quarta-feira, 19 de junho de 2019

Missionários do Caminho...


Pepe e Jésus, do Refúgio de Castrojeriz: a serviço de Santiago!

Inspirado pela missão do hospitaleiro, após a experiência fantástica em Castrojeriz, escrevi em Frómista um texto em homenagem a este personagem fundamental do Caminho de Santiago. Foi ao final do 14º dia de peregrinação pelo Caminho Francês, desde Castrojeriz (25,9 quilômetros), que completei nesta data, há 10 anos...
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#pedrasdocaminho
#xacobeo2021

O texto abaixo foi publicado no primeiro livro da trilogia Pedras do Caminho: Meu Encontro no Caminho de Santiago!

SOBRE OS HOSPITALEIROS

Sem considerar a infraestrutura do albergue, que é extremamente variável, especialmente se é mantido pela igreja, ou por alguma associação de amigos de peregrinos, comumente mediante parceria com o poder público, ou particular, uma figura fundamental no funcionamento do albergue é o hospitaleiro.
É ele, ou eles, dependendo do tamanho do albergue – enquanto o de Roncesvalles adota uma equipe de quatro por período o de Tardajos tem apenas um 24 horas! –, que marca o ritmo da, digamos assim, hospitalidade do local. Desde a recepção aos peregrinos, com a explicação das regras, especialmente para controlar os abusados, o carimbo na credencial, e o atendimento a qualquer necessidade.
E quando se diz qualquer necessidade é qualquer mesmo, pois será a ele que sempre o peregrino irá se dirigir.
Por isso não é fácil ser hospitaleiro. Para facilitar – e ser um facilitador faz parte da hospitalidade –, não basta que fale apenas o castelhano – embora a grande maioria dos peregrinos seja espanhol.
Circulam pelo Caminho pessoas de diferentes nacionalidades, o que exige do hospitaleiro conhecimentos básicos de outras línguas, principalmente, francês, inglês, alemão, português – e não devido a brasileiros, cujo trânsito é incipiente –, mas dos irmãos de Portugal.
Por isso, entre as equipes de hospitaleiros que se revezam, no caso de serem voluntários (sim, porque no caso de serem empregados, serão sempre os mesmos...), há homens e mulheres de várias nacionalidades.
Mas, se além da língua pátria, arranha outra, ponto para o hospitaleiro! Será mais solicitado e terá a oportunidade de mais facilitar. Somando um ponto aqui, descontando outro ali, é que, naturalmente, vai se formando um ranking entre os hospitaleiros do Caminho. Claro que neste momento, percorrido um terço do Caminho Francês, pode parecer prematuro arriscar um 10, por exemplo, numa classificação de 0 a 10 – faltando, como se deduz, dois terços do trajeto.
Mas Jesus, sim Jesus – o segundo que já encontrei no Caminho – está muito perto da nota máxima. Ele é hospitaleiro no albergue mantido pela Confradia de Santo Domingo de la Calzada, em Santo Domingo de la Calzada, onde fiquei de 14 para 15 de junho, mediante a doação de 3 euros. Sempre bem disposto, me atendeu e acompanhei o atendimento a outros peregrinos com muita dedicação, dando quase sempre retorno às solicitações, sugerindo dicas e procurando colaborar. Foi ele quem me recepcionou e quem se despediu de mim, às 6h30 da manhã do dia seguinte, ainda com cara de sono... Os outros da equipe também foram gentis, mas Jesus superou.
Claro que com a super infraestrutura existente no albergue – o que indica que é bem provável que seja funcionário... – fica tudo mais fácil. Talvez seja o único albergue dotado inclusive de elevador, com acesso para dois pisos. Tudo é novo, os estofados são de couro, o sistema hidráulico inteligente, muito limpo... Sua recente reforma foi inaugurada no início do ano e contou inclusive com a presença do presidente da Província La Rioja.
Outros que estão com muitos pontos no meu ranking parcial são as equipes que me atenderam nos albergues de Pamplona e em Roncesvalles. Atenciosos, objetivos, prestativos... mas não um Jesus!
