sexta-feira, 3 de junho de 2022

Sonhando com o Santo Graal

Monastério Real de San Juan de la Peña

Texto abaixo foi escrito há 10 anos...

Melhor lugar, após um dia exaustivo de peregrinação, não seria possível. Afinal, depois de dormir a primeira noite num albergue particular em Villanúa, hoje aproveito a hospitalidade da Hospederia do Monastério de San Juan de la Peña, em Jaca, nos Pirineus Aragoneses, muito próximo a Santa Cruz de la Serós.

Para quem não sabe, ou não lembra mais, a lenda espanhola sobre o Santo Graal – a expressão medieval que designa o cálice usado por Jesus Cristo na Última Ceia, e no qual José de Arimateia colheu o sangue de Jesus durante a crucificação – conta que a relíquia esteve abrigada no hoje denominado Real Monastério de San Juan de la Peña, que se diferencia de outra construção do complexo, chamada Nuevo Monastério, um prédio magnífico, que também abriga o hotel, e que foi concebido a partir do incêndio de 1675.

A questão é que cheguei ao Monastério após uma terrível peregrinação. Adotando o guia Rother, caminhei os 14,1 quilômetros da etapa Villanúa a Jaca, e sai do que se convencionou chamar Caminho Aragonês, para, na altura de uma fábrica de pré-fabricados (no trecho entre Jaca a Arrés), virar à esquerda na direção de Atarés – um trecho que representou uma esticada de mais uns 12 quilômetros.

Aliás, ainda não entendi como um Monastério tão importante na história do Caminho de Santiago de Compostela não está integrado a uma de suas rotas, no caso o Caminho Aragonês. Aliás, o mesmo me diz o gerente do hotel David, o que, convenhamos, movimentaria ainda mais o turismo.

Em todo caso, o trecho quando se sai do Caminho até Atarés é difícil. Uma subida forte até 1.030 metros, muito forte, quase impossível... para se chegar a um pueblo de pouquíssimas famílias e nenhum comércio. Matei a sede na bica pública e, após conversar com quase todos os moradores..., aproveitei para completar minha garrafinha, algo mística..., com a mais pura água. Afinal, de Atarés até o Monastério são mais uns 15 quilômetros – e muito parecido com o trecho anterior: subida forte (agora até 1.150 metros), muito forte, quase impossível... Ou seja, no total, a peregrinação nesta segunda etapa do Caminho Aragonês foi de cerca de 41,1 quilômetros – quase uma maratona. Seria até pouco, se não se levasse em conta as botas, que pesam uns dois quilos, e os 10 quilos da mochila nas costas.

Sinto dizer, e até surpreender os amigos que me acompanham, mas quase desmaiei de exaustão, cãibras, dores nas pernas; e se tamanha desgraça acontecesse, com certeza não estaria aqui para contar, pois esta rota é muito pouco utilizada (hoje, por exemplo, só esteve por lá o Melchior, da Associação dos Amigos de Peregrinos de Jaca, que foi a trabalho, repintar as setas amarelas de sinalização, aliás, minha sorte, pois é muito fácil se perder...) e, além do mais, como repetiram os serviços de meteorologia, finalmente o tempo mudou por volta das 20 horas, ainda claro, com trovões, raios e chuva...

Com a alegria de respirar, agora vou dormir (ainda com o fuso não adaptado...), preparado para sonhar com o Santo Graal...

Afinal, diz a lenda que ele teria permanecido no Monastério de San Juan de la Penã, de 1071 até 1399, após passar por diversas localidades, como a cova de Yebra de Basa, San Pedro de Siresa, Igreja de San Adrián de Sásabe, San Pedro de la Sede Real de Bailo, Catedral de Jaca...

Teria se fixado neste Monastério com o objetivo de atrair os peregrinos que faziam o Caminho Aragonês a Santiago de Compostela, e passavam próximo, no trecho entre Jaca a Arrés. Se estiver correta esta perspectiva, assim se reforça a tradição quanto a escolha de Francisco ao optar pelo Caminho Aragonês em sua peregrinação, em 1214, de Assis a Santiago de Compostela - já que são contundentes os registros de sua passagem por Undués de Lerda e Sangüesa la Vieja...

Em 1399, o Rei Martim I levou o cálice sagrado ao Palácio da Aljafería, em Zaragoza, onde esteve mais de 20 anos, depois de uma breve passagem por Barcelona, e posteriormente foi levado à Catedral de Valência, onde permanece até hoje – tendo recentemente reforçada sua autenticidade...

Pesquisando sobre o Santo Graal, apurei outras referências. Ele aparece num poema que conta a busca do Rei Arthur e seus cavaleiros por um recipiente mágico, um caldeirão, que poderia dar novo sabor a alimentos, vida e vigor as pessoas. A questão é que, quando esta lenda aparece durante a Idade Média, ela passa por um processo de cristianização, e, nesse contexto, é citado como um caldeirão mágico que traria novamente vida e prosperidade, pondo fim a período de miséria. Ele é citado nas Lendas Arturianas como objetivo dos Cavaleiros da Távola Redonda, sendo considerado o único objeto com capacidade para devolver a paz ao Reino de Arthur.

Outra interpretação afirma que ele designa a descendência de Jesus, ligada à Dinastia Merovíngia. Nesta versão, o Santo Graal significaria Sangreal, ou seja, Sangue Real.

Há ainda quem defenda que é a representação do corpo de Maria Madalena, a seguidora de Jesus – ponto de vista popularizado no best seller “O Código da Vinci”, de Dan Brown.

Exaustão na subida a San Juan de la Peña

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