Belos
bosques e regatos no Caminho Português
Perdão
“(...)
36. Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto
da pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de
indulgência.
37. Qualquer
cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo e
da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
38.
Contudo, o perdão distribuído pelo Papa não deve ser desprezado, pois – como
disse – é uma declaração da remissão divina. (...)”.
Trecho da
“Disputação do Doutor Martinho Lutero sobre o Poder e Eficácia das
Indulgências”, conhecida como as 95 Teses, marco da Reforma Protestante.
Saudade
Nesta data,
há 10 anos, despedi-me de Portugal com uma palavra que nos é peculiar: saudade.
Saí cedo de Rubiães rumo a Tui, na Espanha, para percorrer mais 19,5
quilômetros do Caminho Português a Santiago de Compostela. Garoava fino e tudo
indicava que o tempo iria melhorar, como melhorou e o sol chegou até a brilhar... Atravessei a ponte romana sobre o rio
Coura e me surpreendi com a sequência de réplicas de miliários, que deixam
claro que este trecho do Caminho é a famosa Via Romana XIX, que ligava Braga a
Astorga.
O trajeto é
marcado por uma subida curta até o santuário de São Bento da Porta Aberta para
em seguida despencar de 270 metros de altitude para o vale do rio Minho, que faz
a divisa entre Portugal e Espanha. É sem dúvida um dos cenários mais bonitos do
Caminho Português, com bosques verdejantes, pequenas cachoeiras, córregos – talvez
ainda mais belo devido ao tempo chuvoso.
Após atravessar
as aldeias de Fontoura e Paços e cruzar a ponte romano-medieval de A Pedreira
sobre o arroio Fervença, o Caminho segue por mais seis quilômetros até alcançar
Valença do Minho, a última cidade portuguesa. É considerada a cidade amuralhada
mais interessante do Norte de Portugal e, junto ao rio Minho, é possível admirar
as muralhas da antiga cidadela.
A passagem
para Tui é feita pela ponte de ferro sobre o Minho. Como Valença, Tui foi uma
cidade amuralhada e teve importância estratégica de defesa no período medieval,
sendo também sede episcopal desde o século V. O acesso ao centro da cidade é
feito por uma rua que conserva seu traçado medieval, com destaque para o
edifício da Carcél Vieja, datado de 1584, uma antiga prisão civil e que hoje abriga
aulas de interpretação do conjunto histórico de Tui. Não muito distante está a majestosa
Catedral de Santa María, com arquitetura românico-gótica, e aparência de
fortaleza, construída a partir de 1.120 no reinado de Alfonso IX.
Continuei
caminhando e sem conseguir localizar o albergue de peregrinos acabei ficando no
hostel Generosa. Depois de instalado, percorri a cidade e encontrei finalmente o
albergue, onde conheci a hospitaleira e reencontrei peregrinos.
Ponte
românica, da Via Romana XIX, sobre o rio Coura
Réplica
de miliário da Via Romana XIX: milha XXXIV Maximino Daia
Pequenas
cachoeiras emolduram o Caminho Português
Bosques
molhados criam cenário ainda mais bonito
Peregrino
solitário...
Ponte
romano-medieval de A Pedreira
Muralha
da cidadela de Valença
Antiga
ponte internacional liga Portugal e Espanha
Ponte
sobre o rio Minho, inaugurada em 1886
Tui,
da ponte velha, que separa Portugal de Espanha
Tui,
província de Pontevedra, Comunidade de Galícia
Rua
de Tui conserva traçado medieval
Catedral
de Santa María: arquitetura românico-gótica, aparência de fortaleza
Portal
da Catedral de Santa María, do século XII
Altar
da Catedral de Santa María
Santiago
Matamouros na Catedral de Santa María
Hospitaleira
e peregrinos na porta do albergue
Postado
em 10.06.10, 16h51
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Adeus,
Manoel! Ops... Adeus, Portugal!
