Cada um peregrina o seu Caminho, pois de todos é o
Caminho!
Por
conseguinte, tu não é melhor que eu!
A partir
desta singela constatação é saudável compartilhar a leitura do dia de hoje do
Evangelho de João 13, 16-20, proposta pelos estimados irmãos jesuítas e disponível
gratuitamente em www.rezandovoy.org
“Cuando Jesús acabó de lavar los pies a sus
discípulos, les dijo: “Os aseguro, el criado no es más que su amo, ni el
enviado es más que el que lo envía. Puesto que sabéis esto, dichosos vosotros
si lo ponéis en práctica. No lo digo por todos vosotros; yo sé bien a quiénes
he elegido, pero tiene que cumplirse la Escritura: ‘El que compartía mi pan me
ha traicionado’. Os lo digo ahora, antes de que suceda, para que cuando suceda
creáis que yo soy. Os lo aseguro: El que recibe a mi enviado me recibe a mí; y
el que a mí me recibe, recibe al que me ha enviado”.
Me inspiro
neste texto para associá-lo ao espírito do Caminho de Santiago e costurar algumas
reflexões que me agitam nestes dias de Primavera europeia, quando as rotas
milenares que levam ao sepulcro do Apóstolo de Jesus, Tiago Maior, apresentam
número crescente de pessoas, que para lá convergem por motivos diversos.
Em abril
passado, por exemplo, com base nas estatísticas da Oficina del Peregrino da Catedral
de Santiago de Compostela, para 49,88%, ou 15.823 pessoas, o motivo da
peregrinação foi religioso-cultural. Outros 38,65%, ou 12.259 pessoas, disseram
que a motivação foi religiosa; e 11,47%, 3.639, alegaram o interesse só
cultural.
Talvez a
fria análise dos números explique um pouco o clima de intolerância que volta a
permear os diferentes itinerários a Compostela, colocando face a face os que querem
efetivamente realizar uma peregrinação, na acepção pura da palavra, visando
venerar as relíquias do Apóstolo, buscar autoconhecimento, resposta às suas
inquietações; e aqueles – aparentemente a maioria – que querem tão somente
viajar, atravessar pueblos pitorescos,
aproveitar a gastronomia, visitar o fantástico patrimônio cultural.
Aparentemente,
o primeiro grupo não tem nada contra o segundo, muito pelo contrário, não fosse
o detalhe crucial de que o segundo grupo quer fazer seu turismo utilizando a
estrutura criada exatamente para atender a demanda do primeiro grupo. Ou seja, quando
o peregrino do primeiro grupo chega exausto ao albergue público, com preço a 6
euros, quase sempre o encontra lotado – e lotado de pessoas do segundo grupo
(que chegaram mais cedo, pois caminham pouco...).
Uma
alternativa será procurar um albergue particular e pagar a partir de 12 euros. Isto
se o albergue particular já não estiver lotado por meio de reservas antecipadas,
até mesmo por famílias desse segundo grupo. Também não adiantará caminhar mais algumas
horas, pois o próximo albergue público, pelo horário, certamente já estará
lotado.
Parece
pouco, mas não é!
Além do
descarado oportunismo, as pessoas do famigerado segundo grupo exibem outros vícios
que aborrecem as pessoas do primeiro grupo. Como observado, os albergues
particulares aceitam reservas. Tudo bem. Afinal, eles funcionam como um hotel
barato, muito mais barato do que um verdadeiro hotel, que também estão
disponíveis na maioria das cidades cruzadas pelos itinerários.
Outra
prática questionável desse segundo grupo é que seus integrantes não gostam de
carregar peso, ou alegam não ter condições para tanto. Assim, incrementam um
serviço de transporte de mochilas – um nicho que os taxistas disputam com unhas
e dentes com os Correios da Espanha. A pessoa desse grupo, trajando roupa
fitness e tênis, separa para o Caminho uma bolsa com seu necessaire e uma garrafinha de água, e um cajado, e abandona sua
mochila com roupas, calçados, shampoo, secador de cabelos... devidamente
identificada e o endereço do próximo albergue.
O serviço é
eficiente. Na entrega, o funcionário que faz o papel de camareiro não se
importará em acolher a mochila e aguardar o dono. Constrangedor é quando as
pessoas desse segundo grupo teimam em despachar a mochila para um albergue
público ou mantido por associações de amigos do Caminho, ou entidades
religiosas, constrangendo o hospitaleiro a acolher uma mochila!!!
