terça-feira, 9 de junho de 2015

Primitivo? Não, o último. Talvez...

Catedral de Oviedo, início da peregrinação

Há algum tempo, refletindo sobre o motivo de ter optado pelo Caminho Francês na minha primeira peregrinação a Santiago de Compostela, levantei uma série de ponderações, entre as quais, com certeza a principal, o fato de que até então, em 2009, não conhecia o Caminho Primitivo – como o nome diz, o primeiro, realizado desde Oviedo pelo primeiro peregrino da história da rota, Alfonso II, O Casto, rei das Astúrias.
Óbvio, pois se nada sabia sobre o Primitivo, que afinal detonou o fenômeno das peregrinações a Santiago de Compostela, não poderia ter sido minha escolha – o que, porém, desde o momento em que soube de sua existência, passou a fazer parte de meus sonhos.
Como aceito a máxima de que Deus escreve certo com linhas tortas, desde então aceitei esta ordem, mas, ao mesmo tempo, me perguntava porque razão não teria feito primeiro o Primitivo em vez do Francês em 2009. As considerações são muitas e talvez já as tenha esgotado no texto postado há mais de um mês e que está mais abaixo. A lógica parece insofismável: se o Primitivo é o primeiro, o meu primeiro deveria ter sido o Primitivo. Mas, não foi.
O tempo passou e hoje, 8 de junho de 2015, estou aqui, neste exato momento, em Tineo, ao final da terceira etapa do Caminho Primitivo, desde Oviedo, rumo a Santiago de Compostela.
A primeira etapa, conforme está em meu plano (também em post abaixo), que vai se cumprindo, apesar de cada vez mais estar convicto de que muitas informações dos guias, nos quais me baseei, não estavam corretas, mas, enfim..., foi de Oviedo a Grado, que teria cerca de 23,6 quilômetros. Para mim foi uma etapa duríssima e classifiquei-a, repetindo um termo muito utilizado pelos espanhóis, como “rompe piernas”. Assim me senti, com as pernas rompidas, ao final, após mais de nove horas de peregrinação.
Diferente de minhas outras quatro peregrinações, realizadas sempre só, admiti, a pedido de minha amada Sandra, ter a companhia de outros peregrinos, e assim foi feito. De Oviedo sai com o italiano Fiore, que havia conhecido no dia anterior, ao final de sua peregrinação pelo Caminho de San Salvador, desde León. Logo se juntou a nós a espanhola Maite. Passamos por uma sequência de pueblos, como San Lázaro de Paniceres, Loriana, Escamplero, Premoño, Peñaflor, atravessando belos bosques, sendo recepcionados por antigos moradores, como Manoela, de 92 anos, e diferentes animais, cachorros, gatos, bois, cavalos... até alcançar Grado. Neste pueblo, que não possui albergue, fomos abordados por um agente, de carro, do albergue de Cabruñana, distante 5 quilômetros – fora do Caminho Primitivo... –, que convenceu Maite, que, muito cansada aproveitou a carona e nos deixou... Tudo bem, eu e Fiore aproveitamos a hospitalidade (nem tanto...) do único hotel de Grado.

Peregrinando com a espanhola Maite e o italiano Fiore

Descendo, sempre com cuidado pelo piso escorregadio...

Dona Manoela, 92 anos e muita disposição

Animais dóceis no Caminho

Quase chegando a Grado, no final da primeira etapa

Muito cansado e abalado pelo longo primeiro dia de peregrinação...

Ops! Aqui dou uma pausa em minhas reflexões, pois, já na cama do albergue de Tineo, sentindo fortes dores no joelho esquerdo, amanhã estou programado para a quarta etapa, até Borres...

Já no dia seguinte... 9 de junho (afinal, hoje), avalio que nem tanto pelas dores, mas pela perspectiva real de comprometer minha peregrinação, resolvi buscar auxílio médico para saber a real situação de meu joelho esquerdo. Para tirar a dúvida acionei o seguro, que, sem atendimento em Tineo, que não possui hospital, me indicou como mais próximo o hospital de Cangas del Narcea, distante cerca de 40 quilômetros. Fui e voltei de ônibus, com o diagnóstico de tendinite, após avaliação médica e raio-x. Tomei uma dose de anti-inflamatório, bolsa de gelo local e orientação para descansar de dois a três dias.
Se contar que desde ontem estou aqui, descansarei dois dias..., pois amanhã pretendo cumprir a quarta etapa da peregrinação até Borres.
Mas, detalhava sobre as etapas até então realizadas até Tineo.
A segunda etapa, de Grado a Salas, no domingo 7 de junho, embora me tenha sido apresentada pelos guias com cerca de 21,6 quilômetros, me pareceu ter 25, ou mais!!! Trecho difícil, com sequências de subidas e descidas e, realizado em período em que a região das Astúrias registra chuvas e excesso de umidade no ar, com muita lama. Logo no início, continuando a caminhar com o peregrino italiano Fiore, enfrentamos uma subida forte até San Juan de Villapañada, com muita névoa. Durante o caminho passamos por vários pueblos, como Santa Eulalia de Dóriga, Cornellana, que abriga o Monastério de San Salvador, fundado em 1024, que está sendo recuperado, Llamas, Quintana, Casazorrina e, finalmente, Salas, cujo casco antigo destaca a Colegiata de Santa María la Mayor, gótica e renascentista do século XVI, onde está o mausoléu do arcebispo Valdés-Salas, e que está localizada junto ao Palácio de los Valdés.

Adios, Grado: neblina no segundo dia de peregrinação

Peregrinando com o italiano Fiore

Belos bosques do Principado das Astúrias

Pedras do Caminho Primitivo

Monastério de San Salvador, em Cornellana

Sinais do Caminho Primitivo

Colegiata de Santa María la Mayor, em Salas

Nesta tarde de domingo, em Salas, despedi-me de Fiore, que, com a disposição dos 43 anos, continuou sua peregrinação até Bodenaya, somando mais uns cinco quilômetros. Após instalar-me no albergue de peregrinos, para minha surpresa reencontrei a espanhola Maite.
Sem bolhas nos pés, mas já com dores no joelho esquerdo, talvez devido a um quase escorregão nas pedras do trecho de Grado a Salas, descansei com a certeza que no dia seguinte, a segunda-feira 8 (enfim, ontem), estaria melhor. E estava!
Meu terceiro dia de peregrinação compreendeu – segundo os guias – 19,8 quilômetros, entre Grado e Tineo... Mas, acho que esta distância foi medida pela estrada, porque pelos bosques, encharcados pelas chuvas, com muita lama, exigindo todo cuidado... é possível que o percurso passe dos 22 quilômetros, entre tantas subidas e descidas. Enfim, a etapa oferece belas paisagens, muitos animais, gente simples nos pueblos, passando primeiro por Bodenaya, após uma forte subida, depois Porciles e La Espina, depois um trecho pela rodovia atravessando La Pereda, El Pedregal... finalizando com mais 7 ou 8 quilômetros pelos bosques úmidos, com subidas e descidas, muito mais subidas... até Tineo.

Adios, Salas: peregrinando, como sempre...

Desejo de sorte e buen caminho ao peregrino: SantiaGO

Peregrinos franceses Sylvia e Ralph

Marcos garantem a boa sinalização do Caminho Primitivo

Peregrinos espanhóis Marcelo e Antonio

Gina, a peregrina inglesa

Peregrina alemã Josephine

Chuvisco intermitente e muita lama no Caminho

Os sinais do Caminho nas Astúrias

Peregrinos espanhóis Henrique e Yenay

Pronto, e aqui estou em Tineo – pois, preocupado com o inchaço e as dores do joelho, dormi a primeira noite, e acordei nesta terça-feira 9 com disposição de tirar a dúvida com uma avaliação médica – conforme detalhei acima. Diz o médico que foi uma má pisada, somada ao excesso de esforço, que inflamou, e que com descanso e medicamentos, meu joelho voltará ao normal, ou ficará melhor. Assim é a tendinite. Não se sabe quando chega, muito menos quando vai. Tem o seu tempo. Pois, eu também tenho o meu tempo!!! Quebrar, não quebra, me garantiu o especialista.
A dúvida permanece nesta retomada de peregrinação, recebendo, contudo, o apoio de amigos e de minha amada Sandra de que amanhã acordarei bem melhor, podendo, enfim, cumprir mais uma etapa de meu objetivo, me posicionando em Borres.
Ah! Sobre o título deste post, cada vez vai ficando mais claro para mim o motivo pelo qual o Primitivo não foi meu primeiro Caminho. Talvez não tivesse peregrinado outros. Talvez ele seja, isto sim, meu último...
Santiago, passa à frente!

#pedrasdocaminho 

3 comentários:

  1. Muito legal o blog! Fotos lindas! Parabéns!

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  2. Amigo peregrino no próximo Primitivo opte por Bodenaya, como fez o peregrino italiano, aí vai encontrar o verdadeiro espírito jacobeo, não digo mais, vai saber passar por lá! Grato pelos seus belos relatos dos Caminhos de Santiago. Bom caminho sempre.

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