sábado, 24 de outubro de 2015

Tradução livre da homilia...

Tradução livre da homilia pronunciada pelo frei Michael Perry, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores (OFM) – leia o original no post abaixo... –, em 19 de outubro passado, na missa de abertura da Assembleia Geral da UFME (Union de Frailes Menores de Europa), em Dubrovnik, na Croácia, encerrada hoje.

Caros irmãos, O Senhor lhes dê a paz!

"Então disse: ‘Já sei o que vou fazer. Vou derrubar os meus celeiros e construir outros maiores, e ali guardarei toda a minha safra e todos os meus bens.
E direi a mim mesmo: Você tem grande quantidade de bens, armazenados para muitos anos. Descanse, coma, beba e alegre-se’.” (Lc 12,18-19).

Talvez ninguém tenha notado que o homem da parábola é completamente sozinho. Não há ninguém em volta, ninguém com quem possa compartilhar os seus pensamentos, suas dificuldades, suas esperanças e sonhos. Não há nem mesmo alguém com quem compartilhar a riqueza material que ele tem acumulado ao longo do tempo, ninguém que possa preencher de carinho e bondade. "E direi a mim mesmo...". Na era dos selfie este homem é um verdadeiro campeão!
Qual é a mensagem desta parábola? Quais valores quer nos oferecer, discípulos do Senhor ressuscitado? O que quer dizer a nós, Frades Menores, aqui reunidos para o encontro das Conferências Europeias da UFME? Quais desafios põe diante de nós e diante dos irmãos dessas regiões da Europa e de toda a Fraternidade universal?
Durante o Capítulo Geral temos centrado nossa atenção sobre as diversas formas de crise que, como Fraternidade evangélica universal, estamos atravessando. Temos dedicado muito tempo e energia para analisar a crise econômica da Cúria geral, do seu declínio, do envelhecimento e do abandono da Ordem. Entre todas estas formas de crises examinadas surgiram três muito precisas e profundas, que se revelam como verdadeiras ameaças à nossa identidade espiritual, fraterna e missionária.
A primeira é a crise de identidade, que surge da parábola do rico proprietário de terras. Se o único ponto de referência nas áreas de nossa vida que realmente importa é nós mesmos, nossos próprios projetos pessoais e o desenvolvimento de estratégias para alcançar estes projetos individuais, então seremos franciscanos que só falam de si mesmos. Vamos nos agarrar ao braço do rico proprietário de terras, que, em seu ato egoísta de se tornar um campeão de selfie, empurra Deus em direção à margem e se põe ao centro.
Podemos traduzir a crise de identidade em uma crise de fé. O homem descrito na parábola não acredita que Deus é o centro de sua vida; não acredita que Deus está por trás da abundância de suas colheitas e de todos os bens que acumula; já não acredita em Deus. É o único para o qual vão todos os elogios e agradecimentos. No coração deste homem há um silêncio ensurdecedor: o silêncio que flui de uma vida sem espírito de gratidão, sem humildade e sem amor.
SEGUNDA: Quando nós colocamos no centro da nossa vida e nosso trabalho, participamos de maneira efetiva na fabricação de ídolos, perante os quais temos de prostrar-se para adoração, e para os quais precisamos construir celeiros maiores, onde podemos guardá-los. Na era da Internet, da gratificação instantânea e do individualismo desenfreado há esta ameaça cada vez maior: construir, por parte de nossas Províncias e Custódias, celeiros virtuais ou de outra forma para os quais nos retirarmos mentalmente, psicologicamente e emocionalmente. Consequentemente, existe o perigo de sacrificar a preciosidade da vida com e para os irmãos e os demais, substituindo-a por uma vida de solidão. Como surgiu durante o Capítulo Geral, os irmãos que se deixam seduzir por essas falsas promessas e ilusões acabam por "divorciar-se” de toda relação humana, como o homem da parábola.
Papa Francisco nos recorda, a este respeito: "Quando a vida interior se enclausura nos próprios interesses, não há espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se escuta a voz de Deus, já não se goza a doce alegria do seu amor, já não palpita o entusiasmo por fazer o bem". (Evangelii Gaudium, par. 2).
Quantos de nossos irmãos já estão vivendo uma vida onde não se ouve a voz de Deus, já não se desfruta a doce alegria de seu amor, não palpita o entusiasmo de fazer o bem? Quantos de de nossos irmãos já estão divorciados emocionalmente, psicologicamente, espiritualmente e efetivamente dos irmãos da própria fraternidade, da Província e da Ordem?
E, pior ainda, somos capazes de diagnosticar esses sintomas que levam à morte e tomar medidas concretas para enfrentá-los?
O terceiro tipo de crise é a crescente distância entre nós, os Frades Menores, e a vida de nossos irmãos e irmãs que estão em condição de pobreza material, social e de qualquer outro tipo. Nossos "celeiros", o estilo de vida e as estruturas mentais que construímos para nos proteger de ameaças externas refletem a falsa sensação de segurança por trás da qual tentamos nos esconder. "Minha alma, tens bens armazenados para muitos anos; descansa, come, bebe, festeja alegremente" (Lc 12,19).
E assim, gradualmente perdemos a capacidade de experimentar a autêntica conversão. Perdemos a capacidade de crescer em compaixão, de entrar na dor e no desespero, nas alegrias e nas esperanças daqueles que nos rodeiam, especialmente daqueles que estão mais necessitados de amor e reconhecimento. Sem nos darmos conta que, ao final, escolhemos o caminho que leva à morte e não à vida.

Buscamos consolo no sentido de auto-sacrifício; procuramos proteção frente aos riscos que tem que ser corrido pelo bem do Reino de Deus e de seu povo. Para isso, Jesus responde: "Tolo! Esta noite te pedirão a tua alma; e de quem será o que tens preparado? Assim é o que guarda como tesouro para si, e não é rico para com Deus". (Lc 12, 20-21).

Queridos irmãos, somos chamados a ser missionários da misericórdia e portadores da alegria do Evangelho. Somos chamados a viver e compartilhar com todos o dom do encontro, pessoalmente e como irmãos, o Deus de amor e de misericórdia, “que dá um novo horizonte à vida e, com ele, um rumo decisivo" (EG 7).

Se colocarmos Deus no centro, descobriremos que podemos nos tornar plenamente humanos e vivos. Deus, portanto, "pode ​​nos levar além de nós mesmos para alcançar o nosso ser mais verdadeiro" (EG 8).

Quando isso acontece, descobrimos a renovada capacidade de perdoar uns aos outros, nos encontramos com a disponibilidade de trabalhar juntos pelo Reino de Deus, reacendendo o desejo de ir às periferias do mundo, com humildade e simplicidade, de modo a descobrir o que é mais querido a Deus, que dá a vida e que inspira valor e esperança.

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