sábado, 28 de setembro de 2019

Caminho dos Imigrantes. As rotas tangenciais...


Pedra Branca: uma das atrações que tangenciam o Caminho

O Caminho dos Imigrantes, em Santa Catarina, tem potencial muito além da rota principal, na travessia entre Florianópolis e Lages – conforme já destacado em posts anteriores –, e merece ser avaliado no contexto de suas inúmeras e incríveis rotas tangenciais. Este conceito é utilizado, por exemplo, no Caminho de Santiago, na Espanha, quando os peregrinos desde a Idade Média se desviavam do itinerário para visitar monastérios e celebrar relíquias... Eu mesmo o adotei algumas vezes, no Caminho Francês, em 2009, quando fui ao encontro da ermida templária de Santa María de Eunate; e depois, no Aragonês, em 2012, quando segui ao Monastério de San Juan de La Peña; no Sanabrês, em 2013, ao conhecer Verín e logo em seguida descansar no Monastério de Oseira... até peregrinar, em 2017, o Caminho Lebaniego, um percurso com forte identidade, mas que não deixa de ser uma rota tangencial do Caminho de Santiago.
A possibilidade de aplicar o conceito foi sugestão de nosso estimado sobrinho Osli Netto, ao nos levar em expedição à Pedra Branca, no município de Alfredo Wagner – uma das famosas atrações naturais no extremo Norte da Serra Geral catarinense. Osli é estudioso, pesquisador das antigas famílias de imigrantes – ele mesmo de uma delas, a Netto, originalmente Heindorn – e fervoroso entusiasta na divulgação da cultura legada pelos antepassados, que cultiva de forma voluntária nas ações desenvolvidas na Igreja Adventista.
Na quinta-feira 27 fomos de carro, utilizando o acesso existente na BR 282, do outro lado da rodovia onde está o acesso principal à Lomba Alta, avistando ao longe o Campo dos Padres – outro excelente exemplo de rota tangencial. Alcançamos a Pedra Branca após rodar 10 quilômetros pela antiga estrada que atravessa propriedades de famílias tradicionais de imigrantes, que se esparramam pelas encostas até o sopé do morro, e integram uma paisagem decorada por araucárias centenárias, de onde se projeta não só o morro que dá nome ao local, mas um conjunto de elevações rochosas, autênticas maravilhas da natureza.
Caminho tão antigo que por si só não deveria deixar dúvida sobre o direito natural de qualquer cidadão poder conhecer a contemplar – mas que, talvez por ignorância, ou excesso de zelo, alguns proprietários teimam em tentar bloquear com porteiras e cadeados. Claro que as porteiras são necessárias para disciplinar o trânsito de gado, mas os abusos proliferam e visam claramente proibir o acesso aos paraísos. Isto ocorre não só em Pedra Branca, como também em outros santuários naturais da região, de resto em todo o país – o que inibe essa modalidade de turismo que, muito mais que um negócio, traduz o exercício de um direito. A expectativa, no caso, é que o Ministério Público estadual não fique inerte e a Justiça seja acionada para proteger o cidadão.
A chamada Pedra Branca tem cerca de 1.600 metros de altitude e de suas entranhas fluem várias nascentes que vão colaborar à bacia hidrográfica do rio Itajaí-Açu. No alto, um de seus trechos conhecidos é denominado “facão” – uma estreita passarela de pedra com precipício em ambos os lados... Na região Pedra Branca, detalha Osli Netto, foi desenvolvida uma importante colônia de imigrantes, a maioria alemães, e ao longo da via principal é possível se encantar com o estilo das casas dos pioneiros, que continuam a exercer atividades rurais, seja o cultivo de cebola e feijão, a criação de gado ou o corte de madeira de reflorestamento. Mais recentemente o local passou a atrair a implantação de pousadas, ocupadas especialmente pelos amantes do montanhismo. “Pedra Branca chegou a ser o maior produtor de feijão de Alfredo Wagner”, conta Osli: “Os antigos lembram um mutirão em que se juntaram 100 foices para fazer a roça em um dia”.
Seguimos de carro sempre subindo, com Osli indicando propriedades de famílias conhecidas, o terreno onde funcionou uma igreja Adventista, “filha” da Igreja de Entrada, de Bom Retiro, e que acabou se mudando para o Centro de Alfredo Wagner, o cemitério adventista. Desse ponto já é possível avistar, no alto de uma das montanhas, a pedra “Bico do Navio”, e que tem ao lado “Pedra do Pinheiro”, por seu formato inusitado.
Paramos na casa do agricultor Adir Marian, 68 anos (em 15 de outubro completará 69), de família tradicional, também montanhista e que foi nosso guia até o sopé da Pedra Branca – não tínhamos tempo para a escalada! Voltaremos! Além de amigo e irmão de igreja de Osli, Adir conhece bem a região, pois sua família chegou a ser proprietária de muitas terras, inclusive no alto da Pedra Branca, com criação de gado e cabrito, mas que foi praticamente dizimada após ataques de leão-baio – o principal predador do lugar, também conhecido como onça-parda, puma ou suçuarana.
Adir reconhece o direito dos turistas e está sempre disposto a servir de guia aos que querem subir as montanhas e desvendar as belezas do lugar. Ele nos aponta as nascentes de água puríssima que descem as montanhas, fornece detalhes das aves e espécies de árvores, conta “causos” interessantes sobre episódios e pessoas, ou seja, é uma pessoa extremamente agradável, além de indispensável para servir de guia pelas montanhas da região. Informa que do sopé até o alto da Pedra Branca é preciso enfrentar 88 curvas em mais de 7 quilômetros de subida...
Retornamos ao lar de Adir e sua Nilzete e nas despedidas somos presenteados com a hospitalidade característica do colono, traduzida em generosas porções de pinhão das araucárias centenárias e doces caseiros... “É fantástico o legado dessas famílias, a maioria de imigrantes, que vieram se instalar nas serras e montanhas. Da igreja acima, passavam de 100 famílias. Aqui, criaram seus filhos, trabalhando em regime de mutirão e gerando riquezas. Temos muito a aprender com essas famílias”, resumiu Osli.

Idealizada pelo sobrinho Osli, expedição foi guiada pelo antigo morador Adir

Casa de família tradicional de Pedra Branca

Ocupação consciente e natureza preservada

Trilha leva ao sopé da Pedra Branca

Encostas com pedras, muitas árvores e araucárias

Voltaremos um dia e quem sabe escalaremos a Pedra Branca...

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