quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Caminho dos Imigrantes. Direito à cultura!



Ao fundo, o Campo dos Padres: belas paisagens desde Alfredo Wagner

Embalados no sonho de Santa Catarina enfim assumir o seu Caminho dos Imigrantes – com cerca de 250 quilômetros, de Florianópolis a Lages –, continuamos a pensar neste mega projeto e não poderia haveria melhor inspiração do que retomar a rota e resgatar os passos dos pioneiros alemães. Insisto, até prova em contrário, que a iniciativa é inédita – e tem pouco a ver com a chamada Rota dos Tropeiros, muito menos com a caminhada feita anualmente, no período da Quaresma, ambos com início em Lages... A proposta é adotar uma direção exatamente inversa, a partir de Florianópolis, por onde desembarcaram os imigrantes a partir do Império, na colonização da então Província de Santa Catarina!

Com esta perspectiva, após caminharmos os 14,5 quilômetros de Lomba Alta, bairro de Alfredo Wagner, ao município de Bom Retiro (leia o post anterior), eu, Sandra e Billy resolvemos fazer o trecho imediatamente anterior, do centro de Alfredo Wagner a Lomba Alta.
Com cerca de 10 quilômetros, esta etapa poderia ser caminhada quase que totalmente pela antiga estrada estadual – não fosse uma intersecção que obriga ir 100 metros pela BR 282. Tudo bem. Importa que em sua maior parte a via ainda conserva o chão de terra batida, com algum cascalho, atravessando sítios e pequenas comunidades. Embora mais curto que o itinerário realizado há dois dias, o trecho é uma subida constante, repleto de curvas, passando dos 480 metros de altitude do centro da cidade para os 1.000 metros da Lomba Alta. O grau de dificuldade é moderado, talvez 3, numa escala de 1 a 5, mas as incríveis paisagens da serra catarinense, salpicadas de araucárias, com momentos que vislumbram o vale do rio Caeté e o Campo dos Padres, compensam cada metro.
Com sol nesta quarta-feira 25 deixamos o centro de Alfredo Wagner e seguimos pela Rua Águas Frias, que neste trecho possui piso de bloquetes de concreto, com muitas residências e comércio. Na medida em que nos afastamos da zona urbana, começam a surgir os sítios e pequenas plantações, a pousada Pedras Rolantes, e uma paisagem que revela a formidável geografia do vale do rio Caeté. Sempre subindo, alcançamos a BR 282, na altura do km 110, sendo obrigados a caminhar uns 100 metros pelo acostamento, e atravessar para o outro lado da pista. Em 800 metros há o acesso para a Cabanha Bruch, uma pousada rural com ambiente acolhedor, mantido por Jonas Bruch e a esposa Anita. Cabanha porque no local há produção de ovinos. O ponto é conhecido dos que apreciam o turismo rural e oferece uma programação variada, com café colonial, trilhas em Área de Preservação Permanente (APP), gastronomia regional e uma vista privilegiada para o Campo dos Padres. Outra atração é o arroio do cocho d’água, recuperado por Jonas, exatamente onde paravam os tropeiros que vinham no século passado, na rota comercial entre Lages e Florianópolis...
Desviamos do caminho para conhecer as instalações e ficamos surpreendidos com o conceito e a infraestrutura. Conversando com Jonas, ele nos contou uma história pitoresca sobre a criação da antiga estrada, quando uma expedição da Colônia Santa Isabel foi formada para encontrar o Morro do Trombudo, que chegou a ser marcado como a divisa das Províncias de São Paulo e Rio Grande do Sul: “Consta que ficaram 81 dias perdidos e não conseguiram achar. Depois houve uma expedição do Morro do Trombudo até Santa Isabel e após 27 dias chegaram lá”. Santa Isabel foi uma das colônias de imigrantes de Santa Catarina. Consta que era bem sucedida, tinha colégio alemão, internato, 27 pequenas fábricas, de cerveja, vinagre, têxtil. “Era para ser uma Blumenau”, comparou Jonas: “Com a definição da estrada entre Florianópolis a Lages os colonos foram transferidos para Teresópolis, onde meu pai nasceu. Depois tiveram que mudar de novo para criar a 282 e a comunidade acabou”.
Histórias e mais histórias. O Caminho dos Imigrantes é cenário de diferentes histórias, muitas ainda pouco contadas, mas que revelam a “fé, honra e coragem de um povo”, como Dario Cesar de Lins intitulou o livro que escreveu sobre o legado da imigração alemã em Santa Catarina...
Da Cabanha Bruch retomamos o caminho e registramos nossa passagem pelo marco do km 124 da antiga via. Continuamos subindo, apreciando a paisagem cada vez mais ampla do Campo dos Padres. Informa o Wikipédia que o Campo dos Padres é um imenso planalto no qual estão localizadas as maiores elevações do estado: o Morro da Boa Vista, com 1.827 metros de altitude, e o Morro da Bela Vista do Ghizoni, com 1.823,49 metros, enquanto sua borda cai por cerca de 500 metros.
Finalmente, avistamos a chaminé do forno da extinta olaria de Osmair Netto, irmão de minha Sandra, que durante anos fabricou tijolos de argila com reconhecida qualidade. Andamos mais alguns minutos e estamos diante da Capela dedicada a Santo Antônio. Chegamos finalmente ao Museu de Arqueologia de Lomba Alta, que exibe diversos artefatos, fósseis, peças geológicas e ecológicas, e está localizado em frente ao Atacado Netto & Onofre, dos sobrinhos Luciandro Netto e Andrea Onofre Netto. O museu foi inaugurado no cinquentenário da morte de Alfredo Henrique Wagner, em 20 de outubro de 2002, e seu edifício é uma réplica, em estilo suíço-germânico, da residência do patrono do município.
Sim, conforme foi afirmado no post anterior, é perfeitamente viável caminhar – ou pedalar... – de Lomba Alta até Bom Retiro, como também é possível caminhar ou pedalar do centro de Alfredo Wagner até Lomba Alta – alertando apenas aos 100 metros em que é obrigado ir pelo acostamento na intersecção existente no km 110 da BR 282. Ou seja, dos cerca de 250 quilômetros do percurso entre Florianópolis a Lages, em torno de 25 quilômetros – algo em torno de 10% – é tranquilo caminhar ou pedalar com segurança.
Mas, e os outros 225 quilômetros, ou 90% do itinerário? Esta é exatamente a questão sobre a qual é necessário refletir e buscar soluções, pois conversando com catarinenses que conhecem bem a ligação rodoviária, sim, há outros trechos da antiga estrada estadual – quase sempre seguindo paralela à BR 282 –, que estão preservados, servindo apenas ao trânsito de colonos, e que estão em condições ideais de recepcionar caminhantes, ainda que falte muita infraestrutura de apoio, no que se refere à sinalização, informação, locais para um lanche e descanso, pousadas – ou, na linguagem do Caminho de Santiago, albergues.
Mas, por outro lado, há muitos outros trechos da antiga via estadual que foram simplesmente incorporados à BR 282, assim como há trechos que foram invadidos, ocupados por sítios ou fazendas, cujo trânsito hoje é impossível. Resgatar esse espaço exigirá tempo e paciência, para negociar, se for o caso, e convencer sobre os benefícios em liberar a passagem para o Caminho dos Imigrantes – um direito cultural não só povo catarinense, mas da Humanidade.


Com Sandra e Billy: proposta para promover o turismo em Santa Catarina

Sandra e Billy: ele, sempre indicando o melhor Caminho...

Sequência de curvas, sempre subindo...

Vista do vale do rio Caeté

Caminho cruza propriedades rurais de Alfredo Wagner

Colonos ao longo da antiga estrada de chão batido

Billy: na liderança da “matilha”...

Na Cabanha Bruch, com o casal Jonas e Anita, a filha Judite e o recém adotado Chocolate: investimento no ecoturismo

Vista da varanda da Cabanha Bruch: Campo dos Padres

Km 124: marco da antiga estrada desde Florianópolis

Pequenas comunidades ao longo da estrada

Protegidas, araucárias embelezam o cenário

Chegando a Lomba Alta, a chaminé do forno da antiga olaria de Osmair Netto

Chegada a Lomba Alta: ao fundo, Museu Arqueológico apresenta acervo interessante

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