domingo, 26 de maio de 2019

Peregrino!

Uma dica para diferenciar o peregrino: “"Se for pidão, não é peregrino!”

Num desses grupos alusivos ao Caminho de Santiago um participante alega ter dificuldade para diferenciar o peregrino no universo de pessoas que transitam no Caminho.
Como alguém que busca ser um peregrino – e também pela dúvida ter sido manifestada num post que fiz no Facebook, sobre a ameaça que paira sobre a essência da peregrinação (SOS Caminho de Santiago!, leia também o post abaixo, de 16/05...) –, aceitei tentar colaborar.
Disse, e repito com humildade, que não é muito difícil. "Se for pidão, não é peregrino. Peregrino não pede (quase nunca!!!), peregrino agradece! Aí você já elimina 90%".
Aliás, o que mais se lê nos grupos do Caminho e de amigos do Caminho de Santiago que proliferam no Facebook, é pedido. Quanto pedido!!! “Que hora passa o ônibus?”, “Tem táxi?”, “Algum grupo vai fazer o Caminho tal? Eu vou...”, “É verdade que...”.
A grande maioria dos pedidos é desnecessária. Alguns, contudo, são idiotas, frutos da extrema preguiça – que é um vício terrível. Ora, vai ler um livro entre tantos editados sobre o Caminho de Santiago (eu mesmo escrevi oito!). Vá acessar um site especializado. Tente o dr. Google. Vá escutar seu interior... Ou seja, quando o elemento não tem esse discernimento, também não é peregrino.
"Peregrino busca – pois ele não anda simplesmente, como um andarilho; nem viaja, como um turista", reitero, lembrando uma máxima do Caminho. E mais: "Peregrino é discreto e silencioso – como uma nuvem. Peregrino é harmonia e equilíbrio  como a natureza. Peregrino carrega sua mochila e suas esperanças com alegria, pois elas não pesam. Pelo contrário! Peregrino...".
Finalmente, concluo, pois também não quero parecer que tenho o modelo de como é um peregrino; já que não tenho e continuo buscando ser melhor, e melhor – talvez por isso, peregrinei seis vezes o Caminho de Santiago (e vou voltar!) e também o Caminho Lebaniego, que é uma rota tangencial ao Caminho de Santiago: "Se ainda assim tiver dificuldades em diferenciá-lo, abaixe a cabeça até o solo e ouça o som de seus passos – ouvirá o amor!"
Assim é, ou tenta ser, este peregrino...
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Eu não sou melhor que tu...

Cada um peregrina o seu Caminho, pois de todos é o Caminho!

