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4ª etapa –
Arrés a Ruesta (28,7 km)
Terça-feira
– 05/06/2012
Por Caminhos
de Santiago, até 2012, peregrinei cerca de 1.250 quilômetros, em três
situações: pelo Francês, desde Saint Jean Pied de Port; pelo Português, a
partir de Oporto; e pelo Aragonês, de Somport a Puente la Reina. Mas, embora
tenha frequentado perto de 40 albergues, ao deixar o de Arrés, na manhã de 5 de
junho, tive a emoção de, pela segunda vez, o hospitaleiro se despedir de mim...
A primeira vez foi ao deixar o albergue em Santo Antonio de la Calzada, quando
Jesus, o hospitaleiro, me acompanhou até a porta e desejou “buen camino”. Desta
vez, o momento mágico foi proporcionado pela hospitaleira Piedad. Com certeza,
seus votos foram importantes para aumentar minha determinação no quarto dia de
peregrinação pelo Caminho Aragonês, de Arrés a Ruesta, um percurso com mais de
31 quilômetros de distância.
O trecho de
Arrés a Ruesta é um convite à reflexão. O silêncio pela ausência de árvores...,
ou melhor, de pássaros, acompanha o peregrino a partir da descida do Monte
Samitier em direção ao vale do Rio Aragão, atravessando ora campos de cereais,
ora terras áridas..., o céu azul; passando ao largo de alguns pueblos, como
Martes (Província de Huesca) e Mianos (já na Província de Zaragoza), até a
entrada em Artieda. Fiz alguns vídeos, que confirmam o clima e o som, apenas,
dos meus passos. Foi uma excelente oportunidade de, mais uma vez, promover o reencontro
comigo – o deserto de Marcos, compartilhado por Santiago...; pensar na minha
querida família; nos estimados amigos; agradecer, agradecer... e ainda
impactado pela atenção da hospitaleira Piedad.
Já havia
sido alertado pelos guias Rother e El País/Aguilar que seria uma etapa sem
muitas opções (El País/Aguilar a intitula como “maratón de desamparo”), com
praticamente apenas uma parada, Artieda, após cerca de 21,5 quilômetros sem
sombras, ou apenas a sua. E foi lá que cheguei, após 4 horas e meia de caminhada,
a 655 metros de altitude. O pueblo tem área de 14 km2 e população de pouco mais
de 50 habitantes.
Pelo que
informa uma placa antes da subida, Artieda concentrou, em sua extensão, um
conjunto impressionante de assentamentos romanos. “En tan sólo 4 km de ribera
se conocen varios yacimientos de interés, entre los que destaca La Cantera de
Gimeno, que ofreció magníficos mosaicos trasladados a Zaragoza”. O marco
oficial explica que o disperso assentamento romano foi reduzido aos núcleos
medievais de Rienda, Artieda e Viasués, restando apenas Artieda, com clara
vocação de defesa, em virtude de sua localização junto à fronteira entre as
Províncias de Aragão e Navarra.
Sua ligação
com o Caminho de Santiago é enfatizada pela tradição assistencial: “Se cita en
1124 un refugio (albergaria) em Viasués, en medio del camino (in media via); y
en Artieda, el famoso Hospital de Santa Cristina de Somport, mantuvo un
hospício con dos sacerdotes y cinco donados donde se atendia a pobre e
peregrinos”.
Uma joia de
Artieda é a Igreja de San Martín, cujo templo original foi construído no final
do século XII e consistia em uma nave fechada com ábside de forma semicircular.
Mais tarde, entre o XVI e XVI, foram adicionados vários edifícios, a sacristia,
a capela de Nossa Senhora do Rosário, o pórtico que abriga a porta clássica e a
torre quadrada de pedra, com uma escada em espiral anexa.
Quando
passei por Artieda a igreja estava fechada. Mas, pelos relatos, estão na capela
de Nossa Senhora do Rosário as duas obras mais valiosas do templo, o altar e a
imagem de Cristo, cuja qualidade artística revela a influência das oficinas de
escultura da vizinha cidade de Sangüesa, já em Navarra.
