terça-feira, 11 de junho de 2019

Encontro fantástico!


Jesus, o peregrino, e o cão Xisto: barrados no albergue

Helena, 84 anos, Jesus... Sim, Jesus! No sexto dia de peregrinação pelo Caminho Francês, de Estella a Los Arcos, que completei nesta data, há 10 anos, fui surpreendido com encontros inusitados...
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O texto abaixo foi publicado no primeiro livro da trilogia Pedras do Caminho: Meu Encontro no Caminho de Santiago!

MEU ENCONTRO COM JESUS

Na quinta-feira, 11 de junho, deixei a “Fonda San Andrés”, em Estella, revigorado, com um banho de banheira, um sono sem sinfonia de roncos e toda a privacidade que um quarto exclusivo pode proporcionar, ainda que tenha compartilhado o banheiro. Mas, nas vezes em que fui utilizá-lo esteve sempre à disposição. Até na hora da banheira os eventuais hóspedes do andar também não me perturbaram. Vinte euros bem empregados. Acho que com 60 mangos, em Santos, garantiria reserva numa pensão fuleira do José Menino... Mas sempre haverá gente esperta para ponderar que a Europa é cara, é impossível fazer turismo na Espanha, Portugal etc. Como não estou fazendo exatamente turismo, procuro me apropriar da farta hospitalidade e da rica gastronomia. E aqui, pelo menos no Caminho, há opções.
Como estava no hotel resolvi não exagerar no menu de final de dia, o que aumentaria mais uns 12 euros – diferente da noite anterior em Puente La Reina, que, apesar do albergue classe “a” a 10 euros, inclui mais 10 do menu, com buffet de saladas, dois pratos quentes, no primeiro escolhi um bacalhau com molho de ervas e batatas e no segundo me servi de um espaguete com frutos do mar, matando a vontade da sobremesa com sorvete de creme e chocolate – no qual misturei vinho. Aliás, nem consegui tomar toda a garrafa Navarra à minha disposição, ganhando mais um amigo, o peregrino da mesa ao lado, quando o presenteei com a bebida. “Muy amable”, me agradeceu.
Em Estella também tive sorte. Estava à procura de algum lugar para comer quando encontrei duas peregrinas que na cidade ficariam na casa de parentes. Estavam em frente a uma carniceria. Pedi sugestão de restaurante e uma delas chamou a parente que me indicou um local onde serviam combinados. Era do outro lado da ponte. Agradeci e com aquele passinho-de-peregrino-depois-de-um-dia-de-peregrinação cheguei ao lugar.
Primeiro uma cerveja (dá muita sede peregrinar...). E entre as opções, escolhi a que levava um fruto do mar que desconhecia, sepia. Tudo uma delícia. Junto com uma Coca. E basta pedir Coca que a bebida é servida no copão com gelo e limão. Este é o padrão. Pois é, bem dormido, peguei o Caminho em direção a Los Arcos e a 2,1 quilômetros, em Ayegui, após tomar um gole de vinho da Fonte do Vinho, um belo investimento de marketing da vinícola Irache, encontrei ele em frente ao Monastério de Irache, considerado um dos monastérios mais famosos da Província de Navarra. Consta que no ano 859 já existia uma comunidade beneditina no lugar, até que o rei de Nájera o dotou em 1054 de um hospital de peregrinos. No local funcionou, no século XVII, a primeira universidade da Navarra. Informa ainda o guia do El País/Aguilar que o edifício tem detalhes medievais, renascentistas e barrocos e sua grande torre, inspirada nas de San Lorenzo de El Escorial, de Madri, é de estilo herreriano e se destaca num conjunto de três claustros e uma igreja do século XII.
Ao vê-lo, perguntei seu nome e me disse chamar Jesus. Natural de Bilbao, iniciou sua segunda peregrinação em 10 de maio, de Barcelona, acompanhado de um amigo e o cachorro do amigo, com destino a Santiago de Compostela. Logo no início do caminho encontrou um cachorro perdido, que batizou Xisto. E vinham os quatro até que no meio do caminho se desentendeu com o amigo. Agora, peregrina com o cachorro, mas tem esperança de encontrar os dois em Finisterre. Acredita que já andou mais de 900 quilômetros. Na porta do monastério esperavam que os hospitaleiros arrumassem o local, após a saída dos peregrinos. Queriam comer alguma coisa e descansar... Depois reencontrei a dupla em Los Arcos e Jesus me contou que não admitiram o cachorro. Só se fosse de caça, teria justificado o hospitaleiro. Ele foi dizer a verdade, que era um “perro” perdido, e foram barrados.
Outro encontro curioso neste dia foi com a norte-americana Helena. Caminhava bem, mas muito devagar no trecho final dessa etapa – cerca de 12,3 quilômetros, entre Villamayor de Monjardín e Los Arcos –, carregando uma mochila e uma garrafa de água. Me disse ter 84 anos e que havia iniciado o Caminho em Roncesvalles, curiosamente, também em maio. Viúva, contou que nasceu na Califórnia, na região dos vinhos, mas por algum motivo não conseguiu lembrar exatamente a cidade... Por enquanto, acho que é a pessoa com mais idade que cruzei. Que disposição. Após falarmos, voltei ao Caminho e a olhei para trás. Estava detida abrindo sua garrafa de água. O papo deu sede... No final da tarde a reencontrei em Los Arcos. Claro que chegou! Procurava um lugar para comer um menu peregrino!

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