sexta-feira, 12 de junho de 2020

Rías e pontes...


Ponte de San Paio, em Arcade, 10 arcos semicirculares

Perdão

“Deve-se perdoar, qualquer que seja o insulto”.
Mahabharata, o texto sagrado de maior importância no hinduísmo, da qual faz parte o Bhagavad Gita.

Rías e pontes...

Exatamente nesta data, há 10 anos, a peregrinação pelo Caminho Português a Santiago de Compostela reservou uma etapa curta, com 18,2 quilômetros, de Redondela a Pontevedra. Foram quatro horas e meia de caminhada, marcadas pela travessia de dois collados, pequenas colinas; pela chuva, que voltou a cair; por bosques mágicos, perfumados; por peregrinos, muuuuuuitos peregrinos; e pela existência de duas rías – um acidente geográfico frequente no litoral da Galícia e que muito se assemelha a um estuário, como um braço de mar que adentra na costa – atravessadas por pontes medievais.
Desde ontem peregrino em solo espanhol e vivencio o entusiasmo com o Xacobeo2010, que celebra o Ano Santo Compostelano. Um ânimo que constato logo no início da jornada quando avisto um grupo de 100, exatamente isso, 100 peregrinos seguindo para Santiago de Compostela! A agitação naquele trecho de bosque impressiona e desperta curiosidade, pelas roupas, tênis em vez de botas, alguns sem mochila... e, além de cajados, guarda-chuvas, o que cria um animado colorido no Caminho.
Alcanço o grupo e fico sabendo que a caravana está sendo promovida pelo Partido Popular, o PP, e é integrada por 120 peregrinos do pueblo de Mos, dos quais 20 haviam faltado. Andam apenas aos sábados e o objetivo é chegar a Compostela exatamente na véspera das festas ao Apóstolo Santiago. A organização é impecável. Além de seguranças com rádio comunicadores, conta com dois veículos de apoio, levando lanches e aparatos de socorro, tudo combinado com as autoridades policiais, que montaram operação para bloquear a N-550 – a estrada nacional que corta a Galícia, de Coruña a Tui –, para dar tranquilidade ao grupo.
Nem adianta acelerar o passo, pois sei que será difícil me livrar da pequena multidão. Após a passagem pela N-550 e pelo primeiro collado, o Caminho chega à ría de Vigo, em Arcade, cuja travessia do rio Verdugo é feita pela Ponte de San Paio, com 144 metros de extensão e 10 arcos semicirculares. Apesar de sua origem romana, as características de construção atual datam do período medieval, quando foi citada como “ponti Sancti Pelagii de Lutto”, ou Ponte de San Paio de Lodo, propriedade dos condes de Borgoña. No entorno, uma praia fluvial, comunidade de pescadores e miradouros com vistas para a ría.
Do outro lado da ponte, ao seguir por um trecho junto à N-550, assisto à passagem de uma família de viajantes, identificada como Casita Lilellotta, e que seria procedente da Holanda. O Caminho começa a subir e adentra um bosque, para passar por Cacheiro – onde observo peregrinos em fila para selar a credencial num quiosque de lanches. Ando em direção à segunda colina, para atravessá-la e descer ao pueblo de Santa Marta. Passo pela capelinha de Santa Marta, que data de 1617, e depois de três quilômetros chego a Pontevedra.
Num momento de descuido com a sinalização passo pelo albergue de peregrinos localizado na entrada da cidade, junto à estação ferroviária, e continuo caminhando... Na Plaza de la Peregrina, fico encantado com a Igreja da Virgem Peregrina de Pontevedra, construída a partir de 1778, e considerada edificação simbólica da cidade, obra do arquiteto português António Souto. Tem planta quase redonda em forma de concha de vieira e fachada barroca arredondada, que combina com elementos neoclássicos do século XVIII.
Sigo por calçadas espaçosas e encontro o grandioso Convento de São Francisco, fundado pelo próprio Francisco após sua célebre peregrinação a Santiago de Compostela, em 1214. Diz a tradição que a ordem franciscana se instalou em Pontevedra no final do século XIII e construiu o edifício entre 1310 e 1360, contando com ajuda econômica dos herdeiros do trovador e almirante galego Pai Gomes Charinho. Perto está o Convento de Santa Clara, também do século XIV.
Continuo andando e me deparo com a Igreja de São Bartolomeu, datada do mesmo período. Da ordem jesuíta, o edifício tem estilo barroco e em seu interior guarda um extraordinário conjunto de retábulos e esculturas atribuídas a artistas das escolas compostelana e castelhana, como Pedro de Mena, Gregório Fernández, Pedro de Campo e Bieito Silveira.
Por pouco não deixo a bela cidade, ao encontrar a majestosa Ponte del Burgo, que atravessa a ría de Pontevedra na desembocadura do rio Lérez, cujas referências datam de 1165. Decido voltar e, num cruzamento inesperado, encontro Jeferson, um jovem brasileiro, natural da Bahia, que há cinco anos mora na Espanha com a família. Explico a situação e ele me confirma que o albergue fica na entrada da cidade. Pensei: “não vou voltar”; e ele me indica o Hotel Rúas. Aceito a sugestão, que foi providencial, pois finalmente tive condições de lavar e secar minhas roupas, meias etc. e continuar enxugando o interior de minhas botas com jornal – o que já vinha fazendo desde Rubiães.
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#10yearchallenge

Grupo de 100 peregrinos de Mos: caminhadas aos sábados

Peregrinação organizada pelo Partido Popular, o PP

Autoridades policiais bloqueiam a N-550 para passagem do grupo

Ponte de San Paio: uma das mais belas do Caminho Português

Ría de Vigo, praia pluvial do rio Verdugo e comunidade de pescadores

Hórreo galego: secar, curar e guardar colheitas e livrá-las de roedores

Casita Lilellotta: família da Holanda num ponto da N-550

Fila de peregrinos para selar credencial num quiosque de lanches

Capelinha de Santa Marta: três quilômetros até Pontevedra

Igreja da Virgem Peregrina de Pontevedra: edificação simbólica da cidade

Caminho atravessa calçadão de Pontevedra

Convento de São Francisco, no centro histórico de Pontevedra

Convento foi fundado por Francisco após peregrinação a Compostela


Igreja de São Bartolomeu, da ordem jesuíta

Rua dos Arcos de São Bartolomeu

Baiano Jeferson e a colombiana Tatiane: obrigado, Jeferson!

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