Esta
situação não é nova! Eu mesmo a relatei no meu primeiro livro, “Pedras do
Caminho, meu encontro no Caminho de Santiago”, sobre minha peregrinação pelo
Caminho Francês, em 2009. Viria a constatar o mesmo problema em outras
peregrinações; e de forma trágica em 2013, no Caminho Sanabrês, por um grupo de
quatro que estava de carro. Eles se revezavam na direção. Ao final da etapa, quando
era possível, tinham a ousadia de estacionar o veículo na área do albergue...
A questão é
que os abusos aumentam a cada ano, por conta da popularização natural das rotas
de peregrinação, atraindo pessoas desinformadas sobre o espírito do Caminho de
Santiago.
Neste ano, com
a crescente proliferação de grupos de peregrinos em redes sociais, como o
Facebook, as situações estão ainda mais esdrúxulas, com perguntas que ofendem o
razoável e demonstram a total falta de noção dessas pessoas – tudo indicando
que os conflitos tenderão a se acirrar no final da Primavera e durante o Verão
europeu.
Hoje,
contestei uma pessoa que tem a pretensão de transitar entre os dois grupos,
pois quer ser reconhecida como peregrina, mas não gosta de carregar mochila,
prefere os spas e adora reservar albergue antecipadamente (sobre um deles,
gabou-se ter feito a reserva em fevereiro!!!). Fui delicado, falando sempre de
forma hipotética, mas não teve jeito, pois a carapuça era do tamanho do seu ego.
Um Caminho
se peregrina com passos!!! Seja de quem forem as pernas...
O imbróglio iniciou ao lhe fazer
uma pergunta e, em vez de me responder, me perguntar se eu a estava vigiando. Confessei que não, não a
estava vigiando e que ela deveria saber, por tudo que disse, escrevi e fiz, pois defendo que cada um realize o seu Caminho do jeito que quiser:
“Se quiser contratar
táxi ou uma mula para levar mochila, que contrate; se quiser ficar só em hotel
de luxo, tipo spa, ou em albergues particulares, tipo 4 num quarto, que
fique... Faça cada um seu 'my way'. Só fico indignado quando este
sujeito quer usar a estrutura criada para o peregrino, seja o albergue de 6
euros para o peregrino, seja o hospitaleiro voluntário para o peregrino...,
para fazer turismo barato e alardear que faz peregrinação. ‘O que é isso,
peregrino?’, diria Gabeira nos anos de chumbo...”
Argumentei
ainda que agindo daquela forma, o tal peregrino – sempre indeterminado! – só
estará perdendo uma boa oportunidade de conhecer a mística do Caminho e fazer
uma verdadeira peregrinação. Disse ainda que acompanho algumas páginas do
Caminho na Internet e acho engraçado a postura de alguns "peregrinos",
que alardeiam que fazem isso e aquilo, por retórica, enquanto seus passos
derrapam pelo Caminho:
“Insisto,
não sou contra, nem a favor. O Caminho é de todos. Mas, não façam xororô, pois soa
falso...”
Ainda pela
manhã, na esteira das reflexões sobre o Caminho, minha timeline do Face ofereceu-me
uma foto que tirei em 2015, no Caminho Primitivo. A data do post, contudo, era 2016,
quando do lançamento do livro "A Última Peregrinação...", que
refletiu sobre o que foi minha quinta peregrinação (que para mim não seria a
última, pois voltaria em 2016 para peregrinar o Caminho Inglês e em 2017...)!
Insisti na
minha convicção, que é a minha verdade – não admito censura e não negocio meu direito de manifestar
minha opinião. E repeti pela enésima vez:
“Cada um
peregrina o seu Caminho, pois de todos é o Caminho – este é o axioma. Mas não
se engane, nem tente isso contra terceiros, se em vez de peregrinar você gosta
mesmo é de turistar! Só não mande sua mochila de táxi para ser recepcionada
pelo hospitaleiro, e nem utilize albergue público de 6 euros, muito menos os
beneficentes!!!, pois esse patrimônio que sobrevive há 1.200 anos foi criado
para o peregrino. Vá para os hotéis e spas que proliferam nas rotas sagradas”.
Para os do
segundo grupo, atribuo apenas uma boa viagem!
Para os do primeiro
grupo, a quem chamo peregrinos, desejo um entusiasmado Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021