Texto abaixo foi escrito há 10 anos...
6ª etapa –
Sangüesa a Monreal (27 km)
Quinta-feira
– 07/06/2012
Vinte e sete
quilômetros, segundo o guia El País/Aguilar, ou 30 quilômetros, para o guia
Rother, pouco me importou a extensão desta sexta etapa do meu Caminho Aragonês
a Santiago de Compostela, entre Sangüesa e Monreal. Apesar da distância
considerável, que exigiu cerca de sete horas de peregrinação, as
características desta etapa – com belas paisagens, pueblos pequenos,
aparentemente perdidos no tempo, e a extrema solidão... em sintonia com tudo o
que se espera do Caminho de Santiago – as tornaram leve, doce, um autêntico
passeio nas nuvens... Diria que fui levado pelo vento, o mesmo vento que
impulsiona as hélices dos muitos parques eólicos que predominam nessa região da
Comunidade Foral de Navarra.
Peregrinando
a penúltima etapa de meu Caminho Aragonês, de Sangüesa a Monreal, embora com
uma vontade impossível de continuar o Caminho, já sabia que deveria me
contentar em finalizar a peregrinação deste ano em Puente la Reina, o que
representava apenas mais um dia de caminhada, quando o Caminho Aragonês se
integra ao Caminho Francês. Diante desse impasse comigo – aliás, um pensamento
que me perseguiu durante todo o dia –, fiquei na dúvida em manifestar qualquer
tipo de comemoração. Mas, claro, chegar são e salvo a Monreal foi motivo de
festa!
Acordei
cedo, talvez com o alarme do celular, ou quem sabe com as vozes em frente ao
hostal onde descansei em Sangüesa. Abri a janela e vi apenas o peregrino Jesus,
que estava no grupo com o casal Fernando e Rosa e Pedro, que conheci em
Arrés..., atravessando a ponte sobre o Rio Aragão, em direção ao centro do
pueblo, no sentido inverso ao caminho para Monreal... Ao final do dia viria a
saber que, com dores no joelho, Jesus não teve condições de fazer esta etapa a
pé... E na noite anterior, Xavi já havia abandonado a peregrinação.
Comparando
os episódios a dois raios no mesmo lugar, redobrei minha cautela e me preparei
para mais esta etapa como se fosse a primeira. Ou a última... Ainda no quarto,
tomei o café da manhã com frutas, chá energético e o bocadilho que havia
comprado no dia anterior. Disposto e confiante, iniciei o Caminho em direção a
Rocaforte, ou Sangüesa la Vieja... onde Francisco, ao peregrinar a Santiago de
Compostela, em 1214, fundou o primeiro convento franciscano da Espanha. Ele
teria entrado na Espanha pelo Caminho Aragonês e, segundo a tradição, dormiu em
Undués de Lerda e de lá seguiu até Sangüesa. Em 2014, quando se completam 800
anos da peregrinação de Francisco, é grande a expectativa no Caminho de
Santiago.
A partir de
Rocaforte já é possível avistar as hélices de um grande parque eólico da
região, que produz a energia limpa através do vento – uma imagem que me
acompanhará em vários outros pontos dessa etapa. Perto, uma placa sinaliza a
fonte de São Francisco, que data do século XVIII, hoje área de lazer, equipada
com churrasqueiras.
O Caminho
começa a subir ao Alto de Aibar, entre campos de cereais, e segue num constante
sobe e desce pelo Vale de Ibargoiti, que ocupa uma zona de transição entre as
montanhas pirenáicas e a Navarra meridional, com vários bosques e pequenos
pueblos, como Abínzano, Celigüeta, Equísoain, Idocin, Izco, Lecáun, Salinas,
Sengáriz e Vesolla, formado por “gente acolhedora, acostumada pela passagem de
viajantes e peregrinos”, como anuncia uma placa turística.
Pouco mais
de 16 quilômetros desde Rocaforte e encontro Izco, com sua população de 50
habitantes..., e logo em seguida, Abínzano, com 20 habitantes..., que exibe uma
igreja dedicada a São Pedro Apóstolo, de estilo barroco. Assim como os demais
pequenos pueblos do Vale de Ibargoiti, Abínzano tem sua economia baseada na
agricultura do trigo, da cevada, entre outros cereais.
Continuo a
peregrinação deslumbrado com a paisagem... e após cerca de cinco quilômetros
avisto a torre da Igreja de São Miguel, românica, do pueblo de Salinas de
Ibargoiti, em cuja entrada existe uma bela ponte medieval – que, aliás, cheguei
a pensar que estaria chegando a Monreal. Uma confusão que deixei registrada num
vídeo que resume esta etapa, e que pode ser visto no Youtube, em www.youtube.com/watch?v=I0g5C1MtwyY
Dois
quilômetros depois, após um pequeno bosque, aí sim, encontro a placa que indica
Monreal – ou Elo, em euskera, o idioma basco –, e próximo à famosa ponte
medieval.
Monreal está
localizado a 18 km de Pamplona, a capital da Comunidade Foral de Navarra, e
possui cerca de 500 habitantes. Documentos medievais do século XII já citam o
pueblo de Monreal, ora como Mone Real, ou Mont Real, Monte Real, Monte Realle,
Monte Regale, ou ainda Montis Reyalis; nome que teria sido dado pelo rei de
Navarra, Garcia Ramirez, o Restaurador.
Entre outros
registros históricos, sabe-se que abrigou importante colônia de judeus e teve o
direito, por um tempo, de cunhar moeda própria. Teve um castelo que serviu de
residência de caça dos reis de Navarra, cuja derrubada foi decidida pelos
monarcas em 1521.
Hoje, seu
monumento mais precioso é a Igreja da Natividade de Nossa Senhora de Monreal,
dos séculos XVI a XVIII, que possui uma arquitetura diferenciada, conforme
destaca folheto do Arcebispado de Pamplona e Tudela. O templo é marcado por uma
parte mais antiga, gótica, e outra moderna, fruto de sua ampliação. As
esculturas mais significativas são as de Jesus Crucificado, da primeira metade
do século XVII, e o grupo renascentista de Santa Ana, localizado no altar de
São Francisco Xavier... Vale a pena fazer uma visita guiada e conhecer o museu
da Igreja.
Em Monreal
não fiquei no albergue de peregrinos. Cheguei a me inscrever, selar minha
credencial, pagar, tomar banho, arrumar a cama... aliás, pela primeira vez no
Caminho Aragonês usaria o saco de dormir sobre o colchão... mas, aproveitando
que a conexão wifi estava falha, tive motivo para juntar tudo de novo e mudar
meu plano de permanecer no albergue. Instalei-me na Casa Rural, a menos de 50 metros
de distância, em frente à praça. Fui recepcionado por um atencioso
proprietário/hospitaleiro que, junto com a senha de acesso rápido à internet,
contou histórias hilárias sobre peregrinos brasileiros, indicou-me o guia da
igreja, o restaurante..., e colaborou para que minha passagem por Monreal fosse
perfeita. Afinal, no dia seguinte estava determinado a fazer a última etapa do
meu Caminho Aragonês.
Nenhum comentário:
Postar um comentário