quinta-feira, 18 de junho de 2015

Meu reencontro com o Caminho Francês!

Afresco de Santiago peregrino na parede da
Igreja de Sancti Spiritus de Melide

Só posso atribuir tantas mudanças no meu plano inicial do Caminho Primitivo, desde Oviedo a Santiago de Compostela, em função de meu reencontro, em Melide, com o Caminho Francês. Em 2009, ao peregrinar o Caminho Real Francês, passei direto por Melide e descansei em Arzúa, depois Pedrouzo e, enfim, Santiago de Compostela. Ontem, ao chegar a Melide, agora pelo Caminho Primitivo, as lembranças de minha primeira peregrinação (que, aliás, sempre estiveram presentes...) foram revigoradas ao rever o cruzeiro do século XIV, junto à Capela de São Roque, considerado o mais antigo da Galícia – uma visão exclusiva de quem peregrina o Francês...
Decidi que a partir de Melide haveria de fazer mudanças nesta minha quinta peregrinação pelo Caminho de Santiago... Se em 2009, após Melide, minha parada seguinte foi Arzúa, desta vez não seria mais. Qual então a melhor alternativa, considerando minha perspectiva de distribuir os 55 quilômetros restantes de peregrinação em três dias, até sábado 20 de junho?
Recorrendo a guias impressos e sites do Caminho e também trocando ideia com hospitaleiros e peregrinos, decidi ponderar algumas exigências, como estabelecer a última parada antes de Santiago no albergue da Xunta, no Monte do Gozo, onde há um belo monumento dedicado ao Papa João Paulo, por sua visita a Santiago: estupendo, o albergue conta com 800 vagas. E, além de tudo, o Monte do Gozo é ponto emblemático da peregrinação a Santiago, localizado a cerca de 5 quilômetros da Cidade Santa, de onde já se é possível avistar as torres da Catedral... Decidi, então, que no sábado minha última etapa começará exatamente daí. Definida a etapa final, minha preocupação passou a ser como equilibrar os outros cerca de 50 quilômetros de percurso em dois dias, levando em consideração os pueblos e albergues existentes ao longo do percurso.
Tive que afastar a possibilidade de minha 12ª etapa ser de Melide a Arzúa, com apenas cerca de 15 quilômetros – como inicialmente planejara (e para que as restantes fossem de Arzúa a Pedrouzo, cerca de 20 quilômetros, e de Pedrouzo e Santiago, mais 20 quilômetros, preterindo a parada no Monte do Gozo...) No novo planejamento, para que fosse possível compatibilizar esses 50 quilômetros, tinha que dar uma esticada exatamente nesta 12ª etapa, que não poderia mais se limitar aos cerca de 15 quilômetros. Ou seja, teria sim que atravessar Arzúa. Mas, chegar até onde? A escolha recaiu, de forma inusitada, em Salceda, distante cerca de 10 quilômetros de Arzúa, onde está localizado um albergue turístico. Para isso, em vez de 15 quilômetros teria que peregrinar algo em torno de 25 quilômetros – ou seja, praticamente a mesma distância percorrida no dia anterior, ontem, de Ferreira a Melide. Ainda me restabelecendo da tendinite no joelho esquerdo, que me abala desde o final da terceira etapa, em Tineo, nas Astúrias, isso seria possível?
Confiante, acordei cedo e me preparei, tomando minhas vitaminas, comendo frutas, uma empanada de carne, abusando da hidratação... e me atirei no Caminho. Logo me despedi do Primitivo e ingressei, enfim, no Francês, seguindo pela Carretera de Visantoña. Busquei sinais e lembranças da peregrinação de 2009. Ah! Quanta coisa mudou. Ah! Quanta coisa não mudou. Entre um passo para cá e outro para lá, peregrinei convencido de que o Francês continua o mesmo!!! Diferente do Caminho Primitivo, que me serviu de base de comparação, constatei muitos peregrinos vestidos à vontade, nem todos com mochila – ou se carregava mochila, certamente, contando com transporte especial de uma segunda mochila... –, muitos no segundo ou terceiro dia de peregrinação, quantas mulheres!!!, vendo mais peregrinos nos cafés do que me ultrapassando ou sendo ultrapassado no Caminho...
E os moradores dos pueblos da Galícia!!! Quanto gentileza. Basta cumprimentar com “buenos dias!” e receber em troca um generoso “buen caminho!” No meu caso, tanto pelo jeito, quanto pelo sotaque, a pergunta frequente é se o peregrino é brasileiro. Com a resposta positiva, o sorriso se abria e o papo esticava, tempo para lembrar de vizinhos e parentes que imigraram, sentir saudades...
Ah! Quanta coisa não mudou. Ah! Quanta coisa mudou.
Os pueblos se sucedem neste trecho do Caminho Francês, entre propriedades rurais, bosques, muitos pássaros, pisando sobre cascalho, passando, entre outros, por O Carballal, Raído, Parabispo, A Peroxa, Boente, Punta Brea, Figueiroa, Castañeda, Fraga Alta, Pedrido, Río, Doroña, Ribadiso, Arzúa, As Barrosas, Preguntoño, A Peroxa, Taberna Vella, Calzada, Calle, Boavista e, enfim, Salceda.
A mística do Caminho está por todo lado. Para onde olho, em minha busca sem fim, o espírito do Caminho está presente. Há Caminho de todo jeito, para todo tipo de peregrino. Cada um faz o seu Caminho, cada Caminho é único. Esta é a mágica do Caminho de Santiago, do reencontro consigo, da transformação interior... e refletindo sobre todo esse poder, me passa os filmes das quatro peregrinações anteriores, me alegrando nestes momentos finais antes do meu reencontro com as relíquias do Apóstolo de Jesus, São Tiago Maior, na cripta da Catedral de Santiago de Compostela.
Minha vontade agora é só de agradecer, agradecer muito, e gritar, gritar muito: Santiago, passa à frente!
#pedrasdocaminho

 Cruzeiro de Melide, do século XIV, junto
à Capela de São Roque, considerado
o mais antigo da Galícia

Da perspectiva de quem peregrinou o Caminho Primitivo, neste ponto
dá-se o encontro com o Caminho Francês, com os peregrinos 
hegando pela esquerda e seguindo juntos pela Carretera de Visantoña

Em relação ao Caminho Primitivo, agora no Francês o movimento
de peregrinos cresce de forma exponencial...

Até Arzúa, há trechos na estrada, mas também belos bosques
refrescantes, com muitos pássaros, num convite à reflexão...

Aumentam os peregrinos... e também bicigrinos

Adiós, Arzúa. Vou dar uma esticadinha até...

O inglês peregrinava catando o lixo reciclável que alguns
peregrinos atiram pelo Caminho e, perguntado porque fazia
isso, disse apenas que tinha que ser assim...

Peregrinar em dois... “o Caminho fica mais curto!”: uma das revelações
nesta quinta peregrinação. Sempre busco, não sabendo o
que encontrar... e sempre aprendo. Assim é o Caminho de Santiago!

Marco oficial do Caminho em Salceda: a 26,3 
quilômetros de Santiago de Compostela...

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