O peregrino e a cruz solitária de ferro sobre um mastro de madeira...
Uma solitária cruz de ferro sobre um mastro de madeira de
5 metros, La Cruz de Hierro, marca o ponto mais alto do Caminho Francês, com
quase 1.500 metros de altitude, durante a 21ª etapa pelo Caminho Francês, de
Santa Catalina de Somoza a Molinaseca, cerca de 39,9 quilômetros, que completei
hoje, há 10 anos...
#10yearchallenge
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021
O texto abaixo foi publicado no primeiro livro da
trilogia Pedras do Caminho: Meu Encontro no Caminho de Santiago!
O PONTO MAIS ALTO... ISTO É REAL!
Hoje, ao
peregrinar a minha etapa 21 do Caminho – de Santa Catalina de Somoza até
Molinaseca, algo em torno de 39,9 quilômetros... – passei de manhã emLa Cruz de Hierro. Trata-se do ponto mais alto do Caminho
Francês, com quase 1.500 metros de altitude, marcado por uma solitária cruz de
ferro sobre um mastro de madeira de 5 metros. Diz a lenda que o peregrino
deve trazer uma pedra de seu lugar de origem e deixá-la na base, para se livrar
de suas cargas e culpas e ter proteção na viagem...
Como sabia
dessa necessidade, trouxe do Brasil uma pedra na minha mochila e lancei-a no
monte. Vai que...
Ao cruzar
por La Cruz de Hierro passei pelo penúltimo maior obstáculo do Caminho – afinal
você parte de altitude de 900 e poucos metros, em Santa Catalina de Somoza,
atinge os quase 1.500 metros, e desce para Molinaseca, a menos de 600 metros do
nível do mar...
Penúltimo,
porque o último, conforme apontam os guias que me auxiliam, dentro de uns dias
estarei chegando a O Cebreiro, a pouco mais de 1.300 metros de altitude... se
bem que alguns dias depois tem o Alto de Riocabo, a 900 metros...
Mas não
adianta se preocupar por antecipação, pois tudo depende das condições do solo,
da meteorologia e, claro, de como eu estiver no momento. Hoje, por exemplo,
estava muito bem. Só isso para justificar uma caminhada de quase uma maratona.
Aliás, nesse momento de projeções e balanços, acabo de constatar que, para o
guia El País/Aguilar, de Molinaseca estou 214,5 quilômetros distante de
Santiago de Compostela. Ou seja, já teria percorrido exatos 584,5 –
considerando os 799 quilômetros do Caminho Francês. Já para o guia Rother,
faltariam 220 quilômetros até Santiago e eu já teria peregrinado 579
quilômetros... Contudo, considerando as minhas contas, eu teria somado 554,1
quilômetros e restariam 244,9 quilômetros. Com certeza um dos três, ou os três
fizeram contas erradas... Sinceramente, as contas de El País/Aguilar me são
mais favoráveis, pois só 214,5 quilômetros me separam de Santiago de
Compostela!
Mas,
afinal...
– O Neguinho
não tinha mais o que fazer? – perguntou meu irmão quando minha mãe lhe contou
que eu estava peregrinando o Caminho de Santiago.
Assim como a
incredulidade do “Batata”, as reações são as mais inusitadas ao se saber por
onde ando, especialmente se o interlocutor já ouviu falar, leu ou teve algum
amigo que fez o Caminho – principalmente se foi a pé. Afinal são cerca de 800
quilômetros, em condições nem sempre ideais para uma caminhada, como a que se
faz na orla de Santos...
Gerson diz
que nem de carro... “Macarrão” garante que vai acompanhar sentado em frente ao
micro... Léa parabeniza e... não se fala mais nisso! O apoio vem da família,
Sandra, dona Maria, Flávia, Juliana, Lady (meio chateada...). O entusiasmo
chega de todos os “loucos”, Lisbôa, Hilda, Waldir, Glauco, Guerato, Campos,
Thomas, Denys, Zé Cássio, Zilli, Hugo, Joaquim, Antonio Maria, Arnaldo, Marcão,
Braga, Bunitão, Edu, Ariomar, Marinho, Maratona, Angela, Jacuí, Oscarzinho, Rô,
Di Renzo, Santana, Soto, Filetti, Felipe, Tati (e o afilhado Mateus deve ter
pensado...), Caio, Ibrahim (e outros que não tiveram a oportunidade de
postar...).
