Ao fundo, o Campo dos Padres: belas paisagens
desde Alfredo Wagner
Embalados no
sonho de Santa Catarina enfim assumir o seu Caminho dos Imigrantes – com cerca
de 250 quilômetros, de Florianópolis a Lages –, continuamos a pensar neste mega
projeto e não poderia haveria melhor inspiração do que retomar a rota e
resgatar os passos dos pioneiros alemães. Insisto, até prova em contrário, que
a iniciativa é inédita – e tem pouco a ver com a chamada Rota dos Tropeiros,
muito menos com a caminhada feita anualmente, no período da Quaresma, ambos com
início em Lages... A proposta é adotar uma direção exatamente inversa, a partir
de Florianópolis, por onde desembarcaram os imigrantes a partir do Império, na
colonização da então Província de Santa Catarina!
Com esta
perspectiva, após caminharmos os 14,5 quilômetros de Lomba Alta, bairro de
Alfredo Wagner, ao município de Bom Retiro (leia
o post anterior), eu, Sandra e Billy resolvemos fazer o trecho
imediatamente anterior, do centro de Alfredo Wagner a Lomba Alta.
Com cerca de
10 quilômetros, esta etapa poderia ser caminhada quase que totalmente pela
antiga estrada estadual – não fosse uma intersecção que obriga ir 100 metros
pela BR 282. Tudo bem. Importa que em sua maior parte a via ainda conserva o
chão de terra batida, com algum cascalho, atravessando sítios e pequenas
comunidades. Embora mais curto que o itinerário realizado há dois dias, o trecho
é uma subida constante, repleto de curvas, passando dos 480 metros de altitude
do centro da cidade para os 1.000 metros da Lomba Alta. O grau de dificuldade é
moderado, talvez 3, numa escala de 1 a 5, mas as incríveis paisagens da serra
catarinense, salpicadas de araucárias, com momentos que vislumbram o vale do
rio Caeté e o Campo dos Padres, compensam cada metro.
Com sol nesta
quarta-feira 25 deixamos o centro de Alfredo Wagner e seguimos pela Rua Águas
Frias, que neste trecho possui piso de bloquetes de concreto, com muitas
residências e comércio. Na medida em que nos afastamos da zona urbana, começam
a surgir os sítios e pequenas plantações, a pousada Pedras Rolantes, e uma
paisagem que revela a formidável geografia do vale do rio Caeté. Sempre
subindo, alcançamos a BR 282, na altura do km 110, sendo obrigados a caminhar
uns 100 metros pelo acostamento, e atravessar para o outro lado da pista. Em
800 metros há o acesso para a Cabanha Bruch, uma pousada rural com ambiente acolhedor,
mantido por Jonas Bruch e a esposa Anita. Cabanha porque no local há produção
de ovinos. O ponto é conhecido dos que apreciam o turismo rural e oferece uma
programação variada, com café colonial, trilhas em Área de Preservação
Permanente (APP), gastronomia regional e uma vista privilegiada para o Campo
dos Padres. Outra atração é o arroio do cocho d’água, recuperado por Jonas,
exatamente onde paravam os tropeiros que vinham no século passado, na rota
comercial entre Lages e Florianópolis...
Desviamos do
caminho para conhecer as instalações e ficamos surpreendidos com o conceito e a
infraestrutura. Conversando com Jonas, ele nos contou uma história pitoresca
sobre a criação da antiga estrada, quando uma expedição da Colônia Santa Isabel
foi formada para encontrar o Morro do Trombudo, que chegou a ser marcado como a
divisa das Províncias de São Paulo e Rio Grande do Sul: “Consta que ficaram 81
dias perdidos e não conseguiram achar. Depois houve uma expedição do Morro do
Trombudo até Santa Isabel e após 27 dias chegaram lá”. Santa Isabel foi uma das
colônias de imigrantes de Santa Catarina. Consta que era bem sucedida, tinha
colégio alemão, internato, 27 pequenas fábricas, de cerveja, vinagre, têxtil.
“Era para ser uma Blumenau”, comparou Jonas: “Com a definição da estrada entre Florianópolis
a Lages os colonos foram transferidos para Teresópolis, onde meu pai nasceu. Depois
tiveram que mudar de novo para criar a 282 e a comunidade acabou”.
