Pepe e Jésus, do Refúgio de Castrojeriz: a serviço de
Santiago!
Inspirado pela missão do hospitaleiro, após a experiência
fantástica em Castrojeriz, escrevi em Frómista um texto em homenagem a este
personagem fundamental do Caminho de Santiago. Foi ao final do 14º dia de
peregrinação pelo Caminho Francês, desde Castrojeriz (25,9 quilômetros), que
completei nesta data, há 10 anos...
#10yearchallenge
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021
O texto abaixo foi publicado no primeiro livro da
trilogia Pedras do Caminho: Meu Encontro no Caminho de Santiago!
SOBRE OS HOSPITALEIROS
Sem
considerar a infraestrutura do albergue, que é extremamente variável,
especialmente se é mantido pela igreja, ou por alguma associação de amigos de
peregrinos, comumente mediante parceria com o poder público, ou particular, uma
figura fundamental no funcionamento do albergue é o hospitaleiro.
É ele, ou
eles, dependendo do tamanho do albergue – enquanto o de Roncesvalles adota uma
equipe de quatro por período o de Tardajos tem apenas um 24 horas! –, que marca
o ritmo da, digamos assim, hospitalidade do local. Desde a recepção aos
peregrinos, com a explicação das regras, especialmente para controlar os
abusados, o carimbo na credencial, e o atendimento a qualquer necessidade.
E quando se
diz qualquer necessidade é qualquer mesmo, pois será a ele que sempre o
peregrino irá se dirigir.
Por isso não
é fácil ser hospitaleiro. Para facilitar – e ser um facilitador faz parte da
hospitalidade –, não basta que fale apenas o castelhano – embora a grande
maioria dos peregrinos seja espanhol.
Circulam
pelo Caminho pessoas de diferentes nacionalidades, o que exige do hospitaleiro
conhecimentos básicos de outras línguas, principalmente, francês, inglês,
alemão, português – e não devido a brasileiros, cujo trânsito é incipiente –,
mas dos irmãos de Portugal.
Por isso,
entre as equipes de hospitaleiros que se revezam, no caso de serem voluntários
(sim, porque no caso de serem empregados, serão sempre os mesmos...), há homens
e mulheres de várias nacionalidades.
Mas, se além
da língua pátria, arranha outra, ponto para o hospitaleiro! Será mais
solicitado e terá a oportunidade de mais facilitar. Somando um ponto aqui,
descontando outro ali, é que, naturalmente, vai se formando um ranking entre os
hospitaleiros do Caminho. Claro que neste momento, percorrido um terço do
Caminho Francês, pode parecer prematuro arriscar um 10, por exemplo, numa
classificação de 0 a 10 – faltando, como se deduz, dois terços do trajeto.
Mas Jesus,
sim Jesus – o segundo que já encontrei no Caminho – está muito perto da nota
máxima. Ele é hospitaleiro no albergue mantido pela Confradia de Santo Domingo
de la Calzada, em Santo Domingo de la Calzada, onde fiquei de 14 para 15 de
junho, mediante a doação de 3 euros. Sempre bem disposto, me atendeu e
acompanhei o atendimento a outros peregrinos com muita dedicação, dando quase
sempre retorno às solicitações, sugerindo dicas e procurando colaborar. Foi ele
quem me recepcionou e quem se despediu de mim, às 6h30 da manhã do dia
seguinte, ainda com cara de sono... Os outros da equipe também foram gentis,
mas Jesus superou.
Claro que
com a super infraestrutura existente no albergue – o que indica que é bem
provável que seja funcionário... – fica tudo mais fácil. Talvez seja o único
albergue dotado inclusive de elevador, com acesso para dois pisos. Tudo é novo,
os estofados são de couro, o sistema hidráulico inteligente, muito limpo... Sua
recente reforma foi inaugurada no início do ano e contou inclusive com a presença
do presidente da Província La Rioja.
Outros que
estão com muitos pontos no meu ranking parcial são as equipes que me atenderam
nos albergues de Pamplona e em Roncesvalles. Atenciosos, objetivos,
prestativos... mas não um Jesus!
Na lanterna
do ranking, pelo menos até agora, está o hospitaleiro do albergue de Logroño.
