parecia sentir o peso da peregrinação em Ano
Santo, o Xacobeo2010, atravessando as ruas decoradas com banners alusivos ao
mito jacobeo. Em um quilômetro cheguei a ponto emblemático desse mistério, a
paróquia de Iria Flávia, parte da cidade de Padrón, inicialmente ocupada pelos
celtas e depois pelos romanos, e que foi sede episcopal da região quando se descobriu o sepulcro do Apóstolo Tiago Maior... Sua joia é a monumental Colegiata, do
século XII, reformada ao longo dos anos até chegar a sua aparência atual, a
primeira catedral da Galícia.
O
Caminho segue atravessando pequenos pueblos, Pazos, Cambelas, Rueiro, Anteportas,
alguns trechos com as famosas corredoiras galegas, antigas vias que
ligam as aldeias, estreitas, decoradas com pedras cobertas de limo, até
alcançar o Santuário da Escravidão, dedicado a Maria; um magnífico edifício de
estilo barroco, com torres gêmeas de 32,5 metros, cuja construção foi concluída
em 1886. A tradição diz que a água de sua fonte é milagrosa...
Após uma
curta descida até Angueira de Suso parei para descansar e comer o bocadilho
de jamón e queijo que trazia comigo. O Caminho volta a subir e passa pelos
pueblos Areal, Faramello, Rúa de Francos, onde está a ermita de San
Martiño e um interessante cruzeiro gótico, considerado um dos mais antigos da
Galícia. O Caminho percorre pueblos que parecem esquecidos, Ameneiro,
Galanas, e continua subindo para desembocar em Milladoiro, onde parei para tomar
um café. Mais alguns passos e do alto do Monte Argo dos Monteiros, a 250 metros
de altitude, considerado o Monte do Gozo do Caminho Português, é possível ver as
torres da Catedral de Santiago de Compostela.
O Caminho
agora desce ao vale do rio Sar, passando por Rocha Velha, para subir lentamente
até retornar aos 250 metros de altitude, onde está Compostela. Estou convencido
que não adianta acelerar o passo para chegar a tempo de participar da Missa dos
Peregrinos. Então, pelo contrário, caminhei com vagar, desfrutando, e
assistindo ao filme que minha mente elabora sobre os últimos dias de minha vida,
desde o embarque a Lisboa, a chegada a Oporto, os dias de peregrinação, a minha
segunda pelo Caminho de Santiago, o que esta experiência mudará em minha vida...
Ao alcançar
a zona urbana de Compostela logo ingresso no casco histórico e chego à Praza do
Obradoiro, que exibe a fachada ocidental da Catedral, no momento em que uma
multidão descia as escadarias, pois havia terminado a Missa dos Peregrinos.
Tudo bem. Permaneci aos pés do magnífico templo, para agradecer o êxito da
peregrinação, ao mesmo tempo em que aprecio os detalhes de sua arquitetura. Após
fazer o registro em hostal próximo, para deixar minha mochila, e ingressei na
Catedral para me reencontrar com o Apóstolo e cumprir o ritual do Ano Santo. Depois,
fui à Oficina de la Peregrinacion requerer a Compostela. Após passear algum
tempo pelas ruas de pedra de Compostela, parei num pequeno restaurante, e comi frutos
do mar com vinho. Na tevê, o Brasil estreava na Copa do Mundo de Futebol contra
a Coreia do Norte, com vitória por 2 a 1.
A Missa dos
Peregrinos ficou para o dia seguinte, com direito ao espetáculo do
botafumeiro... Aliás, uma missa inesquecível, por meio da qual pude
compreender, talvez, o sentido do perdão no Caminho de Santiago. E admitir a
necessidade de pedir perdão não só pelas coisas que faço, e que nem sempre são
as mais corretas, mas, em especial, por tudo aquilo que poderia fazer e, devido
minhas imperfeições... não consigo.
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#10yearchallenge
Banners
nas ruas de Padrón comemoram o Xacobeo2010
Colegiata
de Iria Flavia: obra dos séculos XII e XIII
Caminho
atravessa vários pueblos...
Concha
de vieira indica que estou no Caminho de Santiago
Vias
estreitas com paredes de pedras cobertas de limo
Vias
são conhecidas como “corredoiras galegas”...