Por conseguinte, tu não é melhor que eu!
A partir desta singela constatação é saudável compartilhar a leitura do dia de hoje do Evangelho de João 13, 16-20, proposta pelos estimados irmãos jesuítas e disponível gratuitamente em www.rezandovoy.org
“Cuando Jesús acabó de lavar los pies a sus discípulos, les dijo: “Os aseguro, el criado no es más que su amo, ni el enviado es más que el que lo envía. Puesto que sabéis esto, dichosos vosotros si lo ponéis en práctica. No lo digo por todos vosotros; yo sé bien a quiénes he elegido, pero tiene que cumplirse la Escritura: ‘El que compartía mi pan me ha traicionado’. Os lo digo ahora, antes de que suceda, para que cuando suceda creáis que yo soy. Os lo aseguro: El que recibe a mi enviado me recibe a mí; y el que a mí me recibe, recibe al que me ha enviado”.
Me inspiro neste texto para associá-lo ao espírito do Caminho de Santiago e costurar algumas reflexões que me agitam nestes dias de Primavera europeia, quando as rotas milenares que levam ao sepulcro do Apóstolo de Jesus, Tiago Maior, apresentam número crescente de pessoas, que para lá convergem por motivos diversos.
Em abril passado, por exemplo, com base nas estatísticas da Oficina del Peregrino da Catedral de Santiago de Compostela, para 49,88%, ou 15.823 pessoas, o motivo da peregrinação foi religioso-cultural. Outros 38,65%, ou 12.259 pessoas, disseram que a motivação foi religiosa; e 11,47%, 3.639, alegaram o interesse só cultural.
Talvez a fria análise dos números explique um pouco o clima de intolerância que volta a permear os diferentes itinerários a Compostela, colocando face a face os que querem efetivamente realizar uma peregrinação, na acepção pura da palavra, visando venerar as relíquias do Apóstolo, buscar autoconhecimento, resposta às suas inquietações; e aqueles – aparentemente a maioria – que querem tão somente viajar, atravessar pueblos pitorescos, aproveitar a gastronomia, visitar o fantástico patrimônio cultural.
Aparentemente, o primeiro grupo não tem nada contra o segundo, muito pelo contrário, não fosse o detalhe crucial de que o segundo grupo quer fazer seu turismo utilizando a estrutura criada exatamente para atender a demanda do primeiro grupo. Ou seja, quando o peregrino do primeiro grupo chega exausto ao albergue público, com preço a 6 euros, quase sempre o encontra lotado – e lotado de pessoas do segundo grupo (que chegaram mais cedo, pois caminham pouco...).
Uma alternativa será procurar um albergue particular e pagar a partir de 12 euros. Isto se o albergue particular já não estiver lotado por meio de reservas antecipadas, até mesmo por famílias desse segundo grupo. Também não adiantará caminhar mais algumas horas, pois o próximo albergue público, pelo horário, certamente já estará lotado.
Parece pouco, mas não é!
Além do descarado oportunismo, as pessoas do famigerado segundo grupo exibem outros vícios que aborrecem as pessoas do primeiro grupo. Como observado, os albergues particulares aceitam reservas. Tudo bem. Afinal, eles funcionam como um hotel barato, muito mais barato do que um verdadeiro hotel, que também estão disponíveis na maioria das cidades cruzadas pelos itinerários.
Outra prática questionável desse segundo grupo é que seus integrantes não gostam de carregar peso, ou alegam não ter condições para tanto. Assim, incrementam um serviço de transporte de mochilas – um nicho que os taxistas disputam com unhas e dentes com os Correios da Espanha. A pessoa desse grupo, trajando roupa fitness e tênis, separa para o Caminho uma bolsa com seu necessaire e uma garrafinha de água, e um cajado, e abandona sua mochila com roupas, calçados, shampoo, secador de cabelos... devidamente identificada e o endereço do próximo albergue.
O serviço é eficiente. Na entrega, o funcionário que faz o papel de camareiro não se importará em acolher a mochila e aguardar o dono. Constrangedor é quando as pessoas desse segundo grupo teimam em despachar a mochila para um albergue público ou mantido por associações de amigos do Caminho, ou entidades religiosas, constrangendo o hospitaleiro a acolher uma mochila!!!
Esta situação não é nova! Eu mesmo a relatei no meu primeiro livro, “Pedras do Caminho, meu encontro no Caminho de Santiago”, sobre minha peregrinação pelo Caminho Francês, em 2009. Viria a constatar o mesmo problema em outras peregrinações; e de forma trágica em 2013, no Caminho Sanabrês, por um grupo de quatro que estava de carro. Eles se revezavam na direção. Ao final da etapa, quando era possível, tinham a ousadia de estacionar o veículo na área do albergue...
A questão é que os abusos aumentam a cada ano, por conta da popularização natural das rotas de peregrinação, atraindo pessoas desinformadas sobre o espírito do Caminho de Santiago.
Neste ano, com a crescente proliferação de grupos de peregrinos em redes sociais, como o Facebook, as situações estão ainda mais esdrúxulas, com perguntas que ofendem o razoável e demonstram a total falta de noção dessas pessoas – tudo indicando que os conflitos tenderão a se acirrar no final da Primavera e durante o Verão europeu.
Hoje, contestei uma pessoa que tem a pretensão de transitar entre os dois grupos, pois quer ser reconhecida como peregrina, mas não gosta de carregar mochila, prefere os spas e adora reservar albergue antecipadamente (sobre um deles, gabou-se ter feito a reserva em fevereiro!!!). Fui delicado, falando sempre de forma hipotética, mas não teve jeito, pois a carapuça era do tamanho do seu ego.
Um Caminho se peregrina com passos!!! Seja de quem forem as pernas...
O imbróglio iniciou ao lhe fazer uma pergunta e, em vez de me responder, me perguntar se eu a estava vigiando. Confessei que não, não a estava vigiando e que ela deveria saber, por tudo que disse, escrevi e fiz, pois defendo que cada um realize o seu Caminho do jeito que quiser:
“Se quiser contratar táxi ou uma mula para levar mochila, que contrate; se quiser ficar só em hotel de luxo, tipo spa, ou em albergues particulares, tipo 4 num quarto, que fique... Faça cada um seu 'my way'. Só fico indignado quando este sujeito quer usar a estrutura criada para o peregrino, seja o albergue de 6 euros para o peregrino, seja o hospitaleiro voluntário para o peregrino..., para fazer turismo barato e alardear que faz peregrinação. ‘O que é isso, peregrino?’, diria Gabeira nos anos de chumbo...”
Argumentei ainda que agindo daquela forma, o tal peregrino – sempre indeterminado! – só estará perdendo uma boa oportunidade de conhecer a mística do Caminho e fazer uma verdadeira peregrinação. Disse ainda que acompanho algumas páginas do Caminho na Internet e acho engraçado a postura de alguns "peregrinos", que alardeiam que fazem isso e aquilo, por retórica, enquanto seus passos derrapam pelo Caminho:
“Insisto, não sou contra, nem a favor. O Caminho é de todos. Mas, não façam xororô, pois soa falso...”
Ainda pela manhã, na esteira das reflexões sobre o Caminho, minha timeline do Face ofereceu-me uma foto que tirei em 2015, no Caminho Primitivo. A data do post, contudo, era 2016, quando do lançamento do livro "A Última Peregrinação...", que refletiu sobre o que foi minha quinta peregrinação (que para mim não seria a última, pois voltaria em 2016 para peregrinar o Caminho Inglês e em 2017...)!
Insisti na minha convicção, que é a minha verdade – não admito censura e não negocio meu direito de manifestar minha opinião. E repeti pela enésima vez:
“Cada um peregrina o seu Caminho, pois de todos é o Caminho – este é o axioma. Mas não se engane, nem tente isso contra terceiros, se em vez de peregrinar você gosta mesmo é de turistar! Só não mande sua mochila de táxi para ser recepcionada pelo hospitaleiro, e nem utilize albergue público de 6 euros, muito menos os beneficentes!!!, pois esse patrimônio que sobrevive há 1.200 anos foi criado para o peregrino. Vá para os hotéis e spas que proliferam nas rotas sagradas”.
Para os do segundo grupo, atribuo apenas uma boa viagem!
Para os do primeiro grupo, a quem chamo peregrinos, desejo um entusiasmado Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021