Histórias e
mais histórias. O Caminho dos Imigrantes é cenário de diferentes histórias,
muitas ainda pouco contadas, mas que revelam a “fé, honra e coragem de um
povo”, como Dario Cesar de Lins intitulou o livro que escreveu sobre o legado da
imigração alemã em Santa Catarina...
Da Cabanha
Bruch retomamos o caminho e registramos nossa passagem pelo marco do km 124 da
antiga via. Continuamos subindo, apreciando a paisagem cada vez mais ampla do
Campo dos Padres. Informa o Wikipédia que o Campo dos Padres é um imenso
planalto no qual estão localizadas as maiores elevações do estado: o Morro da
Boa Vista, com 1.827 metros de altitude, e o Morro da Bela Vista do Ghizoni,
com 1.823,49 metros, enquanto sua borda cai por cerca de 500 metros.
Finalmente,
avistamos a chaminé do forno da extinta olaria de Osmair Netto, irmão de minha Sandra,
que durante anos fabricou tijolos de argila com reconhecida qualidade. Andamos
mais alguns minutos e estamos diante da Capela dedicada a Santo Antônio. Chegamos finalmente ao Museu de Arqueologia de Lomba
Alta, que exibe diversos artefatos, fósseis, peças geológicas e ecológicas, e está localizado em frente ao Atacado Netto & Onofre, dos sobrinhos Luciandro Netto e Andrea Onofre Netto. O museu
foi inaugurado no cinquentenário da morte de Alfredo Henrique Wagner, em 20 de outubro
de 2002, e seu edifício é uma réplica, em estilo suíço-germânico, da residência
do patrono do município.
Sim, conforme
foi afirmado no post anterior, é
perfeitamente viável caminhar – ou pedalar... – de Lomba Alta até Bom Retiro, como
também é possível caminhar ou pedalar do centro de Alfredo Wagner até Lomba Alta
– alertando apenas aos 100 metros em que é obrigado ir pelo acostamento na
intersecção existente no km 110 da BR 282. Ou seja, dos cerca de 250
quilômetros do percurso entre Florianópolis a Lages, em torno de 25 quilômetros
– algo em torno de 10% – é tranquilo caminhar ou pedalar com
segurança.
Mas, e os outros 225 quilômetros, ou 90% do itinerário? Esta
é exatamente a questão sobre a qual é necessário refletir e buscar soluções,
pois conversando com catarinenses que conhecem bem a ligação rodoviária, sim,
há outros trechos da antiga estrada estadual – quase sempre seguindo paralela à
BR 282 –, que estão preservados, servindo apenas ao trânsito de colonos, e que
estão em condições ideais de recepcionar caminhantes, ainda que falte muita
infraestrutura de apoio, no que se refere à sinalização, informação, locais para
um lanche e descanso, pousadas – ou, na linguagem do Caminho de Santiago,
albergues.
Mas, por outro lado, há muitos outros trechos da antiga via
estadual que foram simplesmente incorporados à BR 282, assim como há trechos
que foram invadidos, ocupados por sítios ou fazendas, cujo trânsito
hoje é impossível. Resgatar esse espaço exigirá tempo e paciência, para
negociar, se for o caso, e convencer sobre os benefícios em liberar a passagem para
o Caminho dos Imigrantes – um direito cultural não só povo catarinense, mas da
Humanidade.
Com Sandra e Billy: proposta para promover o
turismo em Santa Catarina
Sandra e Billy: ele, sempre indicando o melhor
Caminho...
Sequência de curvas, sempre subindo...
Vista do vale do rio Caeté
Caminho cruza propriedades rurais de Alfredo
Wagner
Colonos ao longo da antiga estrada de chão batido
Billy: na liderança da “matilha”...
Na Cabanha Bruch, com o casal Jonas e Anita, a
filha Judite e o recém adotado Chocolate: investimento no ecoturismo
Vista da varanda da Cabanha Bruch: Campo dos Padres
Km 124: marco da antiga estrada desde
Florianópolis
Pequenas comunidades ao longo da estrada
Protegidas, araucárias embelezam o cenário
Chegando a Lomba Alta, a chaminé do forno da antiga
olaria de Osmair Netto
Chegada a Lomba Alta: ao fundo, Museu Arqueológico
apresenta acervo interessante
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