Na lanterna do ranking, pelo menos até agora, está o hospitaleiro do albergue de Logroño. Comigo, de cara, foi duro quando pedi para substituir o número ímpar, que indica a cama de cima do beliche, por um par. “Peregrino não pede”, avisou. De cara, descontei alguns pontos. Como não protestei, minutos depois, talvez arrependido, me deu o número par.
Ficou com minha credencial. Avisou que só iria devolver no dia seguinte, após às 6h30! Achei, como todos acharam, esquisito. A credencial é do peregrino, não tem essa de retê-la. Carimba, anota o que tiver que anotar no livro de registro e devolve. Além disso, e seu eu quiser sair antes das 6h30? – o que muitos fazem para evitar o sol forte do dia...
Assim, em meio a regras arbitrárias, talvez nem culpa do hospitaleiro, mas da forma como ele as impõe – talvez culpa sim, como aceita tais regras?!?!?!? –, no dia seguinte pela manhã aconteceu a maior confusão exatamente por causa de um catalão (sempre eles...) que queria sua credencial para sair mais cedo. Houve troca de insultos (“ditadura, ditadura!”, dizia o catalão) e o clima quase esquentou. No final das contas, o catalão ficou de castigo e foi o último a receber sua credencial de volta...
Levanto minha própria suspeição, contudo, para falar de alguns hospitaleiros. Afinal, há algumas pessoas – e já comentei isso antes – que é só falar que é do Brasil que se derretem. Foi o caso do hospitaleiro voluntário Jorge, de Tardajos.
O albergue é mantido por uma associação de amigos do Caminho, com sede em Madri. Adotou parceria com a Prefeitura local e instalou o albergue numa antiga casa de professores.
Como em Tardajos o único estabelecimento comercial próximo só abre às 17 horas, o que me impediu de fazer compras, estava eu no mesão em frente ao albergue, comendo frutas e o que restou do bocadilho da peregrinação, quando fui observado pelo Jorge. Bem-humorado foi até sua sala e me trouxe uma garrafa de vinho e uma gasosa, sugerindo a mistura para acompanhar o bocadilho...
Sentou-se comigo e contou uma situação em que estava no Caminho, meio desolado, quando um religioso brasileiro se aproximou e disse palavras que levantaram seu astral. Um momento que mudou seu dia e nunca mais esqueceu. Ajudar um brasileiro, pois, no caso eu, foi uma forma de retribuir. Só por ser brasileiro! Tomei quase tudo o que ele me deu – e, depois, quando abriu o comércio, comprei uma garrafa de vinho e o presenteei.
Ah! E o que falar do terceiro Jesus do Caminho e seu amigo Pepe. Nesse caso, eu sou suspeitíssimo. No dia 18, os dois estavam como hospitaleiros voluntários do Refúgio de Castrojeriz, mantido pela Asociación de Amigos de los Refugios del Camino de Santiago.
Fui lá para conhecer o albergue onde o santista José Roberto Lisbôa Júnior, o Juca, é hospitaleiro diplomado – e em julho cumprirá sua escala anual. Ou seja, já estava super indicado!
A mordomia foi total. Primeiro, Jesús (sim, com acento) me levou para conhecer sala por sala do albergue e explicar o seu funcionamento. Ao mostrar o espaço dos hospitaleiros, fez questão de mostrar onde Juca dorme, onde Juca se senta – e até a janela onde Juca se pendura para fumar, após a ceia e o café...
Depois, ele recepcionou jovens da comunidade, para dar aulas de reforço em Matemática, Inglês e Francês, e aproveitei para conhecer um pouco a cidade.
Voltei por volta das 21h30 – o albergue fecha as portas às 22 horas – e cumprimentei Jesús e Pepe e fui me preparar para dormir. O dia havia sido duro, já havia feito minha refeição principal do dia, por volta das 15 horas, no La Taberna, e ia dormir daquele jeito...
Ia, pois já estava deitado quando Jesús veio me buscar: “Vamos, Luiz, vamos cear...”. O quê?!?!?!
Subimos ao refeitório e lá já estava Pepe, que havia preparado uma salada caprichada, com aspargos, azeitonas, atum, tomate, alface, que foi acompanhada de queijo, tortilha etc. e, claro, vinho, com iogurte de sobremesa. Pois é, comi como um hospitaleiro! Fiz questão de lavar os pratos...

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