Tradução livre da homilia
pronunciada pelo frei Michael Perry, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores
(OFM) – leia o original no post abaixo... –, em 19 de outubro passado, na missa
de abertura da Assembleia Geral da UFME (Union de Frailes Menores de Europa),
em Dubrovnik, na Croácia, encerrada hoje.
Caros
irmãos, O Senhor lhes dê a paz!
"Então
disse: ‘Já sei o que vou fazer. Vou derrubar os meus celeiros e construir
outros maiores, e ali guardarei toda a minha safra e todos os meus bens.
E
direi a mim mesmo: Você tem grande quantidade de bens, armazenados para muitos
anos. Descanse, coma, beba e alegre-se’.” (Lc 12,18-19).
Talvez
ninguém tenha notado que o homem da parábola é completamente sozinho. Não há
ninguém em volta, ninguém com quem possa compartilhar os seus pensamentos, suas
dificuldades, suas esperanças e sonhos. Não há nem mesmo alguém com quem
compartilhar a riqueza material que ele tem acumulado ao longo do tempo, ninguém
que possa preencher de carinho e bondade. "E direi a mim mesmo...".
Na era dos selfie este homem é um verdadeiro campeão!
Qual
é a mensagem desta parábola? Quais valores quer nos oferecer, discípulos do
Senhor ressuscitado? O que quer dizer a nós, Frades Menores, aqui reunidos para
o encontro das Conferências Europeias da UFME? Quais desafios põe diante de nós
e diante dos irmãos dessas regiões da Europa e de toda a Fraternidade
universal?
Durante
o Capítulo Geral temos centrado nossa atenção sobre as diversas formas de crise
que, como Fraternidade evangélica universal, estamos atravessando. Temos dedicado
muito tempo e energia para analisar a crise econômica da Cúria geral, do seu declínio,
do envelhecimento e do abandono da Ordem. Entre todas estas formas de crises
examinadas surgiram três muito precisas e profundas, que se revelam como
verdadeiras ameaças à nossa identidade espiritual, fraterna e missionária.
A
primeira é a crise de identidade, que surge da parábola do rico proprietário de
terras. Se o único ponto de referência nas áreas de nossa vida que realmente
importa é nós mesmos, nossos próprios projetos pessoais e o desenvolvimento de
estratégias para alcançar estes projetos individuais, então seremos
franciscanos que só falam de si mesmos. Vamos nos agarrar ao braço do rico
proprietário de terras, que, em seu ato egoísta de se tornar um campeão de
selfie, empurra Deus em direção à margem e se põe ao centro.
Podemos
traduzir a crise de identidade em uma crise de fé. O homem descrito na parábola
não acredita que Deus é o centro de sua vida; não acredita que Deus está por
trás da abundância de suas colheitas e de todos os bens que acumula; já não
acredita em Deus. É o único para o qual vão todos os elogios e agradecimentos.
No coração deste homem há um silêncio ensurdecedor: o silêncio que flui de uma
vida sem espírito de gratidão, sem humildade e sem amor.
SEGUNDA:
Quando nós colocamos no centro da nossa vida e nosso trabalho, participamos de
maneira efetiva na fabricação de ídolos, perante os quais temos de prostrar-se
para adoração, e para os quais precisamos construir celeiros maiores, onde
podemos guardá-los. Na era da Internet, da gratificação instantânea e do individualismo
desenfreado há esta ameaça cada vez maior: construir, por parte de nossas Províncias
e Custódias, celeiros virtuais ou de outra forma para os quais nos retirarmos mentalmente,
psicologicamente e emocionalmente. Consequentemente, existe o perigo de
sacrificar a preciosidade da vida com e para os irmãos e os demais, substituindo-a
por uma vida de solidão. Como surgiu durante o Capítulo Geral, os irmãos que se
deixam seduzir por essas falsas promessas e ilusões acabam por "divorciar-se”
de toda relação humana, como o homem da parábola.
Papa
Francisco nos recorda, a este respeito: "Quando a vida interior se
enclausura nos próprios interesses, não há espaço para os outros, já não entram
os pobres, já não se escuta a voz de Deus, já não se goza a doce alegria do seu
amor, já não palpita o entusiasmo por fazer o bem". (Evangelii Gaudium,
par. 2).
Quantos
de nossos irmãos já estão vivendo uma vida onde não se ouve a voz de Deus, já não
se desfruta a doce alegria de seu amor, não palpita o entusiasmo de fazer o
bem? Quantos de de nossos irmãos já estão divorciados emocionalmente,
psicologicamente, espiritualmente e efetivamente dos irmãos da própria
fraternidade, da Província e da Ordem?
E,
pior ainda, somos capazes de diagnosticar esses sintomas que levam à morte e
tomar medidas concretas para enfrentá-los?
O
terceiro tipo de crise é a crescente distância entre nós, os Frades Menores, e
a vida de nossos irmãos e irmãs que estão em condição de pobreza material, social
e de qualquer outro tipo. Nossos "celeiros", o estilo de vida e as
estruturas mentais que construímos para nos proteger de ameaças externas
refletem a falsa sensação de segurança por trás da qual tentamos nos esconder.
"Minha alma, tens bens armazenados para muitos anos; descansa, come, bebe,
festeja alegremente" (Lc 12,19).
E
assim, gradualmente perdemos a capacidade de experimentar a autêntica conversão.
Perdemos a capacidade de crescer em compaixão, de entrar na dor e no desespero,
nas alegrias e nas esperanças daqueles que nos rodeiam, especialmente daqueles
que estão mais necessitados de amor e reconhecimento. Sem nos darmos conta que,
ao final, escolhemos o caminho que leva à morte e não à vida.
Buscamos
consolo no sentido de auto-sacrifício; procuramos proteção frente aos riscos que
tem que ser corrido pelo bem do Reino de Deus e de seu povo. Para isso, Jesus
responde: "Tolo! Esta noite te pedirão a tua alma; e de quem será o que
tens preparado? Assim é o que guarda como tesouro para si, e não é rico para
com Deus". (Lc 12, 20-21).
Queridos
irmãos, somos chamados a ser missionários da misericórdia e portadores da
alegria do Evangelho. Somos chamados a viver e compartilhar com todos o dom do
encontro, pessoalmente e como irmãos, o Deus de amor e de misericórdia, “que dá
um novo horizonte à vida e, com ele, um rumo decisivo" (EG 7).
Se
colocarmos Deus no centro, descobriremos que podemos nos tornar plenamente
humanos e vivos. Deus, portanto, "pode nos
levar além de nós mesmos para alcançar o nosso ser mais verdadeiro" (EG 8).
Quando
isso acontece, descobrimos a renovada capacidade de perdoar uns aos outros, nos
encontramos com a disponibilidade de trabalhar juntos pelo Reino de Deus, reacendendo
o desejo de ir às periferias do mundo, com humildade e simplicidade, de modo a
descobrir o que é mais querido a Deus, que dá a vida e que inspira valor e
esperança.
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