Está na Compostela: também sou Dnum. Aloisium Carolum
Ferraz
“Vou continuar o mesmo, com todas as qualidades e
defeitos...” Era o que achava ao final da peregrinação pelo Caminho Francês, de
Saint Jean Pied de Port a Santiago de Compostela, com cerca de 800 quilômetros,
realizada há 10 anos durante 29 dias. Viva Santiago!
#10yearchallenge
#pedrasdocaminho
#xacobeo2021
O texto abaixo foi publicado no primeiro livro da
trilogia Pedras do Caminho: Meu Encontro no Caminho de Santiago!
APENAS... MAIS UM EM MIM!
– Você
voltará outro!
Nunca
compartilhei a ideia de que a peregrinação a Santiago de Compostela seja capaz
de me mudar. Quem me conhece há mais tempo pode até achar essa necessidade. Eu
não. Estou bem. Tenho ao meu lado pessoas que me amam do jeito que sou,
inclusive uma cadela que me obedece e abana o toco de seu rabo quando me vê...
exerço atividades profissionais proativas que, além de me manter e a minha
família, me dão a oportunidade de ajudar inúmeras pessoas (e se não ajudo tanto
quanto gostaria, pelo menos não prejudico...).
Por isso,
pelo menos da minha parte, selo o compromisso de que não vou, ou pelo menos não
quero e não pretendo mudar. Vou continuar o mesmo, com todas as qualidades e
defeitos... apenas, é claro, enriquecido com a experiência de ter feito uma
caminhada – que muitos julgam maluca (“gastando sola”, resumiu o “Macarrão” no
blog do Jornal da Orla) – de 800 quilômetros sobre solo europeu, a maior parte
na Espanha. Um país que passei a compreender melhor e amar seu povo, tanto
quanto muitos dos espanhóis que conheci amam o povo brasileiro.
Portanto,
sem essa de mudar, mas de agregar, somar: a partir de agora sou apenas... mais
um em mim! Afinal, escrita em latim e assinada por Jenaro Fabrício F.,
Canonicus Deputatus pro Peregrinis, a Compostelana que recebi num anexo da
Catedral de Santiago de Compostela me assegura outra identidade. Agora, além de
Cebola, Cê, Luiz Carlos Ferraz, Lú, Neguinho, entre outras variações, sou o
Dnum. Aloisium Carolum Ferraz.
Aloisium,
tudo bem. Mas, para quem nunca teve vocação para coroinha, ainda não me
acostumei com Carolum no meio do nome, do qual Carlos teria derivado. O Ferraz
se manteve. O Dnum equivale a senhor...
Depois de um
dia emocionante em Santiago de Compostela, a cidade repleta de peregrinos e
turistas, a grande Feira Medieval ocupando as ruas do Centro Histórico, domingo
5 logo cedo peguei o ônibus que me levou a Finisterre, na Costa da Morte...
Não é a
primeira vez que chego ao fim do mundo. A primeira foi no início dos anos 90,
quando conheci Ushuaia, na Terra do Fogo, Patagônia Argentina, que também se
intitula a cidade do fim do mundo – por ser a mais austral, a mais perto da
Antártida. Na ocasião estava com o colega Lauro Tubino, do jornal A Tribuna.
Éramos convidados do empresário Pepe Altstut, idealizador da Memorial Necrópole
Ecumênica, “a mais alta do mundo”, para apresentar a cidade argentina que
estava firmando um convênio de irmanação com Santos... Aliás, como está esse
intercâmbio?
Foi uma
experiência muito interessante, conheci a neve, andei de snowjet, entrevistei
políticos, empresários do segmento turístico e cientistas – na época, um dos
focos avançados de estudos era, como deve ser ainda hoje, a destruição da
camada de ozônio pelos gases que causam o efeito estufa, especialmente o CO2...
Meus textos
foram publicados no Jornal Perspectiva, claro, e no Jornal da Orla. Naquela
época o fax era uma revolução e a Internet um sonho... Fosse agora, talvez
tivesse colocado tudo num blog.
Nesta
segunda vez, o contexto é outro... Finisterre por um longo período foi tida
efetivamente como a cidade do fim do mundo – afinal, para os romanos, que
acreditavam que ali acabava a terra, o Atlântico era referido como Mare
Tenebrosum... Hoje, Finisterre reflete sobre o passado e investe no segmento
turismo, em especial buscando recepcionar a legião de peregrinos que cada vez
mais chega de Santiago de Compostela. Para isso, recorre a referências sobre a
peregrinação na Idade Média aliada à rituais de purificação e de celebração do
sol e da fertilidade... E só! Afinal, segundo se conta, após pregar pelos
pueblos da Espanha, Santiago regressou à Palestina e foi decapitado por ordem
do Rei Herodes (41-44 d.C). Seu corpo foi colocado numa barca de pedra e,
milagrosamente, viajou da Palestina à Galícia, chegando à costa em Iria Flavia,
atual Padrón... ou seja, nem foi em Finisterre...
O corpo foi
enterrado e mais tarde encontrado e declarando autêntico pelo bispo Teodomiro,
da então Iria Flavia. Nesse local, por determinação de Alfonso II, Rei de
Asturias e León, foi construída uma igreja, dando origem à cidade de Santiago
de Compostela.
Em meio a
lendas e contradições, Finisterre é simpática. É como um pueblo espanhol
tradicional, só que no litoral e, também por isso, atrai turistas de toda a
Europa. O grasnar das gaivotas, ininterrupto, garante a trilha sonora do lugar.
De seu pequeno centro, com hotéis, pensões, albergues e restaurantes, a rota do
peregrino determina que vá a pé ao farol do cabo. O local está distante cerca
de 4 quilômetros e é aberto à visitação, com exposição de fotos e informações
turísticas. Ao redor, em meio às pedras, o peregrino fará seu ritual de queima
de roupas... visando a renovação e a purificação... de preferência, ao pôr do
sol...
Num mastro
de madeira, em quatro línguas, a mensagem: “Que a paz prevaleça na Terra”.
Como estou
com as roupas contadas, duas bermudas, três camisetas, três cuecas, três pares
de meia... e ainda vou permanecer alguns dias na Espanha, queimar algo, ainda
que fosse uma cueca, é um risco. Me foi sugerido queimar as botas... Passei
essa parte...
Fui ao
farol, a pé, conferi o visual, me emocionei – é difícil não se emocionar depois
de tudo que aconteceu... – e voltei para tomar sopa de mariscos, comer uma
paella e descansar num piso, apartamento, para peregrinos que se dispõem a pagar
um pouco mais...
Sem os pés
no Caminho, sigo de ônibus – dotado de wifi, onde concluo esse post – para a
casa do amigo José Antonio Soto Rojas, em Santander, que me convidou para
descansar alguns dias...
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