Hoje, Dia de
Portugal, ou Dia de Camões, feriado com jeitão de dia comum, mesmo porque parar
de trabalhar em época de crise nem passa pela ideia do português. Ainda mais
quando não se trata de data santificada, como Corpus Christi, por exemplo,
quando aí sim Portugal para.
Sentindo no
coração a energia dos aldeões e na pele a frente fria que chegou no início da
semana, que baixou a temperatura e trouxe chuva, despedi-me de Portugal
atravessando a ponte que une Valença do Minho a Tui, na Galícia, em minha peregrinação
pelo Caminho Português, no trecho do Oporto até Santiago de Compostela.
Após tantas
dúvidas levantadas antes de embarcar para o desafio – o que gerou um post e
muitas sugestões dos amigos peregrinos portugueses Pedro Monteiro e Isabel Lage
Duarte, leitura dos guias da Associação dos Amigos do Caminho Português de
Santiago e de El País/Aguilar, observações de outros peregrinos, como José
Roberto Lisbôa Júnior, o Juca, e dicas dos que torcem, como o Fernando Martins
Braga, para que tudo dê certo –, venci os cerca de 120 km em solo português em
cinco etapas.
Rememorando...
Domingo 6 saí de Oporto, do local mais emblemático para iniciar a jornada,
exatamente em frente à Sé. Fiz os 37,1 quilômetros até São Pedro de Rates, num
trecho muito urbanizado e que, da mesma forma que traz consigo o perigo,
favorece o momento... Que fique claro que não tenho dúvida de que o Caminho de
Santiago é oportunidade de reflexão, aquele encontro com o “eu” interior, para
apresentar questionamentos, tirar dúvidas, buscar soluções, renovar-se,
reiterar-se ou mesmo mudar-se; enfim, há muitas facetas que se envolvem e
submetem o peregrino que decide enfrentar o Caminho de Santiago.
No meu caso
foi, antes, um reencontro comigo, considerando que no ano passado, em 2009, fiz
a peregrinação do Caminho Francês, iniciando em Saint Jean Pied de Port, na
França – friso Saint Jean Pied de Port (800 quilômetros de percurso) porque é
diferente fazer o Caminho iniciando em Roncesvalles (abrindo mão da travessia
dos Pirineus como primeira etapa), ou Pamplona, León, Astorga, ou Sarria, já
próximo aos últimos 100 quilômetros, com o fito apenas de conquistar e exibir a
Compostela.
O Caminho,
creia ou não, tem começo, meio e fim. Ou ao menos o imaginário proporciona essa
evolução ao se avaliar, e se fazer, os vários Caminhos que chegam a Santiago.
Essa é a minha perspectiva, não muito diferente da de inúmeros peregrinos com
quem já tive e continuo tendo a oportunidade de manter contato.
Há exceções.
Caso de uma peregrina francesa que encontrei na segunda-feira 7, na minha
segunda etapa, entre São Pedro de Rates e Barcelos. Disse-me que iniciou de um
ponto da França, entre Le Puy e Saint Jean Pied de Port, ou seja, antes de
chegar a Saint Jean já teria caminhado uns 400 quilômetros... Fez várias etapas
do Caminho Francês, mas não foi até Santiago. Parou em Léon, ou por ali, onde
pegou um trem até Pontevedra, já no Caminho Português, e começou a fazer a
peregrinação inversa, ou seja, em direção a Fátima, seguindo as setas azuis...
mas, confessou-me que não tinha a pretensão de chegar lá. Ao ser questionada
sobre o destino, simplesmente me disse que não tinha objetivo de atingir uma
determinada meta, queria apenas peregrinar...
Quero dizer,
apesar de aparentes contradições – e estas, deixa estar, fazem parte de todos
nós –, que cada qual faz o seu Caminho, escolhendo, claro, aquele que tem
coração (como ensinou Dom Juan, em “A erva do Diabo”...), o que não destrói a
mística de que determinados pontos dos diferentes Caminhos proporcionam um
clima e uma transfusão de energia difíceis de explicar – mas facilmente
perceptíveis àqueles que se dispõem a segui-los, o que se observa facilmente
nas estatísticas sobre o fluxo de peregrinos.