Santuário
da Escravitude: construção demorou três séculos até 1886
Entrada
do Santuário da Escravitude, dedicado a Maria
Torres
gêmeas do Santuário da Escravitude têm 32,5 metros
Curta
descida até Anguería de Suso
Porto
Rio: os apetrechos do peregrino agora descansam
Esticar
as pernas e saborear bocadilho de jamón com queijo
Sombra
do peregrino: a certeza de sua companhia...
Faramello:
Caminho segue pelo acostamento da N-550
Enxada
na mão, cuidando da horta
Despedida
dos bosques refrescantes da Galícia
Monte
Argo: já é possível avistar as torres da Catedral de Compostela
No
Centro de Santiago de Compostela...
Chegada
exatamente no fim da missa dos peregrinos
Praza
do Obradoiro: fachada ocidental da Catedral de Santiago de Compostela
Postado em
15.06.10, 11h39 >>>>
O Aloisium
agora é Ludovicum! Viva Santiago!
Compostela:
agora sou Ludovicum Carolum Ferraz
Eu tentei,
ah! como tentei. Sai de Padrón às 7h25, com previsão de chegar a Santiago de
Compostela após 5 horas e 30 minutos de peregrinação pelo Caminho Português – o
que me colocaria na catedral às 12h55 e, caso conseguisse ter acesso ao templo,
talvez visse o espetáculo do botafumeiro... Mas nem tudo acontece como a gente
quer.
Eis que
cheguei na Praza do Obradoiro, a entrada ocidental da Catedral, por volta das
13h10, exatamente no término da missa dos peregrinos, quando o templo já estava
sendo esvaziado e uma multidão permanecia parada em frente. Eram peregrinos
sentados no chão, pessoas que nunca se viram se cumprimentando, enfim, uma
grande festa...
Este é o
clima de Compostela neste Ano Santo, quando o Dia de Santiago, 25 de julho, cai
num domingo, e as normas canônicas estabelecem que, cumpridas determinadas
exigências, o peregrino terá direito à indulgência plenária, ou seja, o perdão
de todos os pecados. Falo em exigências, pois, além da peregrinação, o
pretendente tem que orar um Pai Nosso, um Credo... e outras tantas coisinhas,
algumas das quais guardadas em “caixa-preta”, que trato de garimpar para não
esquecer de nada. Ou, ao final, ainda terei de ouvir de uma carola:
“Espertinho, mas você não sabia?”
Perdida a
missa – não tem problema, já reservei duas noites num hostal a uma quadra da
catedral... –, aproveitei para visitar a bela catedral, atentar para inúmeros
detalhes que passaram despercebidos na primeira visita, no ano passado, após
completar o Caminho Francês e, claro, cumprir alguns itens do ritual do Ano
Santo (outros tantos cumpriria na missa do dia seguinte...).
Em seguida,
fui solicitar minha Compostela, o documento que prova a minha visita a Santiago
de Compostela, mediante a peregrinação documentada pela minha credencial, com
selos desde o Oporto, em Portugal – ou melhor, selos a partir de Vilar do
Pinheiro, pois ao deixar a Sé, naquele início de manhã de domingo, simplesmente
esqueci do importante detalhe, só lembrado por volta da hora do almoço...
Na Oficina
de la Peregrinacion, um atencioso rapaz comprovou meus carimbos e, ao pedir que
completasse o formulário oficial com meus dados (era o primeiro brasileiro do
dia, confirmei com ele!), preparou o documento com sua letra.
O curioso e
bota curioso nisso, para não dizer outra coisa, é que, ao preencher o documento
em latim, em vez de grafar Dnum Aloisium Carolum Ferraz, como na primeira
Compostela, que está pendurada na parede do meu escritório, ele escreveu Dnum
Ludovicum Carolum Ferraz... Pois é, se no ano passado achei interessante
observar que era outro, desta vez, sou... outro mesmo!!!
Ao alertá-lo
para a situação, o jovem admitiu as duas versões para Luiz e até se dispôs a
fazer nova Compostela. Mas, aleguei que não era necessário, e, comigo mesmo,
considerei que a coincidência reforçou a ideia que já fazia, de que, realmente,
sou outro, pois encontrei outro Luiz no Caminho Português...