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3ª etapa –
San Juan de la Peña a Arrés (21,6 km)
Segunda-feira
– 04/06/2012
Se o
complexo histórico-artístico de San Juan de la Peña pode ser considerado a
maior expressão religiosa do Caminho Aragonês, a percepção que viria a ter em
Arrés, na segunda-feira 4 de junho (cujas reflexões detalhei num texto páginas
atrás, sob o título “Em Arrés, éramos 15”), pode ser classificada como uma
magnífica experiência de minha própria existência. Mais: uma inesquecível lição
de solidariedade, amizade, respeito, entre outras virtudes que fazem do Caminho
a Santiago de Compostela uma das três mais importantes rotas de peregrinação do
planeta, ao lado de Jerusalém e Roma.
Retomei o
Caminho Aragonês, iniciado no dia 1º de junho em Somport, após tê-lo suspenso
por um dia no Monastério de San Juan de la Peña, onde descansei depois de uma
dura segunda etapa, a partir de Villanúa – conforme relatei anteriormente. Já
recuperado, este terceiro dia de peregrinação viria a ser encerrado em Arrés.
Afinal, se o
peregrino decidiu não incluir em seu Caminho Aragonês o desvio até o Monastério
de San Juan de la Peña – especialmente via Atarés, como fiz (pelos ensinamentos
que tal esforço pode proporcionar...) –, muito provavelmente deixará de ver o
rico patrimônio existente em Santa Cruz de la Serós, pois este pueblo fica
exatamente entre o Monastério e a retomada do Caminho tradicional – através da
pradaria de São Indalécio, passando por Binacua e chegando a Santa Cília de
Jaca. Acredito que, tendo o conhecimento sobre aspectos desse trecho e, claro,
a partir do seu interesse pelo Caminho, é possível adequar a sua rota. É aquilo
que se costuma chamar de rota tangencial, já detalhada.
Está no
simpático pueblo de Santa Cruz de la Serós o que é considerado o hito, ou
sinal, nº 3, do programa Hitos del Camino de Santiago (num total de 25) – o
hito nº 1 é o Monastério Hospital de Santa Cristina de Somport e o nº 2, a
Catedral de San Pedro de Jaca, já citados. Trata-se da Igreja do Monastério de
Santa Maria de Santa Cruz de la Serós, do século XI, classificada como
monumento histórico-artístico. Outra joia local é a Igreja de São Caprásio,
igualmente do século XI.
Os sites www.romanicoaragones.com e www.santacruzdelaseros.org registram que por volta de
1059-1061 o rei Ramiro I fundou o Monastério de Santa Maria de la Serós. Dependente
do Monastério de San Juan de la Peña, ele foi ocupado exclusivamente por
freiras beneditinas, até ser abandonado no século XVII. Durante seu apogeu, nos
séculos XI e XII, abrigou as mulheres da nobreza aragonesa, com destaque para
as três filhas do rei Ramiro I, Aresa, Urraca e Sancha. Do complexo, hoje
restou a igreja, construída entre os séculos XI e XII, considerada exemplo da
arquitetura românica do Alto Aragão. O projeto é inspirado na Catedral de Jaca
e suas dimensões projetam seu duplo papel, além do religioso, também defensivo,
como se deduz de sua grande torre do campanário.
Informam os
sites: “A igreja é construída em alvenaria, o exterior é notável pela sua
sobriedade, sendo determinado pelo volume dos corpos da ábside, a câmara e a
torre. A entrada principal consiste em duas arquivoltas apoiadas sobre dois
pares de colunas com capitéis de folhas e bolas, coberto com uma guarnição de
xadrez sobre o arco exterior. O tímpano, datado de 1095, apresenta um crismón,
ladeado por dois animais fantásticos e uma inscrição. O conjunto é protegido
por mísulas de pedra, decoradas com folhas e cabeças de animais. Outra porta
mais simples, também com crismón no tímpano, se comunicava com os edifícios
monásticos. A torre é constituída por três corpos, terminando em um volume
octogonal que cobre o interior com cúpula hemisférica. Janelas dobradas e
geminadas abrem em três seções e quatro frentes bastante elevadas”.
