domingo, 14 de junho de 2020

Mito jacobeo


Pedra onde foi amarrada a barca do Apóstolo Santiago

Perdão

“Então lhe disse o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu. Era, porém, necessário que houvesse banquete e festim, pois que este teu irmão era morto, e reviveu. Tinha-se perdido e achou-se”.
Parábola do Filho Pródigo”, em Lucas 15:11-32.

Mito jacobeo

Aparentemente tranquila por ter apenas 18,3 quilômetros, a etapa entre Caldas de Reis e Padrón, na peregrinação pelo Caminho Português a Santiago de Compostela, exigiu quase seis horas para ser vencida, não só devido ao cansaço, que aumentou, mas também pela vontade de permanecer caminhando... Tudo leva a crer que amanhã, terça-feira 15, estarei em Santiago de Compostela – nem imagino a hora... –, após completar a décima etapa do Caminho, desde Oporto, no domingo, 6 de junho.
Com tempo bom, iniciei a etapa ao atravessar a Ponte de Bermaña, que cruza o rio do mesmo nome, no centro de Caldas de Reis. Logo o Caminho começa a subir, em meio aos tradicionais bosques galegos, para alcançar 135 metros de altitude o pueblo de Carracedo, onde de longe é possível avistar a torre barroca da Igreja de Santa Mariña.
A partir deste ponto o Caminho começa a descer e o sol brilha, deixando a paisagem ainda mais esplêndida, na travessia de videiras, áreas de cultivo diversos e pequenos bosques. Não há sinais de hordas de peregrinos, o que atribuo ao fato de ser segunda-feira e muitos preferem o Caminho aos finais de semana... Reencontro apenas Ernest e Helmut, os dois peregrinos austríacos que conheci no café da manhã em Caldas de Reis, e peço para um deles me fotografar. Também faço foto da dupla.
Sigo meu Caminho e, após atravessar o pueblo de San Miguel de Valga, chego a Pontecesures, onde descanso diante da Igreja de San Julián. Estou apenas a três quilômetros de Padrón. Na saída de Pontecesures há opção de deixar a rota tradicional e ir ao Convento de São Francisco de Herbón, onde o albergue oferece hospitalidade franciscana. Apesar da singela tentação, opto por conhecer ainda mais a extraordinária Padrón, cujo nome deriva da pedra onde foi presa a barca que no século I trouxe o corpo do Apóstolo Santiago à Península Ibérica, e que está sob o altar da Igreja de Santiago de Padrón.
Atravesso a ponte medieval sobre o rio Ulla, que integra a ría de Arousa, e fico sabendo que ali existiu um importante porto romano e que pesquisas arqueológicas descobriram cerâmica e moedas romanas desde Tibério, 14–37 d.C., até Constantino III, 407–411. Mais: que mestre Mateo, conhecido pelo magnífico Pórtico da Glória da Catedral de Santiago, trabalhou em melhorias da antiga ponte de pedra.
Sigo para a vila de Padrón e conforme já havia decidido não ficarei em albergue. Escolho a Pension R. Jardin, uma construção de pedra do século XVIII, com excelente localização para iniciar amanhã a etapa final – que terá 23,6 quilômetros e poderá ser peregrinada em torno de cinco horas e meia. Ou seja, tudo indica que não chegarei a tempo de participar da missa dos peregrinos e assistir ao botafumeiro, às 12 horas.
Tudo bem, irei no dia seguinte. Mas, com certeza, chegarei disposto a dar um forte abraço na imagem do Apóstolo Santiago que fica no altar da Catedral e aproveitar o dia para conhecer mais as pessoas e os edifícios da Cidade Santa, considerando que no ano passado cheguei num sábado, em meio a uma movimentada feira medieval, e já no dia seguinte segui para Finisterre, sem tempo para investigar os tesouros jacobeos.
Como estou em Padrón, no menu peregrino do dia degusto os internacionalmente famosos pimentos, cultivados em Hebrón. De sabor intenso, o ditado popular galego alerta que pode ser muito ou pouco picante: “Coma os pementos de Padrón: uns pican e outros non”. Padrón é emblemática na mitologia jacobea, pois foi em Padrón que ancorou a barca com o corpo do Apóstolo Santiago Maior, vinda de Jaffa, na Palestina.
Santiago foi decapitado no ano 44 d.C. por ordem do rei Herodes Agripa I, e os discípulos de Santiago atravessaram o Mediterrâneo e a Costa Atlântica Peninsular, visando enterrá-lo na região onde o Apóstolo pregou em vida, a chamada TranslatioA barca entrou pela ría de Arousa, aportou às margens do rio Sar, perto de onde está hoje a Igreja de Santiago, e os discípulos carregaram o corpo até o monte Libredón, atual Compostela, para consumar o sepultamento.
A pedra original onde a barca foi amarrada, que dá nome à vila, se encontra sob o altar maior da Igreja de Santiago, cujo edifício atual é do século XIX, embora o primeiro templo date de 924. Ao visitá-la, a encontro repleta de turistas. Afinal, estamos comemorando Xacobeo2010, Ano Santo Compostelano. Aguardo um momento mais tranquilo e me aproximo da relíquia, que possui uma inscrição com tradução incerta, “No ori eses osp”, e um anagrama de Cristo gravado posteriormente. Junto há uma placa com frases em latim: “Cippus, cui nomen Petronum adest. Ei navim S. Jacob Zebedae Corporis. Vectricem alligatam fuisse. Pie creditur”.
É acreditar, ou acreditar!
Buen Camino!
#pedrasdocaminho
#10yearchallenge

Ponte de Bermaña: três arcos de meio ponto, com dupla inclinação

Subindo para Carracedo a 135 metros de altitude

Depois de chuvas contínuas, sol iluminou o Caminho

Segunda-feira, presença reduzida de peregrinos

Igreja de Santa Mariña de Carracedo: torre barroca

Videiras e outras plantações ao longo do Caminho

Descendo para San Miguel de Valgae Pontecesures

Peregrino no Caminho Português

Peregrinos austríacos, Ernest e Helmut

Igreja de San Julián e cemitério em Pontecesures

Ponte medieval sobre o rio Ulla, que integra a ría de Arousa

Encenação da chegada do Apóstolo na ría de Arousa e Ulla

Placa explica tradição da pedra onde a barca do Apóstolo foi amarrada

Pedra está sob o altar da Igreja de Santiago em Padrón

Santiago Matamouros na Igreja de Santiago

Turistas celebram o mito jacobeo na Igreja de Santiago

Fachada lateral da Igreja de Santiago em Padrón

Ponte medieval sobre o rio Sar, junto à Igreja de Santiago

Rio Sar é usado para a prática de esportes náuticos

Monumento ao carro galego, de tração animal, às margens do rio Sar

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