Legal que
todos os que acham a iniciativa interessante pensam também um dia
concretizá-la. Não sei o que estão esperando! Se programem para o próximo
Verão; ainda mais considerando que 2010 é ano jubilar, quando o perdão divino é
garantido a todos os pecadores que chegarem a Santiago... A todos vocês digo
que é possível qualquer um, ainda que com a fragilidade da idade e o costume do
conforto, tirar de letra os quase 800 quilômetros do Caminho. Como já contei,
até este momento topei com situações quase impossíveis, caso da americana de 84
anos, que faz as etapas conforme sua condição. Dias atrás, num restaurante em
Reliegos, conheci a brasileira Eudóxia, 74 anos. Ela mora na Zona Norte de São
Paulo e, na base de 10 a 15 quilômetros por dia, está fazendo o Caminho desde
25 de maio.
Quer mais:
em 25 de junho, em Murias de Rechivaldo, quando fazia o trecho entre Hospital
de Órbidos e Santa Catalina de Somoza, encontrei um casal da terceira idade que
faz o Caminho não de Saint Jean, mas de Le Puy, também na França, o que
acrescenta mais de 750 quilômetros à caminhada – totalizando algum em torno de
1.549 quilômetros.
Ela carrega
uma mochila e ele uma mala com rodinhas. Falei com ele, que se identificou como
Francis, e contou que haviam saído de Le Puy no domingo de Páscoa... Fiz fotos
e dei votos de ânimo!
Mas tem
gente que anda muito mais, vem de outros pontos da França, da Holanda, da
Alemanha... Ou seja, não tem limite, muito menos de idade para aceitar o
desafio. Desafio?
A verdadeira
motivação para desembarcar em Saint Jean Pied de Port, na França, para dar o
primeiro passo, acredito, será para mim sempre uma incógnita, por mais que
pense e tenha, na ponta da língua, mais de 1.001 motivos para expor. Da mesma
forma, ignoro a origem da disposição para acordar diariamente às 6 horas para
andar e andar, sozinho – em parte, pois você passa e é passado por outros
peregrinos, a pé ou de bicicleta, ou cruza com a gente dos pueblos (sempre com
o cumprimento “Buen Camino, Peregrino”) ah! e os bichos do Caminho, como lesmas
de vários tipos, sapos, pássaros (ouvir o cuco é demais...), ovelhas, bois,
cavalos, salamandras, formigas, lagartos, cães, gatos, um tal de chinche, uma
praga, que, sinceramente, não vi nenhum...
Nos últimos
dias penso e me preparo para enfrentar o encontro com Santiago de Compostela.
Afinal, acredito que tudo, absolutamente tudo, desde a mordida do mosquito, até
a preparação, o primeiro passo, o dia a dia, as coincidências..., enfim, a
própria existência... todo esse quebra-cabeça dos últimos dias possivelmente se
cristalizará no momento mágico em que avistar as torres da catedral de Santiago
de Compostela...
A torre da
igreja, via de regra, é a primeira coisa que se vê quando se está chegando ao
povoado ou à cidade. Durante o Caminho esta é uma expectativa presente a cada
passo; uma sensação de conforto... não tanto pela religiosidade, ou
inconscientemente sim, sei lá, mas principalmente pela perspectiva de conhecer
o pueblo; parar e se livrar um pouco da mochila, descansar, comer ou beber
alguma coisa... Consumir?
Este é um
dos efeitos Santiago de Compostela!
O tempo
disponível te dá a oportunidade de avaliar cada movimento, cada olhar, sob
vários aspectos, e são tantos que se somam, que, ao final, será a conjugação
deles que poderá te aproximar um pouquinho mais e com melhor clareza daquilo
que é real...
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