quarta-feira, 29 de julho de 2015

Impulso à peregrinação!

Muralha romana de Lugo: Comitê amplia, além do Caminho
Francês, o status de Patrimônio Mundial da Unesco

Na esteira do êxito pelas comemorações do 8º centenário da peregrinação de Francisco, de Assis a Santiago de Compostela, o Caminho de Santiago, na Espanha, foi contemplado em julho com um magnífico impulso internacional. Após uma expectativa de mais de 20 anos, finalmente o Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, reunido em Bonn, na Alemanha, estendeu o status de Patrimônio Mundial aos quatro Caminhos de Santiago que movimentam o Norte do país. Desde 1993, a classificação envolvia apenas o Caminho Francês, com seus 800 quilômetros a partir de Saint Jean Pied de Port, na França – o mais conhecido entre os Caminhos que há 12 séculos inspiram a veneração às relíquias de Tiago Maior, um dos 12 apóstolos de Jesus, que formam uma das três principais rotas de peregrinação do mundo cristão, ao lado de Jerusalém e Roma.
O reconhecimento projeta a perspectiva de investimentos na restauração do rico patrimônio artístico, histórico, arquitetônico, cultural da região – que envolve diversas Províncias, como Vizcaya, Cantábria, La Rioja, Astúrias, Lugo e A Coruña, estas duas que formam a Galícia – e corrige um erro fundamental. A partir de agora, está elevado à categoria de Patrimônio Mundial o Caminho Primitivo, o primeiro entre os Caminhos de Santiago. Junto com o Primitivo – que tive o entusiasmo de peregrinar em junho passado –, passaram a ser Patrimônio Mundial o Caminho do Norte, de Irún a Arzúa, quando se encontra com o Caminho Francês; o Caminho Vasco Riojano, de Irún até Santo Domingo de la Calzada, seguindo pelo Caminho Francês; e o Caminho de Liébana, um trecho de grande interesse, que liga San Vicente de la Barquera, no Caminho do Norte, ao Mosteiro de Santo Toríbio de Liébana. O monge Toríbio de Astorga viveu em meados do século VIII e em 776 escreveu o livro “Comentário sobre o Apocalipse” para explicar o incrível texto de São João. Também é de sua autoria o hino litúrgico “O Dei Verbum”, no qual chama Santiago, muito antes de serem encontradas suas relíquias, de “cabeça de ouro refulgente da Espanha” e “nosso protetor e patrono especial”.

As pedras do Caminho Primitivo: atravessando a Cordilheira
Cantábrica, entre Astúrias e Galícia

Peregrino no Caminho Primitivo: honras ao Senhor

Os passos do rei Alfonso II

Inaugurei a série de peregrinações a Santiago de Compostela em 2009 pelos 800 quilômetros do Caminho Francês, a partir de Saint Jean Pied de Port. Em 2010, Ano Santo Compostelano, percorri os 240 quilômetros do Caminho Português, desde Oporto, e dois anos depois, em 2012, atravessei os 180 quilômetros do Caminho Aragonês, no trecho entre Somport, nos Pirineus, a Puente la Reina. Em 2013, desafiei os 420 quilômetros do Caminho Sanabrês, desde Zamora, na Vía de la Plata.
Este ano era o momento de corrigir o que considerava uma falha, de ainda não ter peregrinado o primeiro dos Caminhos de Santiago, o Primitivo, com cerca de 320 quilômetros, que atravessa a Cordilheira Cantábrica, entre Oviedo, no Principado das Astúrias, e Santiago de Compostela. Afinal, é uma máxima no Caminho:
– Quien va a Compostela y no visita al Salvador, honra al criado y se olvida del Señor.
A frase alude à Catedral de San Salvador de Oviedo, cuja Câmara Santa guarda inúmeras relíquias, como uma das duas peças do Santo Sudário, a que protegeu a cabeça de Jesus após sua crucificação – a outra, que abrigou o corpo de Jesus, está em Turim, na Itália.
Em junho enfrentei o desafio, que será relatado em livro, com a perspectiva de repetir os passos de Alfonso II, o Casto (759/760 – 842), rei das Astúrias de 791 a 842. Conta a tradição que no primeiro terço do século IX (possivelmente, entre 815 e 825) o sepulcro de pedra com três corpos, do apóstolo Tiago Maior e seus discípulos Teodoro e Atanásio, foi descoberto pelo eremita Pelayo (ou Paio), que comunicou o bispo Teodomiro, de Iria Flávia. Este acionou o rei Alfonso II, que saiu da capital do reino, em Oviedo, e com seu séquito foi até a região que viria a ser chamada de Campus Stelae, ou Compostela, onde mandou construir uma igreja, hoje a fantástica Catedral – dando início ao fenômeno da peregrinação...

