quinta-feira, 6 de junho de 2019

10 anos depois!



A travessia dos Pirineus é a agonia dos peregrinos...

Exatamente nesta data, 6 de junho, há 10 anos, iniciava a saga de minhas peregrinações pelo Caminho de Santiago, atravessando os Pirineus, de Saint Jean Pied de Port a Roncesvalles, na primeira etapa do Caminho Francês, em torno de 24,9 km... Depois viriam o Caminho Português (2010), Aragonês (2012), Sanabrês (2013), Primitivo (2015), Inglês (2016), além da travessia de Assis a Compostela (2014), perseguindo os passos de Francisco em sua célebre peregrinação de 1214, e Lebaniego (2017), uma preciosidade, uma rota tangencial do Caminho de Santiago!!! Saga que resultou na edição de 8 livros, sendo um dos relatos premiado no concurso internacional promovido pelo Concello de Oroso, na Galícia - e a condição de autor brasileiro com mais livros editados sobre o Caminho de Santiago.
Buen Camino! 👣🙏🏽🐾
#10yearchallenge
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021

Os textos abaixo foram publicados no primeiro livro da trilogia Pedras do Caminho: Meu Encontro no Caminho de Santiago!

Eu, um peregrino, apenas...

PEREGRINO

Sou um peregrino, apenas. O nome que se dá a toda e qualquer pessoa que faça um dos muitos caminhos que levam a Santiago de Compostela, na Espanha. No meu caso, fiz o Caminho Francês, considerado o mais tradicional e o mais organizado, bem sinalizado e com uma boa infraestrutura de atendimento ao peregrino. A pé, a partir de Saint Jean Pied de Port, na França, completei os cerca de 800 quilômetros em 29 dias, de 6 de junho a 4 de julho de 2009.
Sou apenas um dos milhões de peregrinos que chegaram a Santiago de Compostela a pé. Poderia também ter ido de bicicleta ou cavalo – uma das três formas admitidas para ser declarado peregrino e fazer jus à Compostela, o diploma que comprova a viagem. Meu despertar se deu ao fazer uma reportagem sobre o Caminho, a pedido do amigo peregrino e hospitaleiro José Roberto Lisbôa Júnior, o que exigiu pesquisa e confirmou minha fé.
Fui só. Mas nunca me senti só. Carregando meu notebook, quase diariamente checando minha caixa de e-mails e postando no blog especialmente criado para detalhar meus passos, sempre estive perto da família e dos muitos amigos que descobri ter.
O que você lerá e verá nas próximas páginas são relatos e imagens de um peregrino, apenas com o diferencial de ser um peregrino jornalista, com um ritmo semelhante a uma reportagem, compromissado com o real. Não há, contudo, a pretensão de servir de guia para a sua peregrinação.
Este é o meu Caminho.
Se você busca um guia, desde já indico dois, editados por El País/Aguilar e Rother, que utilizei e muito me facilitaram.
Espero que você aprecie o meu Caminho e se divirta. Da mesma forma que me diverti e me surpreendi ao acompanhar a transformação da minha visão de mundo, vencer meus demônios e me encontrar comigo.

NADA É FÁCIL NO CAMINHO

Albergue de Roncesvalles

Estou agora no albergue do Monastério de Roncesvalles, sentado num dos 60 beliches, ou seja, 120 camas do enorme galpão de paredes de pedra e um pé direito de uns sete metros. Ele está estrategicamente localizado no final da primeira etapa do Caminho Francês, que iniciei em Saint Jean Pied de Port, e em meio a tanta facilidade, inclusive internet (que funciona mediante o depósito de uma moeda 1 euro por 20 minutos), por 6 euros acabei ficando.
Até agora – 21h25 –, com todos se preparando para dormir, a experiência tem sido ótima. Peregrinos exaustos, o pessoal fala baixo na mesa dos hospitaleiros, o equipamento de som toca cantos gregorianos – afinal o albergue é mantido pelo Monastério – e quem está a fim de conversar está no subsolo, onde funcionam os terminais de computadores, os banheiros, lavanderia e tem uma grande mesa para encontros e comilanças.
Na entrada, ao falar com um dos três hospitaleiros que estavam recepcionando, disse que tinha um amigo brasileiro hospitaleiro em Castrojeriz. Ele respondeu que conhecia o local e o refúgio de lá, mas não o hospitaleiro.
Pediu que eu colocasse as botas na entrada e escolhesse uma das camas. Minhas botas no meio de outros 100 pares? Não coloquei e fui para o fundão; escolhi uma cama na parte de baixo. Ajeitei minhas coisas, fui lavar as roupas suadas na travessia dos Pirineus, estendi tudo no varal externo e fui tomar banho. Ainda não tinha comprado sabonete. Mas, tudo bem, sempre tem um bom peregrino esquecido; alguém deixou um frasco de shampoo dentro do banheiro...
Depois fui ao restaurante em frente e reservei um menu peregrino a partir das 19 horas – entrada, sopa de batatas de entrada, depois truta com batatas fritas, iogurte de sobremesa, tudo acompanhado com pão, água e vinho, por 9 euros.
Com tempo, passei a fazer reflexões sobre o Caminho, lembrando as inúmeras contradições ao longo dos 24,9 quilômetros, que o guia de El País/Aguilar sugere em 8 horas. Como saí às 7h30, quando batia o sino da Igreja de Saint Jean Pied de Port, e cheguei por volta das 14h10, quando ainda não estava funcionando o albergue, o que só viria a acontecer a partir das 15 horas, fiz o percurso em cerca de 6h40.
A travessia dos Pirineus é a agonia dos peregrinos. Tanto que muitos desconversam e iniciam o que seria o Caminho Francês não do seu início, em Saint Jean Pied de Port – por onde entraram as tropas de Carlos Magno nas batalhas contra os sarracenos, e depois as tropas de Napoleão..., mas de Roncesvalles – evitando a fase reconhecida como mais árdua do Caminho. Vencê-la, portanto, deve ser comemorada a cada minuto. E a cada minuto da etapa é uma sequência de ânimos, especialmente para quem a faz pela primeira vez. Pois sem conhecê-la, após subir, subir, subir e alcançar um momento plano, você pensa em soltar rojões. Era isso? Fácil... Mas a sensação é por pouco tempo, pois pode vir outra subida, subida, subida, ou, pior, descida, descida, descida. E aquilo que parecia uma facilidade se revela que não é tão fácil assim... Foi o que aconteceu durante as 6 horas e 40 minutos que consegui fazê-la. Para temperar, uma chuvinha aqui, outra acolá. E foi assim, com muito sacrifício e chuva, a primeira etapa do Caminho. Agora, se foi ou não fruto da primeira etapa, a primeira bolha no pé direito só fui perceber quase no finalzinho da segunda etapa...

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