Comigo, de cara, foi duro quando pedi para substituir o número ímpar, que
indica a cama de cima do beliche, por um par. “Peregrino não pede”, avisou. De
cara, descontei alguns pontos. Como não protestei, minutos depois, talvez
arrependido, me deu o número par.
Ficou com
minha credencial. Avisou que só iria devolver no dia seguinte, após às 6h30!
Achei, como todos acharam, esquisito. A credencial é do peregrino, não tem essa
de retê-la. Carimba, anota o que tiver que anotar no livro de registro e
devolve. Além disso, e seu eu quiser sair antes das 6h30? – o que muitos fazem
para evitar o sol forte do dia...
Assim, em
meio a regras arbitrárias, talvez nem culpa do hospitaleiro, mas da forma como
ele as impõe – talvez culpa sim, como aceita tais regras?!?!?!? –, no dia
seguinte pela manhã aconteceu a maior confusão exatamente por causa de um
catalão (sempre eles...) que queria sua credencial para sair mais cedo. Houve
troca de insultos (“ditadura, ditadura!”, dizia o catalão) e o clima quase
esquentou. No final das contas, o catalão ficou de castigo e foi o último a
receber sua credencial de volta...
Levanto
minha própria suspeição, contudo, para falar de alguns hospitaleiros. Afinal,
há algumas pessoas – e já comentei isso antes – que é só falar que é do Brasil
que se derretem. Foi o caso do hospitaleiro voluntário Jorge, de Tardajos.
O albergue é
mantido por uma associação de amigos do Caminho, com sede em Madri. Adotou
parceria com a Prefeitura local e instalou o albergue numa antiga casa de
professores.
Como em
Tardajos o único estabelecimento comercial próximo só abre às 17 horas, o que
me impediu de fazer compras, estava eu no mesão em frente ao albergue, comendo
frutas e o que restou do bocadilho da peregrinação, quando fui observado pelo
Jorge. Bem-humorado foi até sua sala e me trouxe uma garrafa de vinho e uma
gasosa, sugerindo a mistura para acompanhar o bocadilho...
Sentou-se
comigo e contou uma situação em que estava no Caminho, meio desolado, quando um
religioso brasileiro se aproximou e disse palavras que levantaram seu astral.
Um momento que mudou seu dia e nunca mais esqueceu. Ajudar um brasileiro, pois,
no caso eu, foi uma forma de retribuir. Só por ser brasileiro! Tomei quase tudo
o que ele me deu – e, depois, quando abriu o comércio, comprei uma garrafa de
vinho e o presenteei.
Ah! E o que
falar do terceiro Jesus do Caminho e seu amigo Pepe. Nesse caso, eu sou
suspeitíssimo. No dia 18, os dois estavam como hospitaleiros voluntários do
Refúgio de Castrojeriz, mantido pela Asociación de Amigos de los Refugios del
Camino de Santiago.
Fui lá para
conhecer o albergue onde o santista José Roberto Lisbôa Júnior, o Juca, é
hospitaleiro diplomado – e em julho cumprirá sua escala anual. Ou seja, já
estava super indicado!
A mordomia
foi total. Primeiro, Jesús (sim, com acento) me levou para conhecer sala por
sala do albergue e explicar o seu funcionamento. Ao mostrar o espaço dos
hospitaleiros, fez questão de mostrar onde Juca dorme, onde Juca se senta – e
até a janela onde Juca se pendura para fumar, após a ceia e o café...
Depois, ele
recepcionou jovens da comunidade, para dar aulas de reforço em Matemática,
Inglês e Francês, e aproveitei para conhecer um pouco a cidade.
Voltei por
volta das 21h30 – o albergue fecha as portas às 22 horas – e cumprimentei Jesús
e Pepe e fui me preparar para dormir. O dia havia sido duro, já havia feito
minha refeição principal do dia, por volta das 15 horas, no La Taberna, e ia
dormir daquele jeito...
Ia, pois já
estava deitado quando Jesús veio me buscar: “Vamos, Luiz, vamos cear...”. O
quê?!?!?!
Subimos ao
refeitório e lá já estava Pepe, que havia preparado uma salada caprichada, com
aspargos, azeitonas, atum, tomate, alface, que foi acompanhada de queijo,
tortilha etc. e, claro, vinho, com iogurte de sobremesa. Pois é, comi como um
hospitaleiro! Fiz questão de lavar os pratos...
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