Sandra e Billy: caminho atravessa zona rural de
Alfredo Wagner e Bom Retiro
Primeiro dia
de Primavera no Hemisfério Sul, fomos contemplados neste 23 de setembro – eu,
Sandra e Billy – com um magnífico dia de sol, aqui na Lomba Alta, bairro de
Alfredo Wagner, em Santa Catarina – onde estamos desde a sexta-feira da semana
passada, no sítio do sobrinho Luciandro Netto. Localizado em posição
estratégica na serra catarinense, Alfredo Wagner (*) é terra natal de Sandra e está
no meio do itinerário entre Florianópolis e Lages, região que registrou uma
forte onda de desenvolvimento com a imigração alemã a partir da primeira metade
do século XIX.
Parafraseando
o poeta, na busca do “caminho perfeito”, há algum tempo pensávamos em retornar
à região para percorrer trilhas e itinerários que proliferam nesses tempos de
ecoturismo, sem contudo oferecer uma identidade própria. Já havíamos tido
conhecimento que muitos os utilizam de bicicleta, motocross, cavalo, ou mesmo a
pé, aos finais de semana, mas nada que se assemelhe a uma travessia que possa
ser feita de forma constante, diária, a qualquer época do ano, dotada de
infraestrutura – aos moldes das tradicionais rotas de peregrinação, como o
Caminho de Santiago.
Quem conhece
o Caminho de Santiago sabe do que estou falando.
Evidente que
está fora de cogitação qualquer comparação com o tradicional caminho cristão
que leva milhares de peregrinos, anualmente, ao túmulo do apóstolo de Jesus,
Tiago Maior, cujas relíquias descansam na cripta da catedral de Santiago de Compostela,
na Espanha – e que é a terceira maior rota de peregrinação cristã do planeta,
só superada por Jerusalém e Roma. Afinal, não há, em Lages, por exemplo,
nenhuma relíquia, tradição ou mística capaz de atrair o interesse de caminhantes
brasileiros e mesmo de outros países ao desafio de percorrer esses 250
quilômetros desde Florianópolis.
O que a rota
oferece – e não é pouco – é a possibilidade de viajar por paisagens fantásticas
e conhecer a força de um povo, o alemão, do qual milhares de cidadãos se viram
obrigados a trocar seu país por outro, dispostos a uma travessia marítima em
veleiros, por meses, alimentando o sonho de encontrar a terra prometida. Ou
seja, o mote para se caminhar uma sequência de 10 a 15 dias entre Florianópolis
e Lages não seria, de forma primordial, religioso – como, aliás, o Caminho de
Santiago também apenas não o é, pois envolve superar limites, seja físico,
mental, espiritual, além da busca de autoconhecimento, tudo combinado com o
contato direto com a natureza, gastronomia, patrimônio artístico e
arquitetônico, enfim, cultura.
Mas, espera lá!
Evidente, que amparando o sonho dos imigrantes também esteve envolvida muita
fé, além de missões internacionais de várias religiões, num ecumenismo que
colocou lado a lado católicos e protestantes, franciscanos e luteranos,
beneditinos e adventistas...
Neste rico contexto,
escolhemos o primeiro dia da Primavera, ensolarado porém frio, para caminharmos
pela que poderá vir a ser uma das etapas da travessia; um percurso de 14,5
quilômetros, entre Lomba Alta, com altitude acima de 1.000 metros, e o
município de Bom Retiro, a 890 metros. Utilizamos a estrada antiga, que foi substituída
pela BR 282, e possui pouquíssimo movimento, cruzando sítios e fazendas, em
meio a pastagens, plantações e vistas estonteantes da serra catarinense. Um
trajeto que apresenta sobe e desce constante, que não oferece dificuldades para
caminhar e que classifico 2,5, numa escala de 1 a 5.
Identificamos
propriedades que podem vir a tornar-se ponto de recepção e atração de
caminhantes, para um lanche e descanso rápido – e mesmo a instalação de um
albergue... Hoje, sem qualquer infraestrutura, fizemos duas paradas para nos
hidratar e comer o que levamos em nossas mochilas: água, energético, bananas e
sanduiches de queijo e salame; e biscoitos especiais de batata doce e ração para
o Billy. Na primeira parada, nos sentamos sobre toras de madeira à beira da
estrada, enquanto na segunda, aproveitamos a entrada da Igreja Adventista do 7º
Dia, cuja placa informa que foi inaugurada em agosto de 1948.
Há pontos
pitorescos no trajeto, como o Morro do Trombudo – onde foi instalado inicialmente,
em 1853, o assentamento de soldados-colonos da Colônia Militar Santa Thereza (depois
transferido para a Catuira, então distrito de Bom Retiro, hoje bairro de Alfredo
Wagner) – e a “curva do vento”, onde a geografia com um paredão rochoso produz
uma ventania incessante que assobia e agita a vegetação. A sinalização,
contudo, pode melhorar, pois só mesmo igrejas, como Adventista e a Luterana, além
do Museu Imigrante Alemão e a ponte Samuel Grüdtner, são identificados. Quase
chegando a Bom Retiro, num cruzamento do caminho, há placas sobre atrações
tangenciais e que podem interessar, entre as quais a rampa de voo livre Leão
Baio, as cachoeiras Costãozinho e da Serrinha, o Costão do Frade e a calçada de
pedra do século XVIII. Neste local havia também uma placa indicando a “rota dos
tropeiros”.
Durante o Caminho,
abordamos colonos, apenas para prosear e aproveitar para confirmar nosso rumo;
oportunidade também de indagar sobre a presença de outros caminhantes, o que constatamos
não ser muito frequente. Exceção, talvez, aos finais de semana, quando também aparecem
ciclistas e motociclistas. Emocionando foi ao chegarmos em Bom Retiro e
encontrarmos uma senhora que nos acenou e desejou “boa caminhada”...
Enfim, por
qualquer ângulo que se avalie, estamos convictos que é possível resgatar a rota
dos pioneiros alemães e denominá-la Caminho dos Imigrantes. Buen Camino!
(*) Alfredo Wagner é conhecido por ter abrigado,
no que hoje é o bairro da Catuíra, a Colônia Militar Santa Thereza, uma das 19 ocupadas
pelos imigrantes alemães que chegaram ao Brasil na primeira metade do século
XIX. A Família Netto é dessa época e tem sua raiz em 1846, com Joachin Heinrich
Heindorn, natural de Hamburgo, que ao se estabelecer em Laguna adotou o nome de
Joaquim Henrique Netto.
Com dados garimpados ao longo dos anos, consta que
em 1850 o então Joaquim Henrique Netto casou-se com Anna Luiza de Almeida e dessa
união tiveram 10 filhos. Um deles, Cezário Henrique Netto, nascido em 20 de
junho de 1859, em Lages, casou-se com Felícia Eugênia Amaral. Tiveram 11
filhos. Um deles, Apolonio Henrique Netto, casou-se em primeiras núpcias com Maria
José Netto, “Mariquinha”, e um dos filhos, nascido em 15 de agosto de 1913, foi
Cezário Alípio Netto. “Vô Zalico”, como ficou conhecido, se casou com Izabela Paulino
Netto e tiveram 14 filhos, entre os quais minha Sandra.
Com Sandra e Billy: etapa com 14,5 quilômetros
Atravessando pastagens e plantações...
Paisagens estonteantes da serra catarinense
Propriedades que podem servir de recepção a caminhantes
"Curva do vento": ponto pitoresco do Caminho
Billy: caminhante, se divertido com os muitos cachorros do Caminho
Museu da Imigração Alemã
Igreja Adventista do 7º Dia
Sinalização aponta atrações tangenciais ao Caminho
Igreja Luterana
Chegando a Bom Retiro, depois de quatro horas de caminhada
Caminho dos Imigrantes: sim, um Caminho possível pela serra catarinense
O Caminho dos Imigrantes precisaria de um intrépido caminhante e seus fiéis escudeiros e parceiros. É extraordinário o intento. Valeu mesmo. Joaquim Netto e VÔ Zalico não devem caber em si agora...
ResponderExcluirVale, Brother!
ResponderExcluirRegião rica em cultura e história. Parabéns Luiz Carlos, Sandra e Billy. Valeu!
ResponderExcluirUm caminho muito bonito e cheio de belezas naturais
ResponderExcluirTinha vontade de saber mais sobre minha família, Cesário Henrique Netto é meu avô, não sei se bisa ou tatara kkk
ResponderExcluirOlá, César. Bom dia. Obrigado pelo contato. Meu e-mail é luizferraz@uol.com.br Mande mensagem e vamos conversando. Buen Camino!
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