Percorridos
os 37,1 quilômetros da minha primeira etapa – e aí destaco que vou adotar as
quilometragens que constam no guia El País/Aguilar, que não considero as mais
corretas, mas, afinal, servem de parâmetro –, a segunda, entre Rates e
Barcelos, com 15,5 quilômetros, me deu tempo para cuidar da primeira bolha, que
me atingiu o pé direito. E aí, que me desculpe o dr. João Francisco Rodrigues
de Abreu Faria, Kiko, que me indicou uma meia Nike de alta performance
para corredores. Pode até dar certo para os atletas, mas o produto não passou
no teste da peregrinação...
Culpa da
bota. Ok, vou reclamar com a Timberland. Afinal, também tive bolhas usando a
mesma bota em 2009. Culpa dos meus pés, talvez? Então, culpem-se papai Ormínio
Toledo Ferraz e mamãe Maria Cecília Arruda Ferraz. Ou, coincidência ou não,
como foi no pé direito e o dr. Claudino Guerra Zenaide disse que tenho problema
no joelho direito, uma plica sinuvial, e que esse problema não tem cura, dá em
80% dos humanos, tanto que ele não
faz mais cirurgia para corrigir, pois volta, e orienta seus pacientes a fazer
alongamentos. Ele me explicou que isso se deve ao fato da nossa evolução, de
passar a andar de quatro para dois pés... Culpa de Darwin! E não se fala mais
nisso.
De Barcelos,
minha terceira etapa foi até Ponte de Lima, totalizando 33 quilômetros; a
quarta, de Ponte de Lima a Rubiães, mais 18,2 quilômetros; e a quinta, esta que
me fez entrar na Espanha, de Rubiães a Tui, 19,5 quilômetros. Ou seja, as cinco
etapas em solo português somaram exatos, ou não tão exatos assim, 123,3
quilômetros.
Aí,
retomando o fio da meada... apenas para sublinhar que as duas últimas etapas,
apesar da chuva, cruzando o solo úmido dos bosques do Minho, no Norte de
Portugal, atingindo o ponto mais alto do Caminho Português, no Alto da Portela
Grande de Labruja, foram ideais para proporcionar momentos mágicos – que,
talvez, não os teria atingido caso minha peregrinação tivesse iniciado em Barcelos,
por exemplo – sem aqueles 37,1 quilômetros iniciais e outros 15,5 quilômetros
do segundo dia. Ou ainda como fez um experiente peregrino, que traz na mochila
mais de seis peregrinações em vários Caminhos, que começou em Rubiães –
exatamente para evitar o trecho considerado mais difícil do Caminho Português,
a temida Labruja, ainda mais debaixo de chuva!
Sou mais
peregrino que ele??? Não é sobre isso que estou falando... Mas, simplesmente,
anotando, refletindo, exultando, com a oportunidade de ter tido uma experiência
que levarei por toda a minha vida. Tive sorte, agradeço. Foi coincidência,
também agradeço.
Você vai
fazer o Caminho Francês? Comece em Saint Jean Pied de Port! O Português? Faça
desde o Oporto e saia da Sé! (Quem sabe, inicie em Lisboa...) Ou faça o que
achar melhor. “Depois você se acerta com o Apóstolo!” – aliás, esta frase é de
um hospitaleiro, que ouvi ao final do terceiro trecho deste Caminho, no
albergue de Ponte de Lima, proferida logo após recepcionar no albergue um casal
de peregrinos que flagrou chegando de táxi...
Ah! O título
deste texto foi uma homenagem aos muitos Manoéis do Brasil e aos mais
autênticos, daqui da Terrinha, sempre tão atenciosos e gentis com os
brasileiros ou, quem sabe, com os peregrinos, como tive a felicidade de sentir.
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#10yearchallenge
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
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