Ermida de Santa María de Eunate: legado dos
Templários...
As quarta e quinta etapas de minha peregrinação pelo
Caminho Francês, há 10 anos, corresponderam ao trecho de Pamplona até Estella, com
cerca de 45 km – friso “cerca de” pois essas marcas não têm e possivelmente
nunca terão um consenso nos diferentes guias e sites sobre o Caminho de
Santiago... Enfim, ao chegar a Estella refleti sobre os dois dias anteriores, quando
experimentei uma rota tangencial do Caminho de Santiago para alcançar o Caminho Aragonês e visitar a ermida de
Santa María de Eunate: fantástica!!!
#10yearchallenge
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021
O texto abaixo foi publicado no primeiro livro da
trilogia Pedras do Caminho: Meu Encontro no Caminho de Santiago!
MINHA TERRA TEM PALMEIRAS
Na
quarta-feira, 10 de junho, completei a minha quinta etapa do Caminho, no qual
em algum momento ultrapassei os primeiros 100 quilômetros – só para lembrar,
serão mais de 800 quilômetros até a Catedral de Santiago de Compostela...
Afinal, a
primeira etapa, de Saint Jean Pied de Port, na França, até Roncesvalles, na
Espanha, tem 25,7 km. A segunda, de Roncesvalles até Zubiri, 21,5 km. A
terceira, de Zubiri até Pamplona, 20,4 km. A quarta, de Pamplona até Puente la
Reina, 24 km. E a quinta, de Puente la Reina até Estella, 22 km, totalizando
113,6 km. Mais teve uns quilômetros a mais, que vou detalhar...
Se quiser
ser um pouco mais exato e tirar esses 13,6 km da marca, creio que os 100
quilômetros foram completados em algum momento em que pisava em resquícios da
calçada romana, entre Cirauqui e Lorca.
A calçada,
possível ver em vários trechos, é uma das atrações históricas de todo o Caminho
e junto com as pontes românicas e medievais, com suas estruturas arcadas, fazem
uma composição muito bonita com a natureza.
Pois é,
merecem destaque os aspectos arquitetônicos e naturais do Caminho, embora na
postagem anterior foi enfatizado que o melhor do Caminho se encontra nos
peregrinos, gente de toda parte do planeta, e no povo, francês e espanhol, dos
“pueblos”, que vive diuturnamente o fenômeno da peregrinação. Não se trata de
uma contradição, muito menos fazer uma mea culpa, mas sim deixar claro
que tantas são as atrações do Caminho para quem se dispõe a fazê-lo, que vale a
pena inclui-lo no roteiro de viagem de algum ano – ainda que seja por alguns
dias.
Quem tem
tempo reserva 30 dias, ou mais, para percorrê-lo na sua forma tradicional, de
Saint Jean Pied de Port, no caso do Caminho Francês, ou de Somport, no caso do
Aragonês, até Santiago de Compostela. Quem tem mais dias, começa de outros
pontos da França. Ouvi casos de pessoas que vieram de Jerusalém, outras da
Holanda, sempre a pé.
Mas, quem
não tem tempo, e conheci muitos com essa limitação, fazem um ou mais trechos,
10 ou 30 quilômetros, apenas para sentir o espírito do Caminho, conversar com
os peregrinos, o povo, ver os monumentos, refletir, se aventurar, fazer amigos
etc. No ano seguinte, faz mais um pedaço. E aí continua se divertindo,
aprendendo, se machucando...
E como
dói...
Mas como vim
de longe, não desisto fácil... Depois das duas primeiras etapas, completei a
terceira, de Zubiri a Pamplona, com alguma dificuldade... Em termos, pois ao
chegar e atravessar a ponte elevadiça das muralhas restauradas de Pamplona fui
de tênis percorrer a cidade, até a Plaza de Toros, e também as famosas ruas que
em julho sediarão a tradicional Festa de São Firmino, quando os touros são
soltos e sai da frente... No centro da cidade tem uma escultura sobre a
festa...
Não é a
minha combalida coluna que dói, mas os joelhos, de tanta subida e,
principalmente, descida. Acho que teve gente que parou aqui e desistiu... O
José Avelino, aquele brasileiro de Ribeirão Preto, não vi mais... De repente,
em alguma etapa volte a encontrá-lo. Mas da última vez que falei com ele, em
Pamplona (e olha que iniciou em Roncesvalles e não fez o trecho mais difícil,
saindo de Saint Jean!) estava desolado.
