A
travessia dos Pirineus é a agonia dos peregrinos...
Exatamente
nesta data, 6 de junho, há 10 anos, iniciava a saga de minhas peregrinações
pelo Caminho de Santiago, atravessando os Pirineus, de Saint Jean Pied de Port
a Roncesvalles, na primeira etapa do Caminho Francês, em torno de 24,9 km... Depois
viriam o Caminho Português (2010), Aragonês (2012), Sanabrês (2013), Primitivo
(2015), Inglês (2016), além da travessia de Assis a Compostela (2014),
perseguindo os passos de Francisco em sua célebre peregrinação de 1214, e
Lebaniego (2017), uma preciosidade, uma rota tangencial do Caminho de
Santiago!!! Saga que resultou na edição de 8 livros, sendo um dos relatos
premiado no concurso internacional promovido pelo Concello de Oroso, na Galícia
- e a condição de autor brasileiro com mais livros editados sobre o Caminho de
Santiago.
Buen Camino!
👣🙏🏽🐾
#10yearchallenge
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021
Os textos
abaixo foram publicados no primeiro livro da trilogia Pedras do Caminho: Meu
Encontro no Caminho de Santiago!
Eu,
um peregrino, apenas...
PEREGRINO
Sou um
peregrino, apenas. O nome que se dá a toda e qualquer pessoa que faça um dos
muitos caminhos que levam a Santiago de Compostela, na Espanha. No meu caso,
fiz o Caminho Francês, considerado o mais tradicional e o mais organizado, bem
sinalizado e com uma boa infraestrutura de atendimento ao peregrino. A pé, a
partir de Saint Jean Pied de Port, na França, completei os cerca de 800
quilômetros em 29 dias, de 6 de junho a 4 de julho de 2009.
Sou apenas
um dos milhões de peregrinos que chegaram a Santiago de Compostela a pé.
Poderia também ter ido de bicicleta ou cavalo – uma das três formas admitidas
para ser declarado peregrino e fazer jus à Compostela, o diploma que comprova a
viagem. Meu despertar se deu ao fazer uma reportagem sobre o Caminho, a pedido
do amigo peregrino e hospitaleiro José Roberto Lisbôa Júnior, o que exigiu
pesquisa e confirmou minha fé.
Fui só. Mas
nunca me senti só. Carregando meu notebook, quase diariamente checando minha
caixa de e-mails e postando no blog especialmente criado para detalhar meus
passos, sempre estive perto da família e dos muitos amigos que descobri ter.
O que você
lerá e verá nas próximas páginas são relatos e imagens de um peregrino, apenas
com o diferencial de ser um peregrino jornalista, com um ritmo semelhante a uma
reportagem, compromissado com o real. Não há, contudo, a pretensão de servir de
guia para a sua peregrinação.
Este é o meu
Caminho.
Se você
busca um guia, desde já indico dois, editados por El País/Aguilar e Rother, que
utilizei e muito me facilitaram.
Espero que
você aprecie o meu Caminho e se divirta. Da mesma forma que me diverti e me
surpreendi ao acompanhar a transformação da minha visão de mundo, vencer meus
demônios e me encontrar comigo.
NADA É FÁCIL
NO CAMINHO
Albergue
de Roncesvalles
Estou agora
no albergue do Monastério de Roncesvalles, sentado num dos 60 beliches, ou
seja, 120 camas do enorme galpão de paredes de pedra e um pé direito de uns
sete metros. Ele está estrategicamente localizado no final da primeira etapa do
Caminho Francês, que iniciei em Saint Jean Pied de Port, e em meio a tanta
facilidade, inclusive internet (que funciona mediante o depósito de uma moeda 1
euro por 20 minutos), por 6 euros acabei ficando.
Até agora –
21h25 –, com todos se preparando para dormir, a experiência tem sido ótima.
Peregrinos exaustos, o pessoal fala baixo na mesa dos hospitaleiros, o
equipamento de som toca cantos gregorianos – afinal o albergue é mantido pelo
Monastério – e quem está a fim de conversar está no subsolo, onde funcionam os
terminais de computadores, os banheiros, lavanderia e tem uma grande mesa para
encontros e comilanças.
Na entrada,
ao falar com um dos três hospitaleiros que estavam recepcionando, disse que
tinha um amigo brasileiro hospitaleiro em Castrojeriz. Ele respondeu que
conhecia o local e o refúgio de lá, mas não o hospitaleiro.
Pediu que eu
colocasse as botas na entrada e escolhesse uma das camas. Minhas botas no meio
de outros 100 pares? Não coloquei e fui para o fundão; escolhi uma cama na
parte de baixo. Ajeitei minhas coisas, fui lavar as roupas suadas na travessia
dos Pirineus, estendi tudo no varal externo e fui tomar banho. Ainda não tinha
comprado sabonete. Mas, tudo bem, sempre tem um bom peregrino esquecido; alguém
deixou um frasco de shampoo dentro do banheiro...
Depois fui
ao restaurante em frente e reservei um menu peregrino a partir das 19 horas –
entrada, sopa de batatas de entrada, depois truta com batatas fritas, iogurte
de sobremesa, tudo acompanhado com pão, água e vinho, por 9 euros.
Com tempo,
passei a fazer reflexões sobre o Caminho, lembrando as inúmeras contradições ao
longo dos 24,9 quilômetros, que o guia de El País/Aguilar sugere em 8 horas.
Como saí às 7h30, quando batia o sino da Igreja de Saint Jean Pied de Port, e
cheguei por volta das 14h10, quando ainda não estava funcionando o albergue, o
que só viria a acontecer a partir das 15 horas, fiz o percurso em cerca de
6h40.
A travessia
dos Pirineus é a agonia dos peregrinos. Tanto que muitos desconversam e iniciam
o que seria o Caminho Francês não do seu início, em Saint Jean Pied de Port –
por onde entraram as tropas de Carlos Magno nas batalhas contra os sarracenos,
e depois as tropas de Napoleão..., mas de Roncesvalles – evitando a fase
reconhecida como mais árdua do Caminho. Vencê-la, portanto, deve ser comemorada
a cada minuto. E a cada minuto da etapa é uma sequência de ânimos,
especialmente para quem a faz pela primeira vez. Pois sem conhecê-la, após
subir, subir, subir e alcançar um momento plano, você pensa em soltar rojões.
Era isso? Fácil... Mas a sensação é por pouco tempo, pois pode vir outra subida,
subida, subida, ou, pior, descida, descida, descida. E aquilo que parecia uma
facilidade se revela que não é tão fácil assim... Foi o que aconteceu durante
as 6 horas e 40 minutos que consegui fazê-la. Para temperar, uma chuvinha aqui,
outra acolá. E foi assim, com muito sacrifício e chuva, a primeira etapa do
Caminho. Agora, se foi ou não fruto da primeira etapa, a primeira bolha no pé
direito só fui perceber quase no finalzinho da segunda etapa...
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