Uma
preocupação latente do pueblo é com o projeto de ampliação da represa de Yesa,
aos seus pés, que nos anos 1960 já inundou uma extensão 2.400 hectares, sendo
mais da metade de terras agrícolas, a partir do estrangulamento das águas do
Rio Aragão. Em meio ao rico patrimônio submerso, as termas romanas de Tiermas e
o traçado original do Caminho de Santiago, entre Ruesta e Tiermas, e deste
pueblo até o Monastério de Leyre. A transformação ambiental provocou a
transferência de muitas famílias e continua perturbando o sono das autoridades
locais. Irritados, os ambientalistas criaram o movimento “Yesa no!”; uma
bandeira, aliás, que é encampada por peregrinos de todo o mundo, já que, se a
capacidade da represa for mesmo triplicada, como se pretende, desaparecerá o
trecho do Caminho de Santiago entre Artieda e Ruesta!
A parada em
Artieda foi providencial. Tirei as botas e meias e, junto com a mochila, deixei
tudo no sol para secar o suor..., coloquei os chinelos e fui comer um bocadilho
de jamón com queijo no bar do albergue de peregrinos, acompanhado por três,
sim, três Aquarius em lata. Revigorado, desci o morro de Artieda e me
reencontrei, na estrada, com o espanhol Xavi, um dos 13 peregrinos que estavam
em Arrés.
Paramos para
fotos e depois seguimos um trecho juntos; falamos sobre vários assuntos, entre
os quais, seu triste relato sobre como as bolhas nos pés ameaçavam sua
peregrinação – que, aliás, viria a ser suspensa no final do dia seguinte, logo
após ser atendido no posto médico em Sangüesa.
De Artieda a
Ruesta foram mais 10 quilômetros, em meio a plantações, um pequeno bosque
refrescante, com árvores magras, seguindo por um caminho que acompanha o temido
reservatório de Yesa. Antes mesmo de chegar a Ruesta é possível avistar as
torres e ruínas do castelo medieval, de origem árabe, do final do século X, e
da Igreja de Santa Maria, do século XVI. Os edifícios são ícones do pueblo,
cuja grande parte do território está submersa pelas águas de Yesa, cuja
construção exigiu a desapropriação de campos e casas.
Muitos dos
moradores foram embora para sempre ou aceitaram se mudar para núcleos de
repovoamento, em zonas irrigadas do Canal de Bardenas, como Bardena, Santa
Anastásia e Pinsoro. Conforme apurado, Ruesta ocupa hoje áreas dos pueblos de
Sigüés e Urriés, região de Jacetania, distrito judicial de Ejea de los
Caballeros.
Nessa
movimentação provocada por Yesa, a Confederação Geral do Trabalho de Aragão, em
parceria com o Colégio Oficial de Arquitetos de Aragão, fez um trabalho de
recuperação de vários edifícios, como a casa Valentín e a casa Alifonso, onde
hoje funcionam o albergue de peregrinos, a casa de cultura, biblioteca e o
camping.
Duas joias
de Ruesta, o Castelo e a Igreja de Santa Maria, junto ao albergue, sobrevivem
em meio às ruínas. Registros históricos revelam que Ruesta foi fortificada por
Sancho III o Grande, de Navarra, em 915, e até 1055 se constituiu em enclave
navarro em Aragão. Em 1050 passou definitivamente ao poder de Aragão e, em
1055, assumiu Sancho Garcés, como primeiro senhor de Ruesta, sob o domínio de
Ramiro I. Depois, até 1058, Sancho Galíndez. No tempo de Ramiro II o Monge,
desde 1133, Ruesta esteve nas mãos de Cecodín de Navasa; e Frontín, até 1136.
Reinando James II, assumiu Dom Pedro de Ayerbe. Situada no outro extremo do
castelo, a Igreja de Santa María de Ruesta deve ter sido fundada nos séculos X
e XI, mas foi completamente reconstruída no século XVI. Na Idade Média, Ruesta
abrigou a comunidade judia mais antiga de Aragão.
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