Fiz fotos em
seu interior, capelas, colunas, retábulos, imagens da Virgem, e são muitos os
detalhes preservados e recuperados. O rico trabalho de escultura, em especial
na entrada e nos capitéis da nave, câmera e janelas, revelaria o trabalho de
vários artesãos, um deles mais hábil, cujos traços seriam do mesmo autor do
sarcófago de Dona Sancha, que hoje está no Real Monastério das Beneditinas de
Jaca... Vale a pena ler sobre mais detalhes nos sites citados.
A Igreja de
São Caprásio estava fechada e, apesar de pesquisar, não encontrei mais detalhes
sobre sua inegável importância no Caminho Aragonês – apenas que sua construção,
em estilo lombardo, data do princípio do século XI.
A retomada
ao Caminho Aragonês prossegue em sinuosas trilhas pela pradaria de São
Indalécio, o discípulo de Santiago, e chega a Binacua, a 761 metros de
altitude. O pueblo está integrado ao que se chama de Rota Monumental do Canal
de Berdún, possível de avistar de vários pontos, em especial junto à Igreja
Paroquial de Los Santos Ángeles Custodios, construída em estilo românico no
final do século XII, e que funcionou dependente ao Monastério de Santa Cruz de
la Serós.
Infelizmente,
estava fechada, mas uma placa explica que consta de nave única e abóboda,
combinando as tradições jaquesa e lombarda: “La portada es el elemento más
valioso y destacado. Muestra cuatro arquivoltas decoradas de forma diferente.
Los capiteles están esculpidos com animales fantásticos y columnas. Em el
tímpano se inscriben três círculos tangentes: en el central hay um crismón y em
los laterales um grifo y un cervatillo. El crismón de seis rádios nos mustra,
em símbolos superpuestos, la cruz, el anagrama griego de Jesuscristo y su
representación del alfa y omega como principio y fin. En las enjutas que
conforman podemos observar um par de rostros barbados”.
Uma pena não
ter fotos!!!
Continuei
descendo e cheguei a Santa Cília de Jaca, um pueblo que deve sua existência ao
Caminho Aragonês, e possui um albergue bem equipado. Não tive a oportunidade de
conhecer o hospitaleiro, mas foi possível perceber sua hospitalidade. A porta
do albergue estava aberta, bati e, como ninguém atendeu, entrei e passei a
circular pelas dependências. Ouvi barulhos no piso superior e, enquanto
utilizava a máquina de água e refrigerantes, desceu um jovem peregrino francês,
que chegara de Canfranc e iria permanecer no local. Ele não iria a Arrés...
Reencontrá-lo-ia no final do dia seguinte em Ruesta. Após me abastecer e
conferir os curativos nos pés, e como ainda era cedo para parar, segui para
Puente la Reina de Jaca, distante 6,2 quilômetros.
Precisava
comprar protetores para os pés e uma farmácia só mesmo em Puente la Reina... O
trecho é muito bonito e marca o reencontro do peregrino com o Rio Aragão. Antes
de atravessar a ponte que dá nome ao pueblo, e que também é conhecido como
Astorito, a placa informa: “Antigua escala jacobea, como señala Aymeric Picaud
en el Libro V del Codex Calixtinus, Astorito (Osturit) fue sede regia durante
la época Dora de las peregrinaciones”.
Comprei os
protetores para os pés castigados, como a expurgar o pecado, com bolhas,
programando colocá-los após o banho, e avaliei a possibilidade de ficar em
Puente la Reina. Algo me dizia, contudo, que deveria continuar caminhando; e os
guias El País/Aguilar e Rother indicavam que o próximo pueblo, Arrés, estava a
3,4 quilômetros... uma subida, até 520 metros. Ou seja, havia acabado de descer
e iria subir outra vez.
Mas valeu
cada centímetro e cada segundo caminhado. Em Arrés, depois de tudo o que havia
passado para chegar a San Juan de la Peña (os vídeos estão no Youtube e em
minha página no Facebook), tive a certeza de que o melhor ainda estava por vir.
Sim, em Arrés, éramos 15...
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