Mistérios nas pedras do Caminho...

Livros revelam peregrinações

Minhas peregrinações geraram a publicação de quatro livros: a trilogia “Pedras do Caminho” (“Meu Encontro no Caminho de Santiago”, “Sentido do Perdão” e “Busca sem Fim”) e “Descobrindo novos Caminhos”, que iniciou nova série sobre outros Caminhos de Santiago – e que terá seu segundo momento com “Passos do Amor”, com lançamento programado para este ano, que aborda a célebre peregrinação de São Francisco, realizada em 1214, de Assis a Santiago de Compostela – um trajeto de 2.500 quilômetros, que reconstitui em 2014, de trem, ônibus, carro, em companhia de minha esposa, a jornalista Sandra Netto. Os títulos estão à venda na Realejo Livros, no Gonzaga, em Santos, ou pelo e-mail titan.com@uol.com.br
#pedrasdocaminho



Página 5, edição nº 246, julho de 2015, do Jornal Perspectiva, onde os textos acima foram originariamente publicados. Leia também em www.jornalperspectiva.com.br

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Em Santiago reencontro Ludovicum!

Aos pés da Catedral de Santiago: agradecer,
agradecer e agradecer...

Mantendo a estratégia revelada no post anterior, neste final de peregrinação pelo Caminho Primitivo tentei caminhar os restantes 55 quilômetros, de Melide a Santiago de Compostela com o mínimo de planejamento... Assim, em vez de três dias, consegui realizar o trecho em duas etapas: de Melide a Salceda, 25,2 quilômetros (ou seriam 21,8...), e de Salceda a Santiago de Compostela, 28 quilômetros (ou seriam 26,3...), perfazendo (considerando, afinal, as medições do site Gronze) 312,6 quilômetros (ou menos? ou mais?) desde Oviedo, embora a Oficina de Peregrinaciones da Catedral de Santiago registre que este Caminho Primitivo tem cerca de 350 quilômetros...
Na quinta-feira 18, a partir de Melide, atravessei Arzua e dei uma boa esticada até Salceda, onde fiquei no albergue turístico. Ah! Se todos fossem iguais a você... Seria esticar demais continuar até Pedrouzo.
Diz o marco oficial do Caminho, em Salceda, que deste pueblo a Santiago de Compostela a distância é de 26,3 quilômetros – quase a mesma divulgada pelos guias e sites, que afirmam, de modo geral, que o percurso tem 26,6 quilômetros, sendo 21,8 quilômetros, de Salceda ao Monte do Gozo, e mais 4,8 quilômetros, do Monte do Gozo a Santiago.
Sexta-feira 19, ainda pela manhã, cheguei a admitir fazer apenas o primeiro trecho e no dia seguinte, sábado 20, peregrinar do Monte do Gozo a Santiago, com bastante tempo para cumprir o ritual na Oficina de Peregrinaciones, visando obter minha Compostela – o diploma que certifica minha peregrinação –, e estar preparado para a missa das 12 horas, dedicada aos peregrinos, sempre finalizada com o espetáculo do botafumeiro, depois saudar o Apóstolo, visitar as relíquias na cripta da Catedral...
Mas não foi exatamente assim que aconteceu. No último dia de peregrinação foram mais de 8 horas caminhando... Iniciei por volta das 7h15, e após sair de Salceda, atravessei uma sequência de pueblos, como A Brea, Santa Irene, Pedrouzo...
Para em Pedrouzo para o café e confesso que foi muito difícil o trecho até o Monte de Gozo. Ora achava que seria melhor parar, ora que o melhor seria concluir... O trajeto tem muito asfalto e, sob um sol entre os 30 e 40 graus, passei por Amenal, San Paio, Lavacolla, San Marcos e, enfim, Monte do Gozo, onde é possível visualizar, pela primeira vez, as torres da Catedral de Santiago.
Ao chegar ao Monte do Gozo e tirar as fotos junto ao monumento ao Papa Santo João Paulo II, sentei numa cadeira do quiosque em frente à Capela de São Marcos e pedi um bocadilho e dois Aquarius. Fiquei, como sempre, atento aos personagens do lugar...