Eu mesmo
cheguei a arquitetar uma paradinha. Ou seja, em vez de fazer a quarta etapa
completa, de Pamplona a Puente la Reina, iria parar em Cizur Menor, a 5,1
quilômetros, um passeio, que tem uma boa estrutura, tiraria o dia para
descansar, ou mesmo voltar a Pamplona e curtir mais a cidade. Fui dormir na
dúvida. Seguir e me arriscar ou parar logo mais e recarregar energias? É aquele
negócio que só você decide, não dá para pedir ajudar a outro peregrino, às
cartas, aos universitários, como naquele programa de televisão... Afinal, quem
deve saber do seu limite é você, e mais ninguém!
(PS.:
Tremenda bobagem. Agora entendo que nem mesmo você, muitos menos os outros
sabem o seu limite, eis que, absolutamente imponderável!)
O que sei é
que no dia seguinte a ideia de jerico havia desaparecido. Acordei recuperado e,
em vez dos 5,1 km negociados, fiz os 24 km (na verdade um pouco mais, vou
detalhar...) até Puente la Reina. Foi fácil? Claro que não. Mas o trajeto me
reservou situações emocionantes.
Ao chegar em
Muruzábal, faltando apenas 4,1 km para Puente la Reina, avistei o templo da
igreja de San Esteban e na porta, faltando 15 minutos para fechar, conheci mais
uma Maria. Atenciosa, começamos a conversar e como demonstrei interesse
entramos e ela deu detalhes do templo, com partes bem diferenciadas. A
primeira, gótica, do século XIV. A segunda, renascentista, do século XVII.
Entre tantos
aspectos interessantes, está na Capela de São José os restos mortais do bispo
de Calahorra, Don Juan Juaniz de Echalaz, nascido em Muruzábal, que conquistou
o espaço pois ajudou a financiar uma ampliação da igreja...
Aí surgiu a
reiteração (outras pessoas também me deram essa dica...) de que deveria
conhecer a ermida de Santa María de Eunate, que está no Caminho Aragonês,
exatamente no momento em que se encontra com o Francês para seguir até
Santiago. Apontou o percurso, com sinalização precária e lá fui eu conhecer a
famosa ermida. Para quem estava a ponto de parar para embromar um dia, dar uma
esticada de mais uns 4 a 5 quilômetros parece coisa de louco...
Pois é,
caminhei com disposição. Um pouco antes de chegar dei uma parada para tomar uma
água e notei a aproximação de uma pessoa. Vestia camisa e calça na cor marrom,
trazia um crucifixo no peito e puxava uma mala de rodinhas. Não pode ser
peregrino, pensei. Mas já havia ouvido falar de peregrino que leva suas coisas
em mala de rodinhas, em vez da mochila...
Ah!, sobre
isso e sobre as pessoas que fazem um pedaço do Caminho, é cada vez mais normal
peregrinar levando uma mochilinha básica, enquanto as roupas da noite, para o
passeio para saborear a gastronomia e outras diversões da parada, vão de carro,
por meio de serviços prestados por empresas, em conjunto com hotéis de classe.
Não era o
caso. Tratava-se de Lázaro, um ermitanho, em espanhol, ou ermitão (não aquele
de caverna...), ou seja, quem vive em ermida, orando, aprendendo a Bíblia,
orando... Era o primeiro ermitão que estava conhecendo no dia. Primeiro, porque
logo em seguida iria conhecer João, o ermitão de Santa María de Eunate.
Abordei
Lázaro e caminhamos juntos. Me contou que Lázaro não era seu nome de batismo,
mas o que escolheu quando fez seus votos e passou a se dedicar à Igreja
Católica. Lázaro, aquele que Deus ressuscitou. Estava em visita ao ermitão de
Eunate e ficaria lá uns dias.
A ermida é
do século XII, tem forma octogonal e é cercada por um muro também octogonal.
Ela teria sido construída pelos Templários, mas não há provas consistentes. Mas
tem tudo a ver, pois é da época em que foi forte a influência dos Templários em
toda a Península Ibérica. Ela foi recuperada, como a grande maioria dos templos
e monumentos do Caminho – uma preocupação com o patrimônio histórico e cultural
que deveria ser mais efetiva no Brasil.
Conheci a
ermida enquanto Lázaro foi ao encontro de João, nome de batismo. Ao me
despedir, conheci o segundo ermitão. Ao saber que eu era brasileiro – como faz
a grande parte dos espanhóis que tenho conhecido nos últimos dias – ficou tão
alegre que recitou versos de Gonçalves Dias e eu, claro, o acompanhei: “Minha
terra tem palmeiras, onde canta o sabiá. As aves que aqui gorjeiam, não
gorjeiam como lá...” Sem lembrar todas as estrofes acrescentei a última: “Não
permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá!”
Lázaro não
estava entendendo nada e João passou a explicar os significados dos versos.
Sobre o
final, contei que, pelo que eu sabia, ao retornar ao Brasil o navio que trazia
o desterrado Gonçalves Dias naufragou na costa.
Vai chorar?
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