Texto abaixo foi escrito há 10 anos...
Melhor
lugar, após um dia exaustivo de peregrinação, não seria possível. Afinal,
depois de dormir a primeira noite num albergue particular em Villanúa, hoje
aproveito a hospitalidade da Hospederia do Monastério de San Juan de la Peña,
em Jaca, nos Pirineus Aragoneses, muito próximo a Santa Cruz de la Serós.
Para quem
não sabe, ou não lembra mais, a lenda espanhola sobre o Santo Graal – a
expressão medieval que designa o cálice usado por Jesus Cristo na Última Ceia,
e no qual José de Arimateia colheu o sangue de Jesus durante a crucificação –
conta que a relíquia esteve abrigada no hoje denominado Real Monastério de San
Juan de la Peña, que se diferencia de outra construção do complexo, chamada
Nuevo Monastério, um prédio magnífico, que também abriga o hotel, e que foi
concebido a partir do incêndio de 1675.
A questão é
que cheguei ao Monastério após uma terrível peregrinação. Adotando o guia
Rother, caminhei os 14,1 quilômetros da etapa Villanúa a Jaca, e sai do que se
convencionou chamar Caminho Aragonês, para, na altura de uma fábrica de
pré-fabricados (no trecho entre Jaca a Arrés), virar à esquerda na direção de
Atarés – um trecho que representou uma esticada de mais uns 12 quilômetros.
Aliás, ainda
não entendi como um Monastério tão importante na história do Caminho de
Santiago de Compostela não está integrado a uma de suas rotas, no caso o
Caminho Aragonês. Aliás, o mesmo me diz o gerente do hotel David, o que,
convenhamos, movimentaria ainda mais o turismo.
Em todo
caso, o trecho quando se sai do Caminho até Atarés é difícil. Uma subida forte
até 1.030 metros, muito forte, quase impossível... para se chegar a um pueblo
de pouquíssimas famílias e nenhum comércio. Matei a sede na bica pública e,
após conversar com quase todos os moradores..., aproveitei para completar minha
garrafinha, algo mística..., com a mais pura água. Afinal, de Atarés até o
Monastério são mais uns 15 quilômetros – e muito parecido com o trecho
anterior: subida forte (agora até 1.150 metros), muito forte, quase
impossível... Ou seja, no total, a peregrinação nesta segunda etapa do Caminho
Aragonês foi de cerca de 41,1 quilômetros – quase uma maratona. Seria até
pouco, se não se levasse em conta as botas, que pesam uns dois quilos, e os 10
quilos da mochila nas costas.
Sinto dizer,
e até surpreender os amigos que me acompanham, mas quase desmaiei de exaustão,
cãibras, dores nas pernas; e se tamanha desgraça acontecesse, com certeza não
estaria aqui para contar, pois esta rota é muito pouco utilizada (hoje, por
exemplo, só esteve por lá o Melchior, da Associação dos Amigos de Peregrinos de
Jaca, que foi a trabalho, repintar as setas amarelas de sinalização, aliás,
minha sorte, pois é muito fácil se perder...) e, além do mais, como repetiram
os serviços de meteorologia, finalmente o tempo mudou por volta das 20 horas,
ainda claro, com trovões, raios e chuva...
Com a
alegria de respirar, agora vou dormir (ainda com o fuso não adaptado...),
preparado para sonhar com o Santo Graal...
Afinal, diz
a lenda que ele teria permanecido no Monastério de San Juan de la Penã, de 1071
até 1399, após passar por diversas localidades, como a cova de Yebra de Basa,
San Pedro de Siresa, Igreja de San Adrián de Sásabe, San Pedro de la Sede Real
de Bailo, Catedral de Jaca...
Teria se
fixado neste Monastério com o objetivo de atrair os peregrinos que faziam o
Caminho Aragonês a Santiago de Compostela, e passavam próximo, no trecho entre
Jaca a Arrés. Se estiver correta esta perspectiva, assim se reforça a tradição
quanto a escolha de Francisco ao optar pelo Caminho Aragonês em sua
peregrinação, em 1214, de Assis a Santiago de Compostela - já que são
contundentes os registros de sua passagem por Undués de Lerda e Sangüesa la
Vieja...
Em 1399, o
Rei Martim I levou o cálice sagrado ao Palácio da Aljafería, em Zaragoza, onde
esteve mais de 20 anos, depois de uma breve passagem por Barcelona, e
posteriormente foi levado à Catedral de Valência, onde permanece até hoje –
tendo recentemente reforçada sua autenticidade...
Pesquisando
sobre o Santo Graal, apurei outras referências. Ele aparece num poema que conta
a busca do Rei Arthur e seus cavaleiros por um recipiente mágico, um caldeirão,
que poderia dar novo sabor a alimentos, vida e vigor as pessoas. A questão é
que, quando esta lenda aparece durante a Idade Média, ela passa por um processo
de cristianização, e, nesse contexto, é citado como um caldeirão mágico que
traria novamente vida e prosperidade, pondo fim a período de miséria. Ele é
citado nas Lendas Arturianas como objetivo dos Cavaleiros da Távola Redonda,
sendo considerado o único objeto com capacidade para devolver a paz ao Reino de
Arthur.
Outra
interpretação afirma que ele designa a descendência de Jesus, ligada à Dinastia
Merovíngia. Nesta versão, o Santo Graal significaria Sangreal, ou seja, Sangue
Real.
Há ainda
quem defenda que é a representação do corpo de Maria Madalena, a seguidora de
Jesus – ponto de vista popularizado no best seller “O Código da Vinci”, de Dan
Brown.
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