Antes de ir embora, doei dois euros por um artesanato feito pelo hippie do local. Para agradecer ele perguntou de onde eu era e disse “muito obrigado”. Ele comentou: “brasileiro”, e um casal de jovens que estava junto sorriu... Voltei para a cadeira onde estava, peguei a mochila, o chapéu, os dois bastões – ainda pedi mais um sorvete e uma garrafa de água – e fui embora. Acho que neste momento meu celular caiu do bolso da bermuda...
Descia o Monte do Gozo quando dei pela falta do aparelho e voltei imediatamente, cerca de dois quilômetros, pois nem havia se passado 30 minutos. Era por volta das 15 horas. No Caminho reencontrei o peregrino croata que estava no quiosque e ele disse que nada se falou sobre achado de celular... Ao chegar ao quiosque, não havia nenhum peregrino. A cadeira onde eu estava sentado tinha sido levada para outro local. Ou seja, a cena havia sido alterada... A moça que me atendeu havia sido substituída e a senhora, que disse tratar-se de sua sogra, ligou para ela para saber se tinha encontrado meu celular. Nada.
Dois locais apareceram para dar palpites... Ao anunciar que iria acionar a Polícia, foi o hippie que informou o telefone de emergência, com a dona do quiosque fazendo a ligação de seu celular – ou seja, todos colaborando de alguma forma para resolver o “desencontro”. Já sobre o casal de jovens, o hippie passou a dizer que não o conhecia. Não era verdade, pois se tratavam com certa intimidade, com a moça abusando de palavrões. Da mesma forma, a funcionária do quiosque demonstrou conhecer bem o rapaz, pois perguntou sobre sua mãe – e ele respondeu que nada sabia sobre ela e que haviam brigado. Nem estavam se falando. Pelo telefone, contudo, ela me disse que não conhecia o jovem, muito menos sua namorada... Quando cheguei a Santiago de Compostela, ao registrar a ocorrência, passei essas informações para a Polícia.
Não fosse o “desencontro” com o celular, esta última etapa do Caminho Primitivo... Bem, deixa pra lá, esta última etapa foi perfeita! Muito obrigado! O que importa é o final da peregrinação... a minha quinta! Cerca de 320 quilômetros em 13 dias de caminhada!!! Quanta emoção. Nossa! Fica difícil relatar, ainda mais no ambiente pasteurizado de redes sociais. Gostaria de estar ao lado de todos os amigos, cara a cara, conversando, trocando energia. Matei um pouco desse entusiasmo ao encontrar, na Oficina de Peregrinaciones, o jornalista Bruno de Luca e a equipe do programa “Vai Pra Onde?”, do canal brasileiro Multishow. Estava lá para pleitear minha Compostela e fui entrevistado sobre o Caminho Santiago, os livros que escrevi, um material que deverá ser apresentado na próxima temporada do programa, em setembro, ou outubro...
Tendo em mãos minha quarta Compostela (não recebi o documento ao fazer o Caminho Aragonês, de Somport a Puente la Reina, pois é preciso, sim, chegar a Santiago...) constato que sou Ludovicum Carolum Ferraz. Diferente do Aloisium de 2009, após o Caminho Francês, e do Aloisium de 2013, ao final do Sanabrês..., mas o mesmo Ludovicum de 2010, quando peregrinei o Português...
Ao final, recordando as várias ocorrências, meu Caminho Primitivo ficou diferente do que havia planejado, citando os quilômetros conforme as medições do site Gronze...
1ª Oviedo a Grado: 23,6 km
2ª Grado a Salas: 21,6 km
3ª Salas a Tineo: 19,8 km
Descanso em Tineo
4ª Tineo a Borres: 15,2 km
5ª Borres a Berducedo: 25,8 km
6ª Berducedo a Grandas de Salime: 19,6 km
7ª Grandas de Salime a Padrón: 29,2 km
8ª Padrón a O Cádavo: 23,8 km
9ª O Cádavo a Lugo: 31 km
10ª Lugo a Ferreira: 29,8 km
11ª Ferreira a Melide: 20 km
12ª Melide a Salceda: 25,2 km
13ª Salceda a Santiago de Compostela: 28 km
Total: 312,6 km
Até a próxima peregrinação; quem sabe, em 2021, Ano Santo Compostelano. Mas, em qual Caminho? Minha busca continua...
#pedrasdocaminho

Dia começou iluminado com dúvidas: Monte do Gozo ou direto a Santiago?

