Santiago peregrino, a imagem mais antiga da Espanha, século XI:
no portal da Igreja de Santa Marta de Tera, Caminho
Sanabrês
Vou em busca
do espírito do Caminho de Santiago. Não é simples compreender isso. É possível
que algumas pessoas nunca consigam – ou nem precisem. Não tem nada a ver com livrar-se
das tarefas do dia a dia em sua cidade, em seu país, e deixar tudo acontecer na
Espanha, e lá fazer aquilo que der na cabeça, transgredir e nem ligar para as
consequências... Isto é outra coisa e tem mais a ver com aquele período da vida
de qualquer um, no qual a responsabilidade não faz parte das prioridades
pessoais; e quando, muito menos, interessa cultivar virtudes.
Ah!, sim,
vou em busca do espírito do Caminho de Santiago, pois sei que nele é possível
descobrir virtudes. Elas estão em todos os lugares, nas pedras do Caminho, nos
bichos, na gente, enfim, na mística da peregrinação às relíquias do Apóstolo de
Jesus, Tiago Maior, guardadas na cripta da catedral de Santiago de Compostela.
Com a
popularidade acumulada ao longo de 12 séculos, todos os Caminhos que levam a
Santiago de Compostela atraem pessoas de várias partes do mundo, a grande
maioria, naturalmente, da própria Espanha. Afinal, tendo Santiago como patrono
de seu país, para o espanhol a peregrinação não é uma decisão qualquer: não se trata,
por exemplo, de fazer turismo. Pelo contrário, é uma escolha séria, cercada de
ritual, comparada a uma prova de vida. Não é como acontece em muitos outros
países, entre os quais o Brasil, na qual a peregrinação a Santiago parece não
fazer o mesmo, ou nenhum sentido, sendo equivalente a uma viagem de lazer, como
a Ouro Preto, Caldas Novas, ou às Cataratas do Iguaçu.
Um
desentendimento, contudo, que não tem qualquer importância, seja para o
espanhol ou para os povos que possuem a dimensão da peregrinação, seja para os
demais, para os quais tal esforço, como se disse, não tem o mesmo, ou qualquer
significado, representando tão-somente um passeio por paisagens fantásticas,
enriquecidas por um monumental patrimônio histórico, artístico, arquitetônico,
palco de batalhas intermináveis que transformaram civilizações, berço de nossos
antepassados...
Pois se é
assim, cada caminhante é dono do seu Caminho e há de percorrê-lo do jeito que
lhe convier, sem qualquer compromisso ou, como diria o poeta, “sem lenço e sem
documento”. Com essa disposição, o caminhante – e aqui já é possível chama-lo
de andarilho –, interpretará a seu modo cada provérbio do Caminho, como o que
ensina que “o Caminho sou eu”, ou “o Caminho se faz caminhando”.
E que se
cuide quem ousar impedi-lo de caminhar!!!
Mas não
haverá, com absoluta certeza, quem o censure a caminhar, pois uma das virtudes
do Caminho é a liberdade, e nesse sentido qualquer um é livre para caminhar,
com a indumentária e os equipamentos que quiser, visando apreciar a bela paisagem
e usufruir de toda a infraestrutura fomentada para atender ao peregrino.
Ao final de
rápidas ponderações – sobre as quais, aliás, escrevi alguns livros... –, fica
fácil distinguir o espírito da peregrinação por meio de uma famosa máxima do
Caminho:
“El
turista viaja,
El
senderista anda,
El
peregrino busca.”
Para
vivenciar a mística do Caminho de Santiago e, por meio da peregrinação,
garimpar virtudes, encontrando-as nas mais sublimes atitudes, seja na saudação
dos moradores dos pueblos, no acolhimento dos hospitaleiros, em especial
entre os que exercem a atividade de forma voluntária nos albergues, e mesmo
entre peregrinos (de qualquer nacionalidade), não basta simplesmente caminhar.
Ou seja, não basta ESTAR! Para penetrar no universo da peregrinação,
envolver-se com o espírito do Caminho de Santiago, evoluir ao encontrar-se
consigo mesmo neste ambiente em que prevalecem as virtudes, como a
solidariedade, a amizade, o amor, a fraternidade, o respeito, a caridade..., é
preciso SER.
A escolha,
obviamente, como já se disse e se reitera, é livre de cada um e cada qual deve
saber de sua vida e responder por seus atos. A propósito, ainda que nos dias de
hoje muitos (nem todos...) que fazem o Caminho assumam motivos turísticos,
lembro de um ensinamento obtido numa de minhas peregrinações, em 2010, Ano
Jacobeo, pelo Caminho Português. Na ocasião, o hospitaleiro me revelou que dois
franceses haviam acabado de descer de um táxi, nas imediações do albergue e,
flagrados, foram logo explicando que um deles havia torcido o pé, mas que no
dia seguinte estavam dispostos a voltar ao ponto onde haviam contratado o táxi
para dali retomar a peregrinação. O hospitaleiro teria autoridade para negar
acolhimento, indicando uma Casa Rural ou hotel, mas, em vez disso, recepcionou
os caminhantes. Apenas advertiu: “Sobre o Caminho, vocês se acertam com o
Apóstolo em Santiago!”.
Como no post
imediatamente abaixo – hoje, já contando as horas... –, logo mais iniciarei
minha peregrinação pelo Caminho Primitivo, desde Oviedo. Será minha quinta
peregrinação a Santiago de Compostela e, por tudo o que aprendi nas anteriores,
espero que não seja a última, até porque entendo que essa busca é sem fim –
como intitulei o terceiro livro da trilogia Pedras do Caminho...
Por ora,
cuido dos detalhes desta peregrinação, que envolve a magnífica história do
começo da peregrinação a Santiago de Compostela, e que se insere no processo da
famosa Reconquista... Trata-se de um percurso em torno de 320 quilômetros, que
atravessa belas paisagens dos Picos de Europa, onde a presença do apóstolo
Tiago Maior é celebrada no contexto de conhecido provérbio da Idade Média: “Quien
va a Compostela y no visita al Salvador, honra al criado y se olvida del Señor”.
Santiago,
passa à frente!#pedrasdocaminho
Nenhum comentário:
Postar um comentário