Estação ferroviária de Ferrol: nossa chegada para peregrinar o Caminho
Inglês
A
prática, já incorporada ao consciente de muitos peregrinos, está sacramentada
no Caminho de Santiago e não motiva qualquer tipo de constrangimento – é o que
testemunho nestes momentos em que me preparo de várias formas para aquilo que
entendo como uma peregrinação a pé, desta vez pelo Caminho Inglês...
Estou
em Ferrol, na Galícia, junto com minha Sandra. Será minha sexta peregrinação a
pé a Compostela e a primeira de Sandra. Agora nos recuperamos do que pode ser
chamada de a primeira fase da peregrinação, que não foi a pé, de Londres a
Ferrol. Foram cerca de 2.000 quilômetros, que atravessamos de trem e ônibus, e
em nossas passagens por Paris, Tours e Bordeaux, na França – na rota da Via
Turonensis –, e em Santander, já na Espanha – no conhecido Caminho do Norte –,
buscamos sinais e referências de Saint James, ou Saint Jacques, enfim, de Tiago
Maior, o Apóstolo de Jesus, cujas relíquias descansam na cripta da Catedral de
Compostela – e que impulsionam o fenômeno das peregrinações pela Europa.
A
cena, já corriqueira no universo pós-moderno das peregrinações, foi presenciada
enquanto tomávamos o café da manhã e o agente dos Correios entrou no salão,
cumprimentou o senhor do balcão, dirigiu-se até os fundos e retornou carregando
duas mochilas. Foi um momento muito rápido, sem tempo para o registro
fotográfico, mas que disparou lembranças de todas minhas outras peregrinações –
em especial da primeira, pelo Caminho Francês, em 2009, e uma hospitaleira me
confessou sua irritação em acolher mochilas, em vez de peregrinos com
mochilas... O episódio está relatado no livro “Pedras do Caminho, meu encontro
no Caminho de Santiago de Compostela”, que inaugurou a trilogia Pedras do
Caminho.
Minha trilha neste momento é Luar
na Lubre. Ouço "Camariñas", penso em suas nenas e é impossível não se
emocionar...
Não
sei e efetivamente não me interessam os motivos que levaram os peregrinos a
contratar os Correios para transportar a mochila de cada um. Já disse inúmeras
vezes e repito: a peregrinação, sob todos os aspectos, é uma opção íntima, e a
forma de realizá-la há de ser respeitada por quem quer que seja. Não faço e não
considero esse tipo de julgamento. Como peregrino, pelo contrário, incentivo e
tento inspirar as pessoas a peregrinarem à Compostela. Se irão de avião, de trem,
ônibus, carro, ou a pé, é problema de cada um!
Claro
que a hipótese chega a ser levantada por Sandra, em sua primeira peregrinação,
e por este peregrino sexagenário, não só pelas seis peregrinações já realizadas...,
afinal, no meu caso, livrar-se do notebook durante a caminhada poderia
significar cerca de 3 quilos de peso sobre a coluna, o quadril, enfim, impactando
sobre todas as articulações possíveis e imagináveis do corpo. Parece razoável!
Mas, será mesmo? Ainda mais quando se está a falar do Caminho Inglês, com seus
120 quilômetros?
As
dúvidas me levam a ponderar e aprofundar minhas reflexões sobre o que aprendi
ao longo dos últimos anos sobre o sentido da peregrinação em meu corpo, em meu
espírito, em minha mente.
Estou
preparado. Confio em Sandra e sei que está preparada, do contrário não estaria
aqui, mostrando alegria e ânimo em enfrentar os desafios de uma peregrinação a
pé. Reviver o universo jacobeo e iniciar minha amada neste mundo me torna o
peregrino mais feliz deste mundo.
Não,
minha mochila não chegará primeiro ao próximo albergue. Aqui, ela faz parte de
mim. É como uma extensão do mínimo, ou um pouco mais..., do que necessito. Meu
notebook vai comigo.
Passa
à frente, Santiago!
#pedrasdocaminho
De manhã bem cedo, calçando minha botina, me preparando para mais um dia de caminhada, na recepção do albergue de Burgos. Ao meu lado, em pé, um outro peregrino que eu nunca tinha visto antes e nunca mais voltei a ver. O cara era grande! Devia ter mais de 1,90 de altura, um verdadeiro “armário”. E a mochila dele era maior ainda, daquelas imensas! Olho para ele admirado e penso - Essa mochila deve pesar uns 20 kg - Minha mochila mesmo deveria ter uns 10 kg e achava ela pesada. Na mesmo hora, sem que eu tenha falado uma só palavra, o peregrino me olha e pergunta – Sabe por que andamos tão pesados, tão carregados? Sem esperar minha resposta continua – Vejo peregrinos passando por mim, pelo Caminho, leves, sem mochila, sem carga. Andando rápido, ligeiros. Eles não apreciam o Caminho, não o veem, não o sentem. O Caminho é para ser sentido, admirado, visto. O peso nos faz andar devagar, nos faz parar, sentir e admirar o Caminho. Sem o peso, só passamos pelo Caminho, não o conhecemos realmente. Naquela hora pensei – É até concordo, mas temos de andar tão carregados para apreciarmos algo? Não poderíamos ir um pouco mais leve? Levantei, coloquei minha mochila nas costas e saí para caminhar lentamente, carregado, apreciando o Caminho até chegar a Santiago de Compostela.
ResponderExcluirBuen Camino!
Olá, Eduardo. Obrigado por compartilhar seu conhecimento, que revela grande sensibilidade e, de forma especial, reforça minha convicção sobre a importância de aceitar a mochila como parte fundamental da peregrinação. Buen Camino!
ExcluirQue lindo comentário do Luiz. Sempre elegante no compartilhamento de amor à esposa Sandra. Sei que ela está dentro deste espírito aventureiro da caminhada, do espírito divino que traz os trajetos de Santiago e dentro do espírito da reflexão e busca de um interior melhor todos os dias. Como vou em maio de 2017, quem sabe Sandra anima a ir comigo? afinal serão só 800 km. A mochila é claro, terá o necessário para estar sempre junta. Meu cajado, já está sendo feito pelo também meu amado esposo, Ronei, que espero conseguir levar, embarcar e chegar lá e ele estiver esperando por mim nas esteira.. Até lá temos muito para nossa performance: corporal, financeira, psicológica e mais que tudo espiritual. Linda sua histórica Luiz, sempre digo ao meu esposo, que foi uma luz que nos guiou até vocês podendo nos conhecer pessoalmente em Santos, fomos em busca de 2 hrs de conhecimento deste caminho abençoado e tivemos praticamente 2 dias juntos repassando os conhecimentos. Só temos a agradecer. Buen Camino peregrinos.. e avante sempre Santiago.
ResponderExcluirObrigado pela consideração, Eliete. Espero revê-los em breve, no lançamento de "A Última Peregrinação"... E, desde já, muito sucesso na vossa peregrinação pelo Caminho Inglês em 2017. Buen Camino!
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