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7ª etapa –
Monreal a Puente la Reina (31,2 km)
Sexta-feira
– 08/06/2012
Dormi
ouvindo as badaladas do sino da Igreja da Natividade de Nossa Senhora de
Monreal e exatamente às seis horas fui acordado pelo primeiro dos seis badalos;
e me lembrei da alcadesa do pueblo. Levantei disposto naquela manhã de 8 de
junho, ansioso em fazer a última etapa de minha peregrinação pelo Caminho
Aragonês a Santiago de Compostela.
Pela janela
conferi que não estava chovendo e confiei que o tempo abriria, como viria a
acontecer, e poderia desfrutar da bela etapa, que desde Monreal atravessa
inúmeros pueblos de Navarra e, pouco antes de chegar a Puente la Reina (em
euskera, Gares), oferece ao peregrino a fantástica Ermita Santa Maria de Eunate
– uma construção em formato octogonal, envolta em lendas e mistérios –, que, no
meu caso, marcaria um reencontro, pois estive lá em 2009, quando peregrinei o
Caminho Francês, desde Saint Jean Pied de Port. Naquela ocasião, curioso pelos
segredos do Caminho, fazia a etapa de Pamplona a Puente la Reina, quando, em
vez de seguir direto de Muruzábal a Puente la Reina – cerca de 4,1 quilômetros
–, sai do Caminho Francês e peguei outra estrada, de 4 quilômetros, que me
levaria à Eunate. Além de reencontrar Santa Maria de Eunate, aquele dia seria
marcado, enfim, pelo reencontro com o meu primeiro Caminho a Santiago de
Compostela.
Ao deixar
Monreal uma placa sinaliza a extensão de 30,4 quilômetros até Puente la Reina.
Um caminho que resgata o antigo traçado jacobeo e passa por Yárnoz, Otano,
Ezperun, Guerendiáin, Tiebas, Campanas, Muruarte de Reta, Olcoz, Enériz, Santa
Maria de Eunate e Obanos – pueblo que também recepciona os peregrinos que
chegam pelo Caminho Francês e que, na verdade, é onde os dois importantes
Caminhos de Santiago, os dois Caminhos que atravessam os Pirineus, o Francês e
o Aragonês, se encontram... Hoje, esse marketing é aproveitado por Puente la Reina.
Não muito
distante outra placa indica o Cruzeiro de San Bras, a 120 metros, de estilo
gótico renascentista, e alerta que faltam os braços da cruz, que talvez
sinalizasse o cruzamento do Caminho de Santiago com o Caminho de Labiano.
O primeiro
pueblo do Valle de Elorz é Yárnoz, posicionado na ladeira Norte da Serra de
Alaiz. Yárnoz é citado em documentos medievais do século XII e conserva a
Igreja da Natividade, do século XIII, que sofreu grande reforma no século XVI,
para suportar uma nova abóboda. Com retábulo barroco do século XVII, destaca a
imagem da Virgem com o filho, românica, de princípio do século XIII. Ao lado,
uma torre medieval é o único vestígio de um palácio construído no século XIV ou
XV, cuja função, além de moradia, foi vigiar e defender. A torre tem uma planta
quadrada e apresenta mudança de sillar (pedra polida), o que indica que sua
construção foi feita em etapas. A ela estiveram vinculadas personagens
importantes, como Lope de Yárnoz, escudeiro de honra do rei Carlos III, o Nobre,
de Navarra, que morreu no começo do século XV a serviço do rei da Sicília.
A passagem
por Otano se faz por uma porteira, na encosta da Serra da Alaiz. Em seguida,
está Ezperun; e 5,1 km depois, Guerendiáin, onde sou recepcionado por um
cachorro alegre e barulhento. Na saída do pueblo uma placa indica que Tiebas
está a 3,8 km e Puente la Reina, a 21,2 km. Por trilhas que sobem e descem a
encosta da Serra, avisto ao longe, à minha direita Pamplona, a capital da
Comunidade Foral de Navarra.
A entrada em
Tieblas é marcada pelas ruínas do castelo medieval, reconhecido como bem de
interesse cultural, mas que há muito tempo espera restauração. A princípio
minha ideia era fotografar as ruínas e seguir o Caminho, mas o encontro com um
morador do pueblo me deteve no local. Ele insistiu para que conhecesse a
bodega: “Vir até aqui e não conhecer a bodega, não é possível!”, disse o
simpático senhor, que me apontou o acesso para a bodega subterrânea com abóboda
de pedra.
O castelo
foi construído por Teobaldo II, de Champaña, rei de Navarra (1253-1270), em
meados do século XIII. Em estilo gótico francês, tem planta retangular, com
dois pisos organizados em torno de um pátio central, e serviu de residência a
vários monarcas navarros, como o próprio Teobaldo II, Enrique I e Carlos II.
Foi também arquivo real, sede da tesouraria, prisão da Coroa e, em algumas
ocasiões, lugar de execução.
O castelo
foi destruído em 1378 durante a guerra com Castilla e esteve abandonado até
meados do século XV, quando foi doado à nobre e poderosa família de los
Beaumont, sendo reconstruído por Juan de Beaumont. Depois passou à Casa Ducal
de Alba, em cujo poder permaneceu até o século XIX.
Ainda em
Tiebas, entro no albergue, junto à Igreja de Santa Eufêmia, românica, para
selar minha credencial. No bar, aproveito para tomar um café com leite e comer
um bocadilho, reencontrando o grupo de peregrinos espanhóis que conheci em
Arrés, o casal Fernando e Rosa, Jesus e Pedro. Eles saem primeiro e, antes que
eu retome o Caminho, entra o casal Pache e Sara, também do histórico encontro
de Arrés.
Sigo minha
peregrinação e, vendo nuvens negras no céu, penso que o tempo mudará, mas isso
não acontece. Após 3,8 km de caminhada, passo por Muruarte de Reta, e logo
chego a Olcoz, cuja marca é a torre medieval quadrada. Diz a placa que a torre
é do começo do século XVI e foi construída pela família Ozta. No século XVIII
foi ocupada pelo Marquês de Fortegollano. Hoje, não possui telhado ou qualquer
divisão interior, devido aos saques e ao incêndio provocado por Francisco Espoz
y Mina, na Guerra da Independência, quando estava ocupada por tropas polonesas
às ordens de Napoleão.
Em Obanos,
sim!
Sigo meu
Caminho Aragonês a Santiago de Compostela e apreciando, de longe, Añorbe, cruzo
com a placa que indica a Ermita Santa Maria de Eunate a 5,2 km e o pueblo
Puente la Reina a 10,1 km. Atravesso Enériz, que possui uma igreja do século
XVIII e uma praça com um curioso monólito; estou muito perto da Ermita Santa Maria
de Eunate.
Começa a
passar um filme em minha cabeça e lembro a peregrinação pelo Caminho Francês,
em 2009, quando fiz o desvio em Muruzábal, rumo ao Caminho Aragonês, indo ao
encontro de uma das construções mais emblemáticas do Caminho de Santiago. Para
saber detalhes dessa primeira vez, leia “Minha terra tem palmeiras...”, no
primeiro volume da trilogia “Pedras do Caminho”.
Enfim,
reencontro a Ermita Santa Maria de Eunate.
Eunate, em
euskera, significa 100 portas, ou pode derivar de “bem nascido”. Cercada de
mistérios, românica, do século XII, a origem da ermita não é muito clara,
podendo ter sido construída pela Soberana Ordem dos Cavaleiros do Templo de
Jerusalém, os cavaleiros templários – tal a sua semelhança com a Mesquita da
Rocha de Jerusalém –, ou pela ordem hospitaleira de San Juan de Jerusalém, ou
ainda pela Confraria de Santa Maria de Eunate..., com a finalidade de ser uma
igreja, hospital de peregrinos, igreja funerária, poço de acesso às catacumbas
romanas.
A
originalidade da ermita se deve a sua estrutura octogonal, tanto na planta como
no pórtico que a rodeia, com capitéis que destacam figuras humanas, seres
fantásticos... É coberta por uma cúpula chanfrada de oito nervos em estilo
muçulmano. Possui uma única porta de ingresso e no lado oriental uma cabeceira
semicircular, no interior, e pentagonal, no exterior.
Quando
cheguei estava fechada. Dirigi-me ao prédio vizinho, onde funciona um albergue
de peregrinos, e o hospitaleiro, após selar minha credencial, a abriu
especialmente para mim, deixando-me só no templo.
Ao sair de
Eunate, cada vez mais me lembrava da primeira peregrinação. Após 2,4 km cheguei
a Obanos e revi a placa que sinaliza o pueblo. Parei num bar para comprar água
e ao retomar a caminhada cheguei à Plaza de Los Fueros, onde está a Igreja de
São João Batista de Obanos, que neste ano comemora seu centenário... Olhando
cada ponto da praça percebi, do outro lado de onde estava, a chegada de
peregrinos... um, em seguida um casal, mais dois... realmente, a famosa solidão
do Caminho Aragonês ficara para trás; havia me reencontrado com o Caminho
Francês e assistia ao fabuloso movimento de peregrinos pela tradicional via.
A partir
dali, com absoluta certeza, os dois Caminhos se tornavam um..., apesar de que,
só após 3 km, já em Puente la Reina, em frente ao Albergue Jakue, antes de
chegar ao pueblo, a estátua em homenagem ao peregrino, exibe a seguinte
inscrição: “Y desde aqui todos los Caminos a Santiago se hacen uno solo”.
Puente la
Reina é um pueblo atraente e exibe um dos ícones do Caminho de Santiago, a
ponte românica sobre o Rio Arga, com sete arcos, 110 metros, construída no
século XI para facilitar a passagem dos peregrinos que vinham da França e
outros países da Europa. Seu nome presta homenagem a uma rainha que teria tido
a iniciativa de construir a ponte: Muniadona Sánchez, esposa de Sancho III, o
Mayor, ou a nora Estefanía de Foix, casada com García Sánchez III.
Outras joias
arquitetônicas de Puente la Reina merecem ser visitadas, como a Igreja de
Santiago, do final do século XII; a Igreja do Crucifixo, românica do século
XII, ao lado do atual albergue e do antigo hospital de peregrinos, hoje Colégio
dos Padres Reparadores; e o Convento dos Trinitários, do século XIII, ampliado
no XVI e reformado no XVIII, localizado em frente à Igreja de Santiago. E ao
longo da Calle Mayor existem inúmeras casas com portas medievais e
renascentistas e fachadas barrocas. Uma coleção de casas em formato de palácio
que fazem da Calle Mayor um cenário magnífico.
Na manhã do
dia seguinte, peguei o ônibus até Pamplona e, em seguida, fui de trem para
Santiago de Compostela.
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