terça-feira, 24 de setembro de 2019

Caminho dos Imigrantes. É possível!


Sandra e Billy: caminho atravessa zona rural de Alfredo Wagner e Bom Retiro

Primeiro dia de Primavera no Hemisfério Sul, fomos contemplados neste 23 de setembro – eu, Sandra e Billy – com um magnífico dia de sol, aqui na Lomba Alta, bairro de Alfredo Wagner, em Santa Catarina – onde estamos desde a sexta-feira da semana passada, no sítio do sobrinho Luciandro Netto. Localizado em posição estratégica na serra catarinense, Alfredo Wagner (*) é terra natal de Sandra e está no meio do itinerário entre Florianópolis e Lages, região que registrou uma forte onda de desenvolvimento com a imigração alemã a partir da primeira metade do século XIX.
Parafraseando o poeta, na busca do “caminho perfeito”, há algum tempo pensávamos em retornar à região para percorrer trilhas e itinerários que proliferam nesses tempos de ecoturismo, sem contudo oferecer uma identidade própria. Já havíamos tido conhecimento que muitos os utilizam de bicicleta, motocross, cavalo, ou mesmo a pé, aos finais de semana, mas nada que se assemelhe a uma travessia que possa ser feita de forma constante, diária, a qualquer época do ano, dotada de infraestrutura – aos moldes das tradicionais rotas de peregrinação, como o Caminho de Santiago.
Quem conhece o Caminho de Santiago sabe do que estou falando.
Evidente que está fora de cogitação qualquer comparação com o tradicional caminho cristão que leva milhares de peregrinos, anualmente, ao túmulo do apóstolo de Jesus, Tiago Maior, cujas relíquias descansam na cripta da catedral de Santiago de Compostela, na Espanha – e que é a terceira maior rota de peregrinação cristã do planeta, só superada por Jerusalém e Roma. Afinal, não há, em Lages, por exemplo, nenhuma relíquia, tradição ou mística capaz de atrair o interesse de caminhantes brasileiros e mesmo de outros países ao desafio de percorrer esses 250 quilômetros desde Florianópolis.
O que a rota oferece – e não é pouco – é a possibilidade de viajar por paisagens fantásticas e conhecer a força de um povo, o alemão, do qual milhares de cidadãos se viram obrigados a trocar seu país por outro, dispostos a uma travessia marítima em veleiros, por meses, alimentando o sonho de encontrar a terra prometida. Ou seja, o mote para se caminhar uma sequência de 10 a 15 dias entre Florianópolis e Lages não seria, de forma primordial, religioso – como, aliás, o Caminho de Santiago também apenas não o é, pois envolve superar limites, seja físico, mental, espiritual, além da busca de autoconhecimento, tudo combinado com o contato direto com a natureza, gastronomia, patrimônio artístico e arquitetônico, enfim, cultura.
Mas, espera lá! Evidente, que amparando o sonho dos imigrantes também esteve envolvida muita fé, além de missões internacionais de várias religiões, num ecumenismo que colocou lado a lado católicos e protestantes, franciscanos e luteranos, beneditinos e adventistas...
Neste rico contexto, escolhemos o primeiro dia da Primavera, ensolarado porém frio, para caminharmos pela que poderá vir a ser uma das etapas da travessia; um percurso de 14,5 quilômetros, entre Lomba Alta, com altitude acima de 1.000 metros, e o município de Bom Retiro, a 890 metros. Utilizamos a estrada antiga, que foi substituída pela BR 282, e possui pouquíssimo movimento, cruzando sítios e fazendas, em meio a pastagens, plantações e vistas estonteantes da serra catarinense. Um trajeto que apresenta sobe e desce constante, que não oferece dificuldades para caminhar e que classifico 2,5, numa escala de 1 a 5.
Identificamos propriedades que podem vir a tornar-se ponto de recepção e atração de caminhantes, para um lanche e descanso rápido – e mesmo a instalação de um albergue... Hoje, sem qualquer infraestrutura, fizemos duas paradas para nos hidratar e comer o que levamos em nossas mochilas: água, energético, bananas e sanduiches de queijo e salame; e biscoitos especiais de batata doce e ração para o Billy. Na primeira parada, nos sentamos sobre toras de madeira à beira da estrada, enquanto na segunda, aproveitamos a entrada da Igreja Adventista do 7º Dia, cuja placa informa que foi inaugurada em agosto de 1948.
Há pontos pitorescos no trajeto, como o Morro do Trombudo – onde foi instalado inicialmente, em 1853, o assentamento de soldados-colonos da Colônia Militar Santa Thereza (depois transferido para a Catuira, então distrito de Bom Retiro, hoje bairro de Alfredo Wagner) – e a “curva do vento”, onde a geografia com um paredão rochoso produz uma ventania incessante que assobia e agita a vegetação. A sinalização, contudo, pode melhorar, pois só mesmo igrejas, como Adventista e a Luterana, além do Museu Imigrante Alemão e a ponte Samuel Grüdtner, são identificados. Quase chegando a Bom Retiro, num cruzamento do caminho, há placas sobre atrações tangenciais e que podem interessar, entre as quais a rampa de voo livre Leão Baio, as cachoeiras Costãozinho e da Serrinha, o Costão do Frade e a calçada de pedra do século XVIII. Neste local havia também uma placa indicando a “rota dos tropeiros”.
Durante o Caminho, abordamos colonos, apenas para prosear e aproveitar para confirmar nosso rumo; oportunidade também de indagar sobre a presença de outros caminhantes, o que constatamos não ser muito frequente. Exceção, talvez, aos finais de semana, quando também aparecem ciclistas e motociclistas. Emocionando foi ao chegarmos em Bom Retiro e encontrarmos uma senhora que nos acenou e desejou “boa caminhada”...
Enfim, por qualquer ângulo que se avalie, estamos convictos que é possível resgatar a rota dos pioneiros alemães e denominá-la Caminho dos Imigrantes. Buen Camino!

(*) Alfredo Wagner é conhecido por ter abrigado, no que hoje é o bairro da Catuíra, a Colônia Militar Santa Thereza, uma das 19 ocupadas pelos imigrantes alemães que chegaram ao Brasil na primeira metade do século XIX. A Família Netto é dessa época e tem sua raiz em 1846, com Joachin Heinrich Heindorn, natural de Hamburgo, que ao se estabelecer em Laguna adotou o nome de Joaquim Henrique Netto.
Com dados garimpados ao longo dos anos, consta que em 1850 o então Joaquim Henrique Netto casou-se com Anna Luiza de Almeida e dessa união tiveram 10 filhos. Um deles, Cezário Henrique Netto, nascido em 20 de junho de 1859, em Lages, casou-se com Felícia Eugênia Amaral. Tiveram 11 filhos. Um deles, Apolonio Henrique Netto, casou-se em primeiras núpcias com Maria José Netto, “Mariquinha”, e um dos filhos, nascido em 15 de agosto de 1913, foi Cezário Alípio Netto. “Vô Zalico”, como ficou conhecido, se casou com Izabela Paulino Netto e tiveram 14 filhos, entre os quais minha Sandra.

Com Sandra e Billy: etapa com 14,5 quilômetros

Atravessando pastagens e plantações...

Paisagens estonteantes da serra catarinense

Propriedades que podem servir de recepção a caminhantes

"Curva do vento": ponto pitoresco do Caminho

Billy: caminhante, se divertido com os muitos cachorros do Caminho

Museu da Imigração Alemã

Igreja Adventista do 7º Dia

Sinalização aponta atrações tangenciais ao Caminho

Igreja Luterana

Chegando a Bom Retiro, depois de quatro horas de caminhada

Caminho dos Imigrantes: sim, um Caminho possível pela serra catarinense

6 comentários:

  1. O Caminho dos Imigrantes precisaria de um intrépido caminhante e seus fiéis escudeiros e parceiros. É extraordinário o intento. Valeu mesmo. Joaquim Netto e VÔ Zalico não devem caber em si agora...

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  2. Região rica em cultura e história. Parabéns Luiz Carlos, Sandra e Billy. Valeu!

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  3. Um caminho muito bonito e cheio de belezas naturais

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  4. Tinha vontade de saber mais sobre minha família, Cesário Henrique Netto é meu avô, não sei se bisa ou tatara kkk

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  5. Olá, César. Bom dia. Obrigado pelo contato. Meu e-mail é luizferraz@uol.com.br Mande mensagem e vamos conversando. Buen Camino!

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