Peregrinos em grupos: sim, o Caminho tem espaço para todo
tipo de peregrinação. Escolha o seu e “buen caminho!”

Após café em Pedrouzo (de onde sai para minha 29ª e última etapa em 2009,
ao peregrinar o Caminho Francês), o reencontro com bosques fantásticos...

Mais peregrinos em grupos...

Subindo ao Monte do Gozo...

Monumento em homenagem ao Papa Santo João Paulo II, Monte do Gozo

A bela Catedral de Santiago, com uma das torres já restaurada

Espetáculo do botafumeiro na Missa do Peregrino

Urna com as relíquias do Apóstolo Santiago, na cripta da Catedral

Imagem de Santiago no altar-mor da Catedral

Compostela diz que sou Ludovicum Carolum Ferraz!

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Meu reencontro com o Caminho Francês!

Afresco de Santiago peregrino na parede da
Igreja de Sancti Spiritus de Melide

Só posso atribuir tantas mudanças no meu plano inicial do Caminho Primitivo, desde Oviedo a Santiago de Compostela, em função de meu reencontro, em Melide, com o Caminho Francês. Em 2009, ao peregrinar o Caminho Real Francês, passei direto por Melide e descansei em Arzúa, depois Pedrouzo e, enfim, Santiago de Compostela. Ontem, ao chegar a Melide, agora pelo Caminho Primitivo, as lembranças de minha primeira peregrinação (que, aliás, sempre estiveram presentes...) foram revigoradas ao rever o cruzeiro do século XIV, junto à Capela de São Roque, considerado o mais antigo da Galícia – uma visão exclusiva de quem peregrina o Francês...
Decidi que a partir de Melide haveria de fazer mudanças nesta minha quinta peregrinação pelo Caminho de Santiago... Se em 2009, após Melide, minha parada seguinte foi Arzúa, desta vez não seria mais. Qual então a melhor alternativa, considerando minha perspectiva de distribuir os 55 quilômetros restantes de peregrinação em três dias, até sábado 20 de junho?
Recorrendo a guias impressos e sites do Caminho e também trocando ideia com hospitaleiros e peregrinos, decidi ponderar algumas exigências, como estabelecer a última parada antes de Santiago no albergue da Xunta, no Monte do Gozo, onde há um belo monumento dedicado ao Papa João Paulo, por sua visita a Santiago: estupendo, o albergue conta com 800 vagas. E, além de tudo, o Monte do Gozo é ponto emblemático da peregrinação a Santiago, localizado a cerca de 5 quilômetros da Cidade Santa, de onde já se é possível avistar as torres da Catedral... Decidi, então, que no sábado minha última etapa começará exatamente daí. Definida a etapa final, minha preocupação passou a ser como equilibrar os outros cerca de 50 quilômetros de percurso em dois dias, levando em consideração os pueblos e albergues existentes ao longo do percurso.
Tive que afastar a possibilidade de minha 12ª etapa ser de Melide a Arzúa, com apenas cerca de 15 quilômetros – como inicialmente planejara (e para que as restantes fossem de Arzúa a Pedrouzo, cerca de 20 quilômetros, e de Pedrouzo e Santiago, mais 20 quilômetros, preterindo a parada no Monte do Gozo...) No novo planejamento, para que fosse possível compatibilizar esses 50 quilômetros, tinha que dar uma esticada exatamente nesta 12ª etapa, que não poderia mais se limitar aos cerca de 15 quilômetros. Ou seja, teria sim que atravessar Arzúa. Mas, chegar até onde? A escolha recaiu, de forma inusitada, em Salceda, distante cerca de 10 quilômetros de Arzúa, onde está localizado um albergue turístico. Para isso, em vez de 15 quilômetros teria que peregrinar algo em torno de 25 quilômetros – ou seja, praticamente a mesma distância percorrida no dia anterior, ontem, de Ferreira a Melide. Ainda me restabelecendo da tendinite no joelho esquerdo, que me abala desde o final da terceira etapa, em Tineo, nas Astúrias, isso seria possível?
Confiante, acordei cedo e me preparei, tomando minhas vitaminas, comendo frutas, uma empanada de carne, abusando da hidratação... e me atirei no Caminho. Logo me despedi do Primitivo e ingressei, enfim, no Francês, seguindo pela Carretera de Visantoña. Busquei sinais e lembranças da peregrinação de 2009. Ah! Quanta coisa mudou. Ah! Quanta coisa não mudou. Entre um passo para cá e outro para lá, peregrinei convencido de que o Francês continua o mesmo!!! Diferente do Caminho Primitivo, que me serviu de base de comparação, constatei muitos peregrinos vestidos à vontade, nem todos com mochila – ou se carregava mochila, certamente, contando com transporte especial de uma segunda mochila... –, muitos no segundo ou terceiro dia de peregrinação, quantas mulheres!!!, vendo mais peregrinos nos cafés do que me ultrapassando ou sendo ultrapassado no Caminho...
E os moradores dos pueblos da Galícia!!! Quanto gentileza. Basta cumprimentar com “buenos dias!” e receber em troca um generoso “buen caminho!” No meu caso, tanto pelo jeito, quanto pelo sotaque, a pergunta frequente é se o peregrino é brasileiro. Com a resposta positiva, o sorriso se abria e o papo esticava, tempo para lembrar de vizinhos e parentes que imigraram, sentir saudades...
Ah! Quanta coisa não mudou. Ah! Quanta coisa mudou.
Os pueblos se sucedem neste trecho do Caminho Francês, entre propriedades rurais, bosques, muitos pássaros, pisando sobre cascalho, passando, entre outros, por O Carballal, Raído, Parabispo, A Peroxa, Boente, Punta Brea, Figueiroa, Castañeda, Fraga Alta, Pedrido, Río, Doroña, Ribadiso, Arzúa, As Barrosas, Preguntoño, A Peroxa, Taberna Vella, Calzada, Calle, Boavista e, enfim, Salceda.
A mística do Caminho está por todo lado. Para onde olho, em minha busca sem fim, o espírito do Caminho está presente. Há Caminho de todo jeito, para todo tipo de peregrino. Cada um faz o seu Caminho, cada Caminho é único. Esta é a mágica do Caminho de Santiago, do reencontro consigo, da transformação interior... e refletindo sobre todo esse poder, me passa os filmes das quatro peregrinações anteriores, me alegrando nestes momentos finais antes do meu reencontro com as relíquias do Apóstolo de Jesus, São Tiago Maior, na cripta da Catedral de Santiago de Compostela.
Minha vontade agora é só de agradecer, agradecer muito, e gritar, gritar muito: Santiago, passa à frente!
#pedrasdocaminho

 Cruzeiro de Melide, do século XIV, junto
à Capela de São Roque, considerado
o mais antigo da Galícia

Da perspectiva de quem peregrinou o Caminho Primitivo, neste ponto
dá-se o encontro com o Caminho Francês, com os peregrinos 
hegando pela esquerda e seguindo juntos pela Carretera de Visantoña

Em relação ao Caminho Primitivo, agora no Francês o movimento
de peregrinos cresce de forma exponencial...

Até Arzúa, há trechos na estrada, mas também belos bosques
refrescantes, com muitos pássaros, num convite à reflexão...

Aumentam os peregrinos... e também bicigrinos

Adiós, Arzúa. Vou dar uma esticadinha até...

O inglês peregrinava catando o lixo reciclável que alguns
peregrinos atiram pelo Caminho e, perguntado porque fazia
isso, disse apenas que tinha que ser assim...

Peregrinar em dois... “o Caminho fica mais curto!”: uma das revelações
nesta quinta peregrinação. Sempre busco, não sabendo o
que encontrar... e sempre aprendo. Assim é o Caminho de Santiago!

Marco oficial do Caminho em Salceda: a 26,3 
quilômetros de Santiago de Compostela...

terça-feira, 9 de junho de 2015

Primitivo? Não, o último. Talvez...

Catedral de Oviedo, início da peregrinação

Há algum tempo, refletindo sobre o motivo de ter optado pelo Caminho Francês na minha primeira peregrinação a Santiago de Compostela, levantei uma série de ponderações, entre as quais, com certeza a principal, o fato de que até então, em 2009, não conhecia o Caminho Primitivo – como o nome diz, o primeiro, realizado desde Oviedo pelo primeiro peregrino da história da rota, Alfonso II, O Casto, rei das Astúrias.
Óbvio, pois se nada sabia sobre o Primitivo, que afinal detonou o fenômeno das peregrinações a Santiago de Compostela, não poderia ter sido minha escolha – o que, porém, desde o momento em que soube de sua existência, passou a fazer parte de meus sonhos.
Como aceito a máxima de que Deus escreve certo com linhas tortas, desde então aceitei esta ordem, mas, ao mesmo tempo, me perguntava porque razão não teria feito primeiro o Primitivo em vez do Francês em 2009. As considerações são muitas e talvez já as tenha esgotado no texto postado há mais de um mês e que está mais abaixo. A lógica parece insofismável: se o Primitivo é o primeiro, o meu primeiro deveria ter sido o Primitivo. Mas, não foi.
O tempo passou e hoje, 8 de junho de 2015, estou aqui, neste exato momento, em Tineo, ao final da terceira etapa do Caminho Primitivo, desde Oviedo, rumo a Santiago de Compostela.
A primeira etapa, conforme está em meu plano (também em post abaixo), que vai se cumprindo, apesar de cada vez mais estar convicto de que muitas informações dos guias, nos quais me baseei, não estavam corretas, mas, enfim..., foi de Oviedo a Grado, que teria cerca de 23,6 quilômetros. Para mim foi uma etapa duríssima e classifiquei-a, repetindo um termo muito utilizado pelos espanhóis, como “rompe piernas”. Assim me senti, com as pernas rompidas, ao final, após mais de nove horas de peregrinação.
Diferente de minhas outras quatro peregrinações, realizadas sempre só, admiti, a pedido de minha amada Sandra, ter a companhia de outros peregrinos, e assim foi feito. De Oviedo sai com o italiano Fiore, que havia conhecido no dia anterior, ao final de sua peregrinação pelo Caminho de San Salvador, desde León. Logo se juntou a nós a espanhola Maite. Passamos por uma sequência de pueblos, como San Lázaro de Paniceres, Loriana, Escamplero, Premoño, Peñaflor, atravessando belos bosques, sendo recepcionados por antigos moradores, como Manoela, de 92 anos, e diferentes animais, cachorros, gatos, bois, cavalos... até alcançar Grado. Neste pueblo, que não possui albergue, fomos abordados por um agente, de carro, do albergue de Cabruñana, distante 5 quilômetros – fora do Caminho Primitivo... –, que convenceu Maite, que, muito cansada aproveitou a carona e nos deixou... Tudo bem, eu e Fiore aproveitamos a hospitalidade (nem tanto...) do único hotel de Grado.

Peregrinando com a espanhola Maite e o italiano Fiore

Descendo, sempre com cuidado pelo piso escorregadio...

Dona Manoela, 92 anos e muita disposição

Animais dóceis no Caminho

Quase chegando a Grado, no final da primeira etapa

Muito cansado e abalado pelo longo primeiro dia de peregrinação...

Ops! Aqui dou uma pausa em minhas reflexões, pois, já na cama do albergue de Tineo, sentindo fortes dores no joelho esquerdo, amanhã estou programado para a quarta etapa, até Borres...

Já no dia seguinte... 9 de junho (afinal, hoje), avalio que nem tanto pelas dores, mas pela perspectiva real de comprometer minha peregrinação, resolvi buscar auxílio médico para saber a real situação de meu joelho esquerdo. Para tirar a dúvida acionei o seguro, que, sem atendimento em Tineo, que não possui hospital, me indicou como mais próximo o hospital de Cangas del Narcea, distante cerca de 40 quilômetros. Fui e voltei de ônibus, com o diagnóstico de tendinite, após avaliação médica e raio-x. Tomei uma dose de anti-inflamatório, bolsa de gelo local e orientação para descansar de dois a três dias.
Se contar que desde ontem estou aqui, descansarei dois dias..., pois amanhã pretendo cumprir a quarta etapa da peregrinação até Borres.
Mas, detalhava sobre as etapas até então realizadas até Tineo.
A segunda etapa, de Grado a Salas, no domingo 7 de junho, embora me tenha sido apresentada pelos guias com cerca de 21,6 quilômetros, me pareceu ter 25, ou mais!!! Trecho difícil, com sequências de subidas e descidas e, realizado em período em que a região das Astúrias registra chuvas e excesso de umidade no ar, com muita lama. Logo no início, continuando a caminhar com o peregrino italiano Fiore, enfrentamos uma subida forte até San Juan de Villapañada, com muita névoa. Durante o caminho passamos por vários pueblos, como Santa Eulalia de Dóriga, Cornellana, que abriga o Monastério de San Salvador, fundado em 1024, que está sendo recuperado, Llamas, Quintana, Casazorrina e, finalmente, Salas, cujo casco antigo destaca a Colegiata de Santa María la Mayor, gótica e renascentista do século XVI, onde está o mausoléu do arcebispo Valdés-Salas, e que está localizada junto ao Palácio de los Valdés.

Adios, Grado: neblina no segundo dia de peregrinação

Peregrinando com o italiano Fiore

Belos bosques do Principado das Astúrias

Pedras do Caminho Primitivo

Monastério de San Salvador, em Cornellana

Sinais do Caminho Primitivo

Colegiata de Santa María la Mayor, em Salas

Nesta tarde de domingo, em Salas, despedi-me de Fiore, que, com a disposição dos 43 anos, continuou sua peregrinação até Bodenaya, somando mais uns cinco quilômetros. Após instalar-me no albergue de peregrinos, para minha surpresa reencontrei a espanhola Maite.
Sem bolhas nos pés, mas já com dores no joelho esquerdo, talvez devido a um quase escorregão nas pedras do trecho de Grado a Salas, descansei com a certeza que no dia seguinte, a segunda-feira 8 (enfim, ontem), estaria melhor. E estava!
Meu terceiro dia de peregrinação compreendeu – segundo os guias – 19,8 quilômetros, entre Grado e Tineo... Mas, acho que esta distância foi medida pela estrada, porque pelos bosques, encharcados pelas chuvas, com muita lama, exigindo todo cuidado... é possível que o percurso passe dos 22 quilômetros, entre tantas subidas e descidas. Enfim, a etapa oferece belas paisagens, muitos animais, gente simples nos pueblos, passando primeiro por Bodenaya, após uma forte subida, depois Porciles e La Espina, depois um trecho pela rodovia atravessando La Pereda, El Pedregal... finalizando com mais 7 ou 8 quilômetros pelos bosques úmidos, com subidas e descidas, muito mais subidas... até Tineo.

Adios, Salas: peregrinando, como sempre...

Desejo de sorte e buen caminho ao peregrino: SantiaGO

Peregrinos franceses Sylvia e Ralph

Marcos garantem a boa sinalização do Caminho Primitivo

Peregrinos espanhóis Marcelo e Antonio

Gina, a peregrina inglesa

Peregrina alemã Josephine

Chuvisco intermitente e muita lama no Caminho

Os sinais do Caminho nas Astúrias

Peregrinos espanhóis Henrique e Yenay

Pronto, e aqui estou em Tineo – pois, preocupado com o inchaço e as dores do joelho, dormi a primeira noite, e acordei nesta terça-feira 9 com disposição de tirar a dúvida com uma avaliação médica – conforme detalhei acima. Diz o médico que foi uma má pisada, somada ao excesso de esforço, que inflamou, e que com descanso e medicamentos, meu joelho voltará ao normal, ou ficará melhor. Assim é a tendinite. Não se sabe quando chega, muito menos quando vai. Tem o seu tempo. Pois, eu também tenho o meu tempo!!! Quebrar, não quebra, me garantiu o especialista.
A dúvida permanece nesta retomada de peregrinação, recebendo, contudo, o apoio de amigos e de minha amada Sandra de que amanhã acordarei bem melhor, podendo, enfim, cumprir mais uma etapa de meu objetivo, me posicionando em Borres.
Ah! Sobre o título deste post, cada vez vai ficando mais claro para mim o motivo pelo qual o Primitivo não foi meu primeiro Caminho. Talvez não tivesse peregrinado outros. Talvez ele seja, isto sim, meu último...
Santiago, passa à frente